segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A cada 2 minutos, 5 mulheres espancadas

Pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Sesc projeta uma chocante estatística: a cada dois minutos, cinco mulheres são agredidas violentamente no Brasil. E já foi pior: há 10 anos, eram oito as mulheres espancadas no mesmo intervalo.

A reportagem é de Flávia Tavares e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 21-02-2011.

Realizada em 25 Estados, a pesquisa Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado ouviu em agosto do ano passado 2.365 mulheres e 1.181 homens com mais de 15 anos. Aborda diversos temas e complementa estudo similar de 2001. Mas a parte que salta aos olhos é, novamente, a da violência doméstica.

"Os dados mostram que a violência contra a mulher não é um problema privado, de casal. É social e exige políticas públicas", diz Gustavo Venturi, professor da USP e supervisor da pesquisa.

Para chegar à estimativa de mais de duas mulheres agredidas por minuto, os pesquisadores partiram da amostra para fazer uma projeção nacional. Concluíram que 7,2 milhões de mulheres com mais de 15 anos já sofreram agressões - 1,3 milhão nos 12 meses que antecederam a pesquisa.

A pequena diminuição do número de mulheres agredidas entre 2001 e 2010 pode ser atribuída, em parte, à Lei Maria da Penha. "A lei é uma expressão da crescente consciência do problema da violência contra as mulheres", afirma Venturi.

Entre os pesquisados, 85% conhecem a lei e 80% aprovam a nova legislação. Mesmo entre os 11% que a criticam, a principal ressalva é ao fato de que a lei é insuficiente.

Visão masculina

O estudo traz também dados inéditos sobre o que os homens pensam sobre a violência contra as mulheres. Enquanto 8% admitem já ter batido em uma mulher, 48% dizem ter um amigo ou conhecido que fizeram o mesmo e 25% têm parentes que agridem as companheiras. "Dá para deduzir que o número de homens que admitem agredir está subestimado. Afinal, metade conhece alguém que bate", avalia Venturi.

Ainda assim, surpreende que 2% dos homens declarem que "tem mulher que só aprende apanhando bastante". Além disso, entre os 8% que assumem praticar a violência, 14% acreditam ter "agido bem" e 15% declaram que bateriam de novo, o que indica um padrão de comportamento, não uma exceção.

Na infância

Respostas sobre agressões sofridas ainda na infância reforçam a ideia de que a violência pode fazer parte de uma cultura familiar. "Pais que levaram surras quando crianças tendem a bater mais em seus filhos", explica Venturi. No total, 78% das mulheres e 57% dos homens que apanharam na infância acreditam que dar tapas nos filhos de vez em quando é necessário. Entre as mulheres que não apanharam, 53% acham razoável dar tapas de vez em quando.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Ministra do Meio Ambiente ataca relatório de Aldo para código florestal

A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, foi enfática ontem, durante coletiva de imprensa em São Paulo, ao defender que as principais bandeiras do movimento ruralista presentes no projeto de alteração do Código Florestal Nacional, relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), não deverão ser aceitas pelo governo federal. Segundo ela, pontos como a anistia a desmatadores e a redução de áreas preservadas precisam ser discutidas na tentativa de estabelecer "novas bases".

A reportagem é de Samantha Maia e Caio Junqueira e publicada pelo jornal Valor, 17-02-2011.

"Não dá para anistiar quem desmatou sabendo que estava fora da lei. Isso tem que estar claro", disse a ministra após encontro com empresários do setor de infraestrutura. Outro ponto polêmico do projeto de novo Código Florestal, que elimina das áreas de proteção topos de morro, foi rechaçado pela ministra. "Topo de morro tem que ser reserva", diz ela.

Um dos argumentos do ministério contra a proposta dos parlamentares é o embate do novo código com outras políticas do governo federal. "Não posso ter algo que inviabilize a nossa política de mudanças climáticas, por exemplo", diz ela.

A proposta do governo já está em discussão desde meados do ano passado, mas ainda não há data para ser apresentada. Segundo a ministra, os pontos estão sendo discutidos com os ministros envolvidos com o tema.

A proposta não deve ser um projeto substitutivo, segundo a ministra, nem uma revisão da proposta dos parlamentares, mas sim uma ampliação do debate. "Eu não uso a palavra flexibilização. O que estamos fazendo é a tentativa de construir novas bases para uma política de Código Florestal que seja recepcionada por todas a sociedade."

Apesar de a ministra do Meio Ambiente afirmar que a proposta do governo é uma questão de diálogo, o enfrentamento com os pontos mais polêmicos mostra que será difícil um acordo com os deputados. "Nossa preocupação é manter o que existe hoje", disse ela em relação às áreas que estão sob proteção ambiental (APP) e reserva.

O grupo de deputados ligado ao agronegócio está se movimentando na busca de apoio de secretários estaduais e os parlamentares estão trabalhando para adiantar a votação do projeto.

A ministra defende o que chama de "agricultura sustentável", e diz não ver riscos de redução de áreas cultiváveis conforme argumentam os agricultores. Segundo a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), caso o projeto de lei em tramitação no Congresso não seja aprovado, a agropecuária brasileira deve perder, nos próximos dez anos, 20 milhões de hectares de área produtiva.

Izabella diz que há uma preocupação do governo em colocar em pauta na proposta também a questão das cidades, olhando o problema da ocupação de encostas de morros. "Basta ver o que aconteceu no Rio de Janeiro. Vejam quais são as áreas que foram levadas pelas águas e vejam se não são áreas de preservação. A realidade nos mostra que tem um sentido haver as APPs", diz ela. Em janeiro deste ano, a região serrana do Rio sofreu com fortes deslizamentos de terra em áreas urbanas, que levaram à morte mais de 800 pessoas.

A bandeira da revisão do relatório do Código Florestal ganhou força ontem, em Brasília, com o relançamento da Frente Ambientalista da Câmara dos Deputados. Os deputados que integram a Frente querem evitar que a proposta seja votada em março, como prometeu o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), durante sua campanha para a Mesa Diretora da Casa.

"A nossa prioridade número um é o Código Florestal, porque a proposta que saiu da comissão especial alarga as possibilidades de desmatamento", disse ontem o deputado Sarney Filho (PV-MA), coordenador da Frente. Novamente, a tragédia fluminense é usada como argumento para a revisão.

No entanto, informalmente, os deputados ambientalistas admitem que a tentativa é de reverter as derrotas para os ruralistas na comissão especial de 2010. Dentre os principais aspectos a serem revistos está a isenção de desmatamento em áreas de reserva legal para qualquer imóvel de até quatro módulos fiscais.

O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), participou do relançamento da Frente e anunciou a criação de uma comissão de negociação entre ruralistas e ambientalistas para discutir o relatório de Aldo, que está pronto para ser votado em plenário.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Egípcios desafiam militares e mantêm greves e protestos

Qua, 16 Fev



Por Marwa Awad e Shaimaa Fayed


CAIRO - Milhares de egípcios desafiaram na quarta-feira as orientações da Junta Militar e mantiveram greves e protestos, enquanto uma comissão começou a definir mudanças constitucionais para democratizar o país após 30 anos da férrea ditadura de Hosni Mubarak.


Cinco dias depois da renúncia do presidente, os egípcios aproveitam as novas liberdades políticas para fazer reivindicações trabalhistas.


Os bancos estão fechados em todo o país, o que afeta diversos setores econômicos. Cerca de 12 mil operários têxteis entraram em greve na cidade de Mahalla el Kubra, e os funcionários do aeroporto do Cairo também fizeram um protesto.


A vida no país ainda está longe de ter se normalizado. As escolas permanecem fechadas, e há tropas e tanques pelas ruas. Depois dos 18 dias de rebelião que derrubaram Mubarak, o Conselho Supremo Militar assumiu o controle do país, dissolveu o Parlamento e suspendeu a Constituição, iniciando o desmonte dos mecanismos que sustentavam o regime.


Um recém-formado Conselho de Guardiões da Revolução, composto por 19 integrantes, convocou uma entrevista coletiva no centro do Cairo para dizer que seu principal objetivo é cerrar fileiras, proteger a revolução e estabelecer um diálogo com os militares.


"Haverá tentativas de abortar e desviar (a revolução), mas precisamos estar em alerta", disse Hassan Nafaa, integrante do conselho.


A Irmandade Muçulmana, grupo mais organizado da oposição a Mubarak, mas que não teve um papel de liderança na rebelião, tem um membro na comissão que está redigindo as emendas constitucionais.


Os EUA, preocupados em manter a paz que vigora desde 1979 entre Egito e Israel, veem a Irmandade com desconfiança.


"Eu avaliaria que eles não são a favor do tratado (de paz)", disse James Clapper, subdiretor de Inteligência Nacional dos EUA, a uma comissão do Senado. Ele ressalvou que a Irmandade "é apenas uma voz no emergente meio político".


Depois do feriado de terça-feira pelo aniversário do profeta Maomé, muitas categorias --de bancários a guias turísticos, de policiais e metalúrgicos-- mantiveram suas paralisações na quarta-feira, apesar do apelo dos militares para que os egípcios evitem mais transtornos econômicos ao país.


Na sexta-feira, os líderes do movimento pró-democracia realizarão uma "Marcha da Vitória" para celebrar a queda de Mubarak e demonstrar sua força aos militares.


Enquanto isso, surgiram rumores sobre o estado de saúde de Mubarak, de 82 anos, que está refugiado na sua residência de veraneio, no balneário de Sharm el Sheikh, depois de fugir do palácio presidencial do Cairo.


No seu último pronunciamento, Mubarak disse que desejava morrer no Egito.


A Arábia Saudita se ofereceu para recebê-lo, mas uma fonte do governo local disse que Mubarak recusou.


"Ele não está morto, mas não está nada bem, e se recusa a partir. Basicamente, ele desistiu e quer morrer em Sharm", disse a fonte.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Chomsky: EUA estão seguindo seu manual no Egito

Em entrevista a Amy Goodman, do Democracy Now, Noam Chomsky analisa o desenrolar dos protestos no Egito e o comportamento do governo dos Estados Unidos diante deles. Na sua avaliação, o governo Obama está seguindo o manual tradicional de Washington nestas situações: "Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome".
A entrevista foi traduzida e publicada por Carta Maior, 08-02-2011.
Nas últimas semanas, os levantes populares ocorridos no mundo árabe provocaram a destituição do ditador Zine El Abidine Bem Ali, o iminente fim do regime do presidente egípcio Hosni Mubarak, a nomeação de um novo governo na Jordânia e a promessa do ditador de tantos anos do Yemen de abandonar o cargo ao final de seu mandato. O Democracy Now falou com o professor do MIT, Noam Chomsky, acerca do que isso significa para o futuro do Oriente Médio e da política externa dos EUA na região. Indagado sobre os recentes comentários do presidente Obama sobre Mubarak, Chomsky disse: “Obama foi muito cuidadoso para não dizer nada; está fazendo o que os líderes estadunidenses fazem habitualmente quando um de seus ditadores favoritos têm problemas, tentam apoiá-lo até o final. Se a situação chega a um ponto insustentável, mudam de lado”.
Eis a entrevista.
Qual é sua análise sobre o que está acontecendo e como pode repercutir no Oriente Médio?
Em primeiro lugar, o que está ocorrendo é espetacular. A coragem, a determinação e o compromisso dos manifestantes merecem destaque, E, aconteça o que aconteça, estes são momentos que não serão esquecidos e que seguramente terão consequências a posteriori: constrangeram a polícia, tomaram a praça Tahrir e permaneceram ali apesar dos grupos mafiosos de Mubarak. O governo organizou esses bandos para tratar de expulsar os manifestantes ou para gerar uma situação na qual o exército pode dizer que teve que intervir para restaurar a ordem e depois, talvez, instaurar algum governo militar. É muito difícil prever o que vai acontecer.
Os Estados Unidos estão seguindo seu manual habitual. Não é a primeira vez que um ditador “próximo” perde o controle ou está em risco de perdê-lo. Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome.
Presumo que é isso que está ocorrendo agora. Estão vendo se Mubarak pode ficar. Se não aguentar, colocarão em prática o manual.
Qual sua opinião sobre o apelo de Obama para que se inicie a transição no Egito?
Curiosamente, Obama não disse nada. Mubarak também estaria de acordo com a necessidade de haver uma transição ordenada. Um novo gabinete, alguns arranjos menores na ordem constitucional, isso não é nada. Está fazendo o que os líderes norteamericanos geralmente fazem.
Os Estados Unidos tem um poder constrangedor neste caso. O Egito é o segundo país que mais recebe ajuda militar e econômica de Washington. Israel é o primeiro. O mesmo Obama já se mostrou muito favorável a Mubarak. No famoso discurso do Cairo, o presidente estadunidense disse: “Mubarak é um bom homem. Ele fez coisas boas. Manteve a estabilidade. Seguiremos o apoiando porque é um amigo”.
Mubarak é um dos ditadores mais brutais do mundo. Não sei como, depois disso, alguém pode seguir levando a sério os comentários de Obama sobre os direitos humanos. Mas o apoio tem sido muito grande. Os aviões que estão sobrevoando a praça Tahrir são, certamente, estadunidenses. Os EUA representam o principal sustentáculo do regime egípcio. Não é como na Tunísia, onde o principal apoio era da França. Os EUA são os principais culpados no Egito, junto com Israel e a Arábia Saudita. Foram estes países que prestaram apoio ao regime de Mubarak. De fato, os israelenses estavam furiosos porque Obama não sustentou mais firmemente seu amigo Mubarak.
O que significam todas essas revoltas no mundo árabe?
Este é o levante regional mais surpreendente do qual tenho memória. Às vezes fazem comparações com o que ocorreu no leste europeu, mas não é comparável. Ninguém sabe quais serão as consequências desses levantes. Os problemas pelos quais os manifestantes protestam vem de longa data e não serão resolvidos facilmente. Há uma grande pobreza, repressão, falta de democracia e também de desenvolvimento. O Egito e outros países da região recém passaram pelo período neoliberal, que trouxe crescimento nos papéis junto com as consequências habituais: uma alta concentração da riqueza e dos privilégios, um empobrecimento e uma paralisia da maioria da população. E isso não se muda facilmente.
Você crê que há alguma relação direta entre esses levantes e os vazamentos de Wikileaks?
Na verdade, a questão é que Wikileaks não nos disse nada novo. Nos deu a confirmação para nossas razoáveis conjecturas.
O que acontecerá com a Jordânia?
Na Jordânia, recém mudaram o primeiro ministro. Ele foi substituído por um ex-general que parece ser moderadamente popular, ou ao menos não é tão odiado pela população. Mas essencialmente não mudou nada.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Tribunal Interamericano anulou anistias concedidas na região. Justiça tardia, porém não negada

Ruti Teitel
07/02/2011

No fim do ano passado, o ex-ditador Jorge Videla foi condenado e
sentenciado à prisão perpétua por seu papel na "guerra suja" argentina em
1970, quando ocorreram tortura e execuções de prisioneiros desarmados.
Esses crimes foram cometidos décadas atrás. O que pode significar esse
veredicto tantos anos após a restauração da democracia na Argentina?

Processar Videla e outros perpetradores tornou-se possível devido à
jurisprudência pioneira em que se baseou o Tribunal Interamericano de
Direitos Humanos. O Tribunal decidiu pela anulação das anistias concedidas
aos líderes políticos e militares na Argentina e em outros países na
região, como parte de uma transição para a democracia. O Tribunal
considerou que a cobrança de responsabilidade pelos crimes dos ditadores é
um direito humano - e, portanto, prevalece sobre a impunidade que
beneficiou muitos ditadores latino-americanos, como condição para permitir
as transições democráticas.

A mais recente decisão do tribunal regional, em meados de dezembro,
revogou uma lei de anistia que protege 1.979 militares brasileiros contra
processos por abusos cometidos durante os de 21 anos de ditadura militar
no país. "As disposições da Lei de Anistia brasileira, que impedem a
investigação e a punição por graves violações dos direitos humanos",
decidiu o tribunal, são "incompatíveis com a Convenção Americana". O
efeito (dessa decisão) é exigir que aqueles que estavam no poder respondam
pelo desaparecimento, pela força de armas, de 70 camponeses, no Araguaia,
em uma campanha antiguerrilha.

A possibilidade de cobrança pode ser difícil. Mas não desistir da
responsabilização, apesar da passagem do tempo, envia uma mensagem
importante sobre os direitos humanos e o inequívoco caráter desses delitos
como "crimes contra a humanidade".
Nesses casos, as vítimas, advogados ativistas e organizações empenhadas na
defesa dos direitos humanos recorreram ao tribunal regional de direitos
humanos depois de esgotar suas opções no país. A cultura política e
jurídica no país ainda não estava preparada para enfrentar frontalmente os
fantasmas do passado autoritário. O próprio Tribunal Superior brasileiro,
por exemplo, havia recentemente sustentado a constitucionalidade da lei de
anistia, que foi apoiada por sucessivos governos brasileiros, todos
"inclusive o governo de centro-esquerda de Luiz Inácio Lula da Silva"
omitiram-se no empenho pela responsabilização pelos crimes cometidos pela
anterior ditadura militar no Brasil.

Na Argentina, mesmo sob a presidência de Raúl Alfonsín, primeiro
presidente eleito democraticamente após o regime militar, execuções
extrajudiciais cometidas pela polícia do país foram responsáveis por um
terço de todos os homicídios.

Abusos similares foram cometidos pelos serviços de segurança do Peru
durante a década de 1990 - crimes pelos quais o ex-presidente Alberto
Fujimori está pagando agora.

Tudo isso mostra a fragilidade do controle e das instituições civis,
apesar dos 30 anos de democracia. As novas democracias enfrentam muitos
desafios políticos - e muitas vezes econômicos. A possibilidade de
cobrança de responsabilidade da polícia e dos serviços de segurança pode
ser particularmente difícil nos primeiros anos de um novo, e muitas vezes
frágil, regime democrático. Mas não desistir da responsabilização, apesar
da passagem do tempo, envia uma mensagem importante sobre os direitos
humanos e o inequívoco caráter desses crimes como "crimes contra a
humanidade".

Não se trata apenas de uma questão relacionada à peculiar herança
latino-americana. Com frequência, líderes políticos e elites militares e
de segurança têm se revelado tão sagazes e tenazes ao evitar a justiça
quanto mostraram-se astuciosos e brutais ao cometer injustiças. Eles nunca
devem viver confiantes em que possam permanecer impunes. O Tribunal Penal
Internacional não tem nenhum estatuto de limitações e, com razão,
continuamos a processar e punir os perpetradores do Holocausto.

Anos depois (dos fatos ocorridos), o que está em jogo não é apenas punir,
mas também a verdade política, que exige a fixação de limites oficiais
justificáveis para ações repressivas. O regime militar na Argentina,
afinal, caracterizou sua "guerra suja" como sendo uma ofensiva contra os
chamados "terroristas", e não como o que foi: perseguição arbitrária
contra cidadãos com diversas ideologias e de diferentes classes sociais.

Essa lição, declarada juntamente com a sentença contra Videla, justifica
os esforços para estabelecer um Estado de direito mundial. Tiranos em toda
parte -- e mais do que um punhado de democratas "deveriam ficar atentos.

Ruti Teitel é argentino e professor de Direito Comparado pela New York Law
School, professor visitante na LSE e autor de "Transicional Justice"
(Justiça transicional).

Patrus e Pimentel vão selar a unidade do PT

A ideia foi referendada em reunião da executiva do partido, realizada em Belo Horizonte



Amália Goulart - Repórter - 4/02/2011 - 21:29



O PT mineiro pretende dar o primeiro passo oficial pela unificação do partido em Belo Horizonte no próximo dia 13. Vai colocar lado a lado o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, e o ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Patrus Ananias.

Os dois fazem parte de grupos rivais. Estarão juntos para começar a discussão sobre as eleições municipais de 2012. A ideia foi referendada nesta sexta-feira (4) durante reunião da executiva do PT de Belo Horizonte, que contou com a participação de lideranças da legenda. Ela será concretizada em um fórum em homenagem aos 31 anos do PT da capital.

Os filiados chegaram à conclusão de que farão todos os esforços pela unificação. “Se não construirmos uma maioria política, vai sobrar para 2014”, afirmou o presidente estadual do PT, deputado federal Reginaldo Lopes, um dos interlocutores de Pimentel.

Os petistas estão preocupados em não repetir o processo que culminou na eleição de Marcio Lacerda (PSB) para a Prefeitura de Belo Horizonte em 2008. Na ocasião, os grupos de Patrus e Pimentel não se entenderam provocando um racha na legenda, que se refletiu no pleito pelo Governo de Minas, no ano passado. “Independentemente da posição que cada um possa ter, existe um consenso entre nós: temos de estar unidos. E para construirmos a unidade temos de ser sinceros”, resumiu o deputado estadual Rogério Correia, aliado de Patrus.

Na prática, o PT tem um dilema em vista. Faz parte da base que sustenta o governo municipal. Já definiu, porém, que não irá apoiar qualquer candidatura que tenha inserida o PSDB, como aconteceu em 2008. Lacerda terá de decidir se deseja os petistas ou tucanos. Fontes ligadas às negociações acreditam que toda a movimentação do prefeito tem beneficiado o PT. A começar pela montagem da executiva do PSB no Estado. O vice-presidente é Walfrido dos Mares Guia, ligado aos petistas. Na reforma administrativa que pretende implementar, o socialista não pretende desprestigiar o partido. Mas ele também não irá emitir sinais contrários ao PSDB.

Enquanto isso, o PT mineiro busca agregar os grupos internos. Reginaldo Lopes sugeriu ontem que a decisão sobre 2012 seja tomada de forma consensual entre as lideranças políticas e não por meio do voto dos delegados. “Não dá para levar isso ao processo do mérito”, defendeu.

O presidente do PT de Belo Horizonte e vice-prefeito, Roberto Carvalho, informou que comunicou à direção nacional da legenda que, desta vez, não será necessária a intervenção de Brasília nas decisões regionais da sigla. “Eu disse ao José Eduardo Dutra (presidente do PT) que não vai ter precipitação”, afirmou. Em 2008, o partido chegou a ameaçar intervir no diretório.

A decisão sobre o processo eleitoral de 2012 vai passar pela Executiva em Brasília. Na próxima semana, o diretório nacional se reúne para começar a definir o processo de alianças para o pleito municipal. Em Belo Horizonte, a sigla formou uma comissão para tratar do assunto.




Do Valor

A retirada de Patrus Ananias

César Felício
04/02/2011

Há políticos que procuram construir sua imagem pública como realizadores de obras, ou com a identificação com uma determinada classe ou grupo social, ou alinhando-se a uma corrente ideológica. E há os que se consolidam investindo na construção de uma personalidade atraente para a opinião pública, a encarnação de um conjunto de virtudes. Os mais bem sucedidos costumam ser os que fazem uma composição de todos os fatores ao longo da vida pública, ou com ao menos mais de um deles.

Ex-ministro do Desenvolvimento Social por seis anos, o advogado mineiro Patrus Ananias é um dos que encarnam a figura do homem virtuoso, de maneira análoga à dos senadores Eduardo Suplicy e Pedro Simon, entre poucos outros. A começar pela austeridade: ele atualmente pode ser encontrado nos dias úteis, das 8h às 14h, dando expediente na Escola do Legislativo da Assembleia mineira, onde entrou por concurso em 1982 e para onde sempre volta quando está sem mandato.


Trabalha em um ambiente coletivo e nem sequer tem um ramal de telefone próprio. Há 19 anos mora no mesmo endereço, um apartamento no bairro de Funcionários, em Belo Horizonte, área em que o preço mais comum para imóveis está em torno de R$ 5 mil o metro quadrado. Algo que nem sempre acontece com políticos que administraram orçamentos bilionários.

Católico convicto, Patrus foi um dos escalados para visitar as paróquias entre o primeiro o segundo turno da eleição no ano passado, na tentativa de reaproximar os fiéis da candidatura da hoje presidente Dilma Rousseff. Seu preparo intelectual não é pouco: professor de direito na PUC mineira, deixa ao alcance da mão leituras densas, como "Ideologia e contraideologia", de Alfredo Bosi.

Como prefeito de Belo Horizonte nos anos 90 e ministro de Luiz Inácio Lula da Silva, responsável por nada menos que a implantação do programa Bolsa Família, seu saldo administrativo está muito acima do regular.

O ex-ministro deixa poucas pistas para se entender porque sua carreira política chega a um momento de ostracismo com resultados eleitorais absolutamente pobres.

Patrus ganhou três eleições: vereador em 1988, prefeito em 1992 e deputado federal dez anos depois. Perdeu quatro: vereador em 1982, senador em 1990, governador em 1998 e vice-governador no ano passado. Viveu no governo Lula sua grande oportunidade, ao capitanear um programa que movimentava R$ 40 bilhões.

Chegou a ser citado como presidenciável. Mas não conseguiu nem ser candidato ao Senado. Há muitos anos tornou-se minoritário dentro do PT mineiro. Sugerido como opção para o ministério ou o segundo escalão do governo de Dilma, seu nome foi ignorado. Comenta-se que o veto teria partido de Lula, que atribui a Patrus a divisão petista que levou à derrota eleitoral em Minas no ano passado.

Patrus foi muito menos longe do que os próprios exemplos já citados dos que têm a virtude como trunfo: Suplicy conseguiu eleger-se três vezes senador por São Paulo e Simon chegou a ser governador gaúcho. Uma das explicações possíveis pode ser a baixa aptidão por liderança. Patrus não é um líder, segundo suas próprias palavras. "Não tenho grupo e nem seguidores. Eu tenho interlocutores, companheiros. Quem quer ter seguidores precisa ter uma trajetória inflexível, retilínea, que obriga a tornar a política uma profissão. Foi uma opção minha não ser assim", comenta.

O ex-ministro não cogita participar das eleições no próximo ano. Pretende escrever uma tese de doutorado sobre políticas sociais. Patrus não se considera o autor do programa Bolsa Família: lembra que a proposta foi formulada no fim de 2003, antes de sua entrada no ministério. E nem avoca para o sucesso do programa parte da responsabilidade pela reeleição de Lula em 2006, ano em que o presidente estava ferido pelo escândalo do mensalão. "O programa nunca sofreu oposição nem do PSDB e nem do DEM exatamente pelo caráter republicano que ele ganhou ao ser implantado", diz.

Para Patrus, o programa não chegou a erradicar a fome no Brasil. "Acabou a fome endêmica, aquela em que havia uma discussão sobre quantos milhões eram atingidos, mas permanece uma fome ligada ao núcleo duro da miséria, às pessoas que são incadastráveis pela regra atual, por não terem domicílio ou mesmo registro civil. São os moradores de rua, alguns quilombolas, algumas comunidades indígenas", afirma. Para avançar a este ponto, segundo Patrus, seria necessário agora estabelecer programas envolvendo diversos ministério em uma única ação. "A tarefa que existia no governo Lula era acabar com a fome como um fenômeno generalizado e isto nós fizemos", afirma.

Há relatos de antigos aliados de Patrus sobre a frustração que o petista causou entre os apoiadores ao se recusar a assumir compromissos políticos normais em campanhas, como a divisão futura de espaços políticos e o equacionamento de questões de financiamento. Sua intransigência ao estabelecer alianças em bases ideológicas foi interpretada como arrogância. O risco de um político que transforma a austeridade em um dos pilares de sua imagem é, de maneira involuntária, estabelecer uma relação de superioridade com os que não agem assim. E, por tabela, tornar-se uma figura relativamente solitária. O advérbio faz muita diferença. Patrus não pretende encerrar 30 anos de militância política. Ele deixa pairar no seu horizonte a perspectiva eleitoral em 2014. "O que estou vivendo agora é um período sabático", disse, usando um adjetivo que indica claramente a suspensão de uma atividade em caráter temporário, e não um estranho recomeço.

César Felício é correspondente em Belo Horizonte. A titular da coluna, Maria Cristina Fernandes, está em férias

Meio milhão de assinaturas contra Belo Monte serão entregues ao governo amanhã

Seg, 07 de Fevereiro de 2011 17:12
Indígenas, ribeirinhos e atingidos por barragem farão manifestação contra a usina amanhã, 8 de fevereiro, a partir das 9h30, em Brasília, para a entrega de petições.

Mais de 500 mil pessoas dizem não a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. As petições, organizadas pela Avaaz e Movimento Xingu Vivo para Sempre, serão entregues à Presidência da República nesta terça, dia 8 de fevereiro, em um ato contra a usina na Explanada dos Ministérios, em Brasília.

A manifestação, convocada pelo Movimento Xingu Vivo para Sempre, Conselho Indigenista Missionário, Movimento dos Atingidos por Barragens, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, Instituto Socioambiental e AVAAZ, contará com a presença de cerca de 150 ribeirinhos e indígenas Kayapó, Juruna, Arara e Xipaya de Altamira, do Sul do Pará e do Mato Grosso, além de cerca de 50 componentes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e dezenas de lideranças sociais e militantes ambientalistas.

Entre as presenças confirmadas estão o cacique Megaron Txucarramãe, liderança kayapó do Mato Grosso; Sheyla J uruna, liderança juruna de Altamira; cacique Ozimar Juruna, da aldeia Paquiçamba, em Altamira; Josinei Arara, liderança da aldeia Arara, de Altamira; e Antonia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre.

Apoios

A cantora e compositora Marlui Miranda deverá participar da manifestação com apresentações artísticas, e atores como Marcos Palmeira, Letícia Spiller e Dirá Paes enviaram manifestações de apoio.

Agenda

O objetivo dos movimentos sociais, articulados na Aliança dos Rios da Amazônia (que reúne as organizações das bacias do Xingu, Madeira, Teles Pires e Tapajós), é entregar as petições e uma agenda de discussão sobre as hidrelétricas na Amazônia e o programa energético brasileiro para a presidente Dilma Rousseff, em audiência já solicitada. De acordo com a Aliança, desde Balbina e Tucuruí, historicamente as usinas na região têm sido desastrosas do pont o de vista social e ambiental, fato reconfirmado pelos inúmeros problemas que atualmente cercam as obras de Santo Antonio e Jirau no rio Madeira.

O pedido de revisão dos projetos hidrelétricos nos rios da Amazônia e a proposta de uma nova agenda energética para o país já foram apresentados pela Aliança dos Rios da Amazônia à Secretaria Geral da Presidência, em audiência realizada na última sexta, dia 4.

Serviço:

Manifestação contra Belo Monte e entrega de petições

Data: Terça feira, 8 de fevereiro

Onde: Brasília

Local: concentração no gramado em frente ao Congresso Nacional

Horário: 9h30

Contatos para imprensa:

Verena Glass – (11) 9853-9950

Tica Minami – (11) 6597 8359

Cleymenne Cerqueira - (61) 9979-7059

Maíra Heinen - (61) 9979-6912

O Xingu do século 21 ameaçado

CARLOS IMPÉRIO HAMBURGER
“Se nossos dirigentes tivessem interesse em entender a cultura dos indígenas, abortariam qualquer projeto que os ameaçasse, como Belo Monte.”


Em 2011, o Parque Indígena do Xingu está fazendo 50 anos. Algo profundo mudou na minha percepção de mundo enquanto conhecia o parque e sua história durante a produção do filme "Xingu". Sem dúvida, é um dos maiores patrimônios do Brasil - e nós, brasileiros, não temos a menor ideia do que ele representa e do que está protegido ali. Criado em 1961, é a primeira reserva de grandes proporções no Brasil. Abriga povos de cultura riquíssima e filosofia milenar, que vivem em equilíbrio, preservando seu modo de vida, sua dignidade, sua cultura e vasta sabedoria, assimilando só o que vale a pena do "mundo de fora", sempre em sintonia com a natureza exuberante. Um verdadeiro santuário social, ambiental e histórico no coração do Brasil.
Mas não estamos falando só de preservação do passado e da natureza. O que está sendo protegido ali é o futuro. Não o futuro visto com os óculos velhos, sujos e antiquados que enxergam o progresso da mesma maneira como enxergavam nossos bisavós na Revolução Industrial, mas o futuro do século 21.

Esse talvez seja o maior patrimônio do Brasil hoje. Mais valioso que todo o petróleo, soja, carne, ferro que tiramos do nosso solo, ou todo automóvel, motocicleta, geladeira que fabricamos. O que está protegido ali é um novo paradigma de como o ser humano pode e deve viver. Não estou dizendo que precisamos morar em ocas, dormir em redes, tomar banho no rio e andar nus. Falo de algo mais profundo. Algo novo para nós, ditos civilizados, que nascemos e fomos criados como os donos do planeta. Arrogantes e prepotentes, nos transformamos no maior agente destruidor do nosso próprio habitat. Um exército furioso de destruição. Um vírus que se multiplica e ataca, transformando e destruindo tudo o que encontra em seu caminho na presunção de que estamos construindo um mundo melhor, mais seguro, mais confortável, mais rentável.

No Xingu, progresso tem outro significado. No Xingu, homens e mulheres não vivem como donos do mundo, não foram criados com essa arrogância. Vivem como parte da cadeia de vida do planeta, e essa cadeia é interligada e interdependente. O "progresso" e o bem-estar dos homens estão ligados ao equilíbrio dessa cadeia. Para os índios, homem e natureza evoluem juntos.



Golpe baixo.

Mas a megausina de Belo Monte quer represar o rio Xingu. O rio que é a alma e a base da vida das comunidades indígenas da região. Um golpe baixo, em nome do progresso. Progresso com os velhos parâmetros dos séculos 19 e 20, que tem levado o mundo ao colapso social e ambiental. É isso que queremos? Se nossos dirigentes e a sociedade como um todo se interessassem em entender a filosofia, a cultura e a inteligência dos povos indígenas, abortariam qualquer projeto que os ameaçasse. E poderíamos inaugurar novo paradigma de progresso.
O progresso do equilíbrio. Seríamos a vanguarda mundial do século 21. Essa é a demanda. Essa é nossa chance. Sejamos corajosos, ousados, visionários. Como foram os que lutaram pela criação do Parque do Xingu há 50 anos.


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CARLOS IMPÉRIO HAMBURGER, 48, é diretor de cinema e televisão. Atualmente finaliza o filme "Xingu", sobre a criação do Parque Indígena do Xingu.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Sobre o destino eterno

As imagens utilizadas pelo Profeta Jeremias são, sem dúvida, familiares aos cultivadores da terra.

"É como uma árvore plantada perto da água, que estende as raízes para a corrente; não teme quando chega o calor, e a sua folhagem fica sempre verdejante. Não a inquieta a seca de um ano e ela não deixará de dar fruto" (17, 8). Esta é a comparação que faz com a sorte do homem que confia no Senhor e que nele deposita a sua confiança.

No mundo, muitas vezes deposita-se a confiança no dinheiro e é precisamente a este propósito que a liturgia propõe reflectir sobre a parábola de Lázaro e do rico epulão.

A palavra que vence a classificação das conversações quotidianas das pessoas é a do dinheiro: porque têm demasiado, porque têm pouco ou porque não têm. Nem sequer Jesus evita este tema; hoje alerta contra os riscos que corre quem cede às lisonjas do deus-dinheiro. E fá-lo através de uma parábola diferente das outras, que poderia ser definida a "desforra dos pobres". É a narração do homem alegre, sem nome, e do mendigo, chamado Lázaro.

Costuma-se dividir a parábola em dois momentos: a cena do rico epulão e do mendigo Lázaro, "antes" e "depois" da morte. Com a inversão total das posições. Mas na realidade, a narração tem três núcleos, destinados a ressaltar os gravíssimos riscos da escravidão do deus-dinheiro.

O primeiro: a riqueza faz definhar a vida dos pobres.

O Evangelista Lucas descreve a figura do rico: cores vistosas, como a púrpura e o bisso de um monarca oriental, fechado no seu mundo dourado; ostentação de festas e mesas postas, apesar da miséria do mundo. Um homem sem nome. No entanto, o pobre Lázaro "jazia à sua porta, coberto de chagas" (16, 20); um verbo para dizer a sorte dramática de todos os infelizes do mundo. "À porta", para não incomodar a visão dos ricos. O pobre pedinte de migalhas só tem uma dignidade: o nome. Mas o contraste é árduo; os dois mundos são distintos; não olham um para o outro. A riqueza escava o primeiro abismo da vida: entre abastados e pobres.

Mas existe um segundo risco: a riqueza faz definhar a vida dos ricos.

A hora de prestar contas é a morte, como limiar de um mundo que se encontra "além". Lázaro é "levado" para o alto pelos anjos, ao seio de Abraão. Finalmente, o pobre entra na jubilosa comunhão do banquete messiânico; o rico, ao contrário, "foi sepultado... na morada dos mortos, achando-se em tormentos..." (Lc 16, 22-23).

À aspiração frustrada dos pobres durante a vida corresponde o desejo dramaticamente negado aos ricos, de acederem ao banquete messiânico: "Ai de vós, ricos, porque já dispondes da vossa consolação" (cf. Lc 6, 25).

Enfim, há um terceiro risco sério: a riqueza faz definhar a fé dos ricos.

Do abismo da sua infelicidade, o pobre epulão lança um brado desesperado: que pelo menos os seus irmãos sejam admoestados, a fim de que não lhes caiba a mesma sorte. Mas a lição de Jesus é clara e terrível. Não lhes é útil a palavra de um morto para mudar a vida. Para acreditar e para se converter, é suficiente a palavra dos profetas, a palavra de Deus. De resto, Jesus experimentou isto várias vezes: quanta dureza de coração e quanta insensibilidade, mesmo diante dos milagres.

Como se sabe, o apego tentacular à riqueza torna a consciência obtusa. Sob o poder do deus-dinheiro verificam-se dramáticas divisões familiares, desprezam-se os afectos mais queridos e os valores mais autênticos. O primeiro a pagar as consequências é Deus.

Contudo, há um valor que pode salvar a vida dos pobres e, contemporaneamente, a dos ricos: a solidariedade, que nasce de uma vida sóbria e gera uma vida sóbria.

Outrora acolhiam-se, generosa e incondicionalmente, os pobres que batiam às nossas portas e, com eles, partilhavam-se o pão e o presunto. Esta tradição era vigorosa e consolidada, sobretudo no mundo camponês. Eu, que venho de uma família camponesa, recordo que aos domingos a nossa mãe, embora tivesse 14 bocas para alimentar, nos mandava levar à vizinha Maria, a Véneta, mãe de 10 filhos, uma bonita confecção de alimentos (como narra Manzoni a propósito do alfaiate, na sua obra Os Noivos).

No coração do cristão, a solidariedade encontrou sempre numerosas formas de expressão. Os carismas sociais de muitos fundadores de Ordens religiosas entre os séculos XVIII-XIX deram vida a hospitais, escolas e obras caritativas. Sem dúvida, todas estas experiências têm uma causa ideal e espiritual, mas também enriqueceram e em certos casos determinaram o desenvolvimento económico e social dos nossos países. Poderíamos citar inclusive o nascimento e a difusão de várias formas de voluntariado, que se desenvolveram também nesta nossa época, assumindo uma multiplicidade de serviços. Bento XVI exorta sobretudo os jovens a praticarem esta forma de solidariedade no voluntariado: "Tal empenho generalizado afirma o Papa constitui, para os jovens, uma escola de vida que educa para a solidariedade e a disponibilidade a darem não simplesmente qualquer coisa, mas a darem-se a si próprios. À anticultura da morte, que se exprime por exemplo na droga, contrapõe-se deste modo o amor que não procura o próprio interesse, mas que, precisamente na disponibilidade a "perder-se a si mesmo" pelo outro (cf. Lc 17, 33 e paralelos), se revela como cultura da vida" (Carta Encíclica Deus caritas est, 30 b).

No final desta reflexão, repletos desta confiança que vive e age naquele que confia no Senhor como pudemos reiterar no Salmo responsorial dirijamos-lhe a nossa oração pelos frutos da terra a compartilhar:

Deus todo-poderoso,
que abençoastes a terra
a fim de que seja fecunda
e produza o que é necessário
para a vida do homem,
e que nos pedistes que trabalhemos
com mansidão,
comendo o nosso próprio pão;
abençoai o trabalho do agricultor
e concedei um tempo propício
para colher os frutos da terra
e desfrutá-los sempre,
segundo a vossa vontade
e para a glória do vosso Nome.

Por nosso Senhor Jesus Cristo.

Amém!

Fonte:
http://www.vatican.va/roman_curia/secretariat_state/card-bertone/2007/documents/rc_seg-st_20070308_coldiretti-lombarda_po.html

Dilma indica o ministro Luiz Fux para o Supremo

A presidente da República, Dilma Rousseff, escolheu o ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, para ocupar a 11ª vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal. Com sua primeira indicação para a Corte, a presidente preenche a cadeira que está vazia há seis meses, desde a aposentadoria de Eros Grau, em agosto do ano passado.

Para sentar-se à bancada do Supremo, Fux terá de ser aprovado pelo Senado depois de passar por sabatina, cuja data ainda será marcada. Mas não deve ter problemas para superar essa etapa.




O carioca Luiz Fux, 57 anos, é juiz de carreira. Exerceu advocacia por dois anos e foi promotor por outros três. Em 1983, passou em primeiro lugar em concurso público para a magistratura. Em 1997, foi promovido para desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e, quatro anos depois, nomeado ministro do STJ pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

Fux chega ao STF depois de presidir a Comissão de Reforma do Código de Processo Civil do Senado. Deste posto, aproveitou para incorporar ao texto do projeto que hoje tramita no Congresso diversas práticas corriqueiras que o STJ adota hoje com base em sua jurisprudência. Um exemplo: se há falhas processuais que impeçam a admissibilidade de um recurso cuja matéria tem relevância social, permite-se a flexibilização das regras para admitir o recurso e julgar o mérito da causa.

Mas há outros exemplos: se a parte desiste do processo selecionado para julgamento pelo rito da lei que rege os recursos repetitivos, a decisão não fica prejudicada. "A regra expressa determina que havendo a desistência do recurso especial, é julgada a tese jurídica", afirmou o ministro em recente entrevista à revista Consultor Jurídico, feita para o seu perfil no Anuário da Justiça, que será lançado em março (leia abaixo trechos da conversa).

O entendimento do ministro, e da Corte Especial do STJ, é o de que, como o recurso representativo de controvérsia jurídica perde o caráter individual — bom lembrar que quando um ministro afeta a tese para julgamento, milhares de processos idênticos são suspensos nos tribunais de segunda instância — a desistência da parte não impede que o tribunal julgue e fixe a tese que será aplicada a todos os casos idênticos.

No STJ, Fux foi responsável por selecionar 178 recursos para julgamento pelo rito processual especial desde a sanção da lei. Deles, 121 foram julgados e definiram o destino de milhares de ações. Em 2010, julgou mais de 11 mil processos.

O ministro tem destacada atuação na área de Direitos Humanos e advoga a tese de que o Judiciário deve, sim, atuar para fazer com que o Executivo dê eficácia aos princípios constitucionais. Para Fux, a Justiça tem de garantir ao cidadão aquilo que o governo lhe sonega. "Hoje há países, às vezes até menos favorecidos que o Brasil, onde a Justiça determinou que fossem erguidas habitações para pessoas desvalidas, que não tinham um teto", informa o ministro.

Leia trechos da entrevista:

ConJur — O Judiciário pode determinar que o Executivo implemente políticas públicas, mesmo diante do princípio da reserva do possível?

Luiz Fux — Sim. Se a política pública está estabelecida como norma programática, fica ao alvedrio do Poder Executivo. Mas há determinadas políticas públicas que são estabelecidas na Constituição com normatividade suficiente. Por exemplo, o direito à saúde. A saúde é dever do Estado e direito de todos. Há sujeito ativo, sujeito passivo e o objeto da prestação. Nestes casos, o Judiciário não age como legislador positivo, mas faz cumprir a Constituição.


ConJur — Muitas vezes, prefeitos e governadores contestam as decisões judiciais com base no princípio da reserva do possível. Ou seja, dizem não ter dinheiro para cumprir a determinação. Basta alegar que não há dinheiro ou tem de demonstrar a falta de recursos?

Luiz Fux — É importante avaliar as condições financeiras do município, o orçamento. Sempre existe uma parte do orçamento para saúde, segurança e educação. Se a Constituição, como ideário da Nação, promete isso, é preciso colocar esses custos no orçamento. Se é uma promessa constitucional, o orçamento tem de se adequar, o município ou o estado tem de se organizar de acordo com essa promessa. Há países onde a Justiça já determinou a edificação de residências para cidadãos desvalidos. A Constituição de 1988 não tem nenhum dispositivo que aluda à reserva do possível.

ConJur — A relativização da coisa julgada pode ser decidida nos atos processuais da fase de execução da sentença transitada?

Luiz Fux — A tese da relativização da coisa julgada é absurda se aplicada no sentido da definição de direitos. O Judiciário não pode definir certos direitos hoje e, amanhã, redefini-los. A coisa julgada não tem compromisso nem com a Justiça, nem com a verdade. Seu compromisso é com a pacificação, estabilidade e segurança sociais, em um dado momento em que tem é preciso ter a palavra definitiva. Relativizar a coisa julgada cria um clima de insegurança enorme. É uma tese sem fundamento científico. Mas é necessário ressaltar que alterações aritméticas nunca estiveram encartadas no conceito de coisa julgada, que incide sobre o conteúdo declaratório da sentença. Se há um erro de cálculo que leva uma indenização a um valor absurdo, é preciso corrigi-lo e isso não é relativizar a coisa julgada. É corrigir um equívoco.

ConJur — Aplica-se o princípio da responsabilidade objetiva para o crime de improbidade administrativa?

Luiz Fux — Não. A improbidade administrativa foi criada para o administrador desonesto, razão pela qual não pode ser aplicada indiscriminadamente. O tipo pode até objetivamente estar configurado, mas é preciso verificar subjetivamente se houve intenção de lesar ou lesão ao erário. Não é possível fazer uma interpretação literal da lei, que não conduza a um resultado justo. Já decidi alguns casos de ações por improbidade absurdas. Por exemplo, uma ação contra um município que cedeu sua reserva de medicamentos remédios para atender crianças de outro município, tomado por um surto de virose.

ConJur — Se os débitos fiscais são atualizados, os créditos de tributos não cumulativos como IPI e ICMS também deveriam ser?

Luiz Fux — Não necessariamente. A questão é legal, não ideológica. Sob o prisma de justiça tributária, deveria haver uma correlação. Mas o raciocínio sobre política fiscal é muito diverso daquele que se faz em relação às obrigações em geral. O governo tem gastos que precisam ser suportados pela coletividade. A ótica tem de ser diferente em relação aos tributos.