terça-feira, 29 de junho de 2010

Transtornos mentais atingem 23 milhões de pessoas no Brasil

No Brasil, 23 milhões de pessoas (12% da população) necessitam de algum atendimento em saúde mental. Pelo menos 5 milhões de brasileiros (3% da população) sofrem com transtornos mentais graves e persistentes. De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria, apesar de a política de saúde mental priorizar as doenças mais graves, como esquizofrenia e transtorno bipolar, as mais prevalentes estão ligadas à depressão, ansiedade e a transtornos de ajustamento.


Em todo o mundo, mais de 400 milhões de pessoas são afetadas por distúrbios mentais ou comportamentais. Os problemas de saúde mental ocupam cinco posições no ranking das dez principais causas de incapacidade, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Dados da OMS indicam que 62% dos países têm políticas de saúde mental, entre eles o Brasil. No ano passado, o país aplicou R$ 1,4 bilhão em saúde mental.


Desde a aprovação da chamada Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2001), os investimentos são principalmente direcionados a medidas que visam a tirar a loucura detrás das grades de hospícios, com a substituição do atendimento em hospitais psiquiátricos (principalmente das internações) pelos serviços abertos e de base comunitária.


Em 2002, 75,24% do orçamento federal de saúde mental foram repassados a hospitais psiquiátricos, de um investimento total de R$ 619,2 milhões. Em 2009, o percentual caiu para 32,4%. Uma das principais metas da reforma é a redução do número de leitos nessas instituições. Até agora, foram fechados 17,5 mil, mas ainda restam 35.426 leitos em hospitais psiquiátricos públicos ou privados em todo o país.


A implementação da rede substitutiva - com a criação dos centros de Atenção Psicossocial (Caps), das residências terapêuticas e a ampliação do número de leitos psiquiátricos em hospitais gerais - tem avançado, mas ainda convive com o antigo modelo manicomial, marcado pelas internações de longa permanência.


O país conta com 1.513 Caps, mas a distribuição ainda é desigual. O Amazonas, por exemplo, com 3 milhões de habitantes, tem apenas quatro centros. Dos 27 estados, só a Paraíba e Sergipe têm Caps suficientes para atender ao parâmetro de uma unidade para cada 100 mil habitantes.


As residências terapêuticas, segundo dados do Ministério da Saúde referentes a maio deste ano, ainda não foram implantadas em oito unidades federativas: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Rondônia, Roraima e Tocantins. No Pará, o serviço ainda não está disponível, mas duas unidades estão em fase de implantação. Em todo o país há 564 residências terapêuticas, que abrigam 3.062 moradores.

fonte: yahoo.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Informativo do Movimento Nacional da População de Rua

Mês julho 2010 nº 3





Chegamos ao terceiro mês de edição de nosso informativo, neste número traremos informações de níveis nacionais e municipais sobre o Portal do Movimento Nacional da População de Rua - MNPR e os novos encaminhamentos da coordenação nacional.


Ainda temos informações de nossa pesquisa e as notícias locais, além dos quadros fixos que não poderiam deixar de fazer parte. Chamamos a atenção para a entrevista deste mês, você vai se surpreender.


NOTÍCIAS NACIONAIS


Entre os dias 4 e 6 de junho realizou-se na cidade de São Paulo mais uma fase do projeto de capacitação do MNPR. Como atividades foram realizadas discussões sobre a proposta de realização de um evento multicultural no ano de 2011. A equipe de trabalho junto com o movimento otimizou os recursos destinados a esta atividade e em parceria com o Sindicato dos comerciários realizou também uma capacitação para o Portal do MNPR que já havia sido batizado de falarua.org. Estiveram presentes companheiros de Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza e de Brasília.
O movimento realizou reunião durante o evento com o intuito de ratificar decisões tomadas em reuniões anteriores, e ainda traçar o perfil e o papel da nova coordenação que deverá assumir após o término do projeto. Para tanto discutiu a Carta de Princípios e o Regimento Interno, sendo este encaminhado as reuniões de base.
Encaminhou ainda a necessidade de formular um documento sobre a coordenação nacional, papel e responsabilidades dos coordenadores e criação de uma estrutura funcional, além da elaboração das carteirinhas.

NOTÍCIA ESTADUAL


Três das quatro equipes que estão fazendo a pesquisa estadual ficarão ainda por mais 30 dias aproximadamente empenhados na busca por dados sobre a população de rua do estado de MG. Queremos mais uma vez desejar sorte aos nossos companheiros na empreitada assumida com garra e determinação por esta turma. Ainda sobre a pesquisa estadual, as informações recebidas dão conta de que um expressivo número de cidades já recebereu a visita de uma equipe da pesquisa. O boletim informativo está acompanhando passo a passo este importante trabalho e deseja sucesso e boa sorte a todos os envolvidos na pesquisa.
Os moradores da conhecida ocupação da Avenida Antônio Carlos estão mobilizados e com parcerias estabelecidas com vários grupos entre eles as Brigadas Populares e o SAJ da PUC Minas. Eles estão se opondo de varias formas as imposições da Prefeitura de Belo Horizonte. O movimento nacional de população de rua soma nesta luta junto com os demais na busca de garantir direito às dezenas de famílias que vivem naquela localidade.




RUA CULTURAL
Recados da Lua
A noite está fria
A rua está deserta
Meu coração está deserto
A calmaria na rua está evidente
Aí vem um pranto mudo/Um silêncio gritado infla o coração./ Só a lua o escuta
As lágrimas inundam o rosto./A lua desponta por trás da densa nuvem
E sabiamente emite um recado:
Aproveite a calmaria da noite!
Descanse! Amanhã é outro dia!
Mariluxa
ENDEREÇOS DE SERVIÇOS
PARA A POPULAÇÃO DE RUA

Regional Pampulha
Av. Antônio Carlos, 7596. Pampulha
Telefone:

Regional Centro-Sul
Av. Afonso Pena, 941. Centro
Telefone: 3277-4457 / 4502

Regional Nordeste
Av. Cristiano Machado, 555.

ANIVERSARIANTE DO MÊS
PARABÉNS COMPANHEIRO

Osvaldo Pereira
13/06

ENTREVISTA DO MÊS

Nome: Claudenice Rodrigues Lopes
Formação: Assistente Social
Local de trabalho: Pastoral de Rua da Arquidiocese de BH.
Cargo: Educadora Social. Membro da Coordenação colegiada da Pastoral.
Sua opinião sobre a rua: A rua é lugar de passagem, onde as pessoas circulam, se movimentam, mas é também, para centenas de homens e mulheres dos grandes centros urbanos, o único lugar que restou para morar. É um espaço democrático que acolhe as pessoas, sem distinção de raça, cor, sexo, credo ou posição social. A rua é também lugar de encontros e desencontros, onde a contradição se faz presente o tempo todo. A rua que abriga e acolhe é também o lugar de expressão do caos, da poluição sonora, visual, do estresse. É nas ruas que a expressão do modelo econômico capitalista se faz mais presente, com todas as suas contradições: desenvolvimento urbano, altas tecnologias, sistemas de segurança, modelos arquitetônicos, violência, miséria, degradação humana, entre outras tantas situações. É também nessas ruas que encontramos guerreiros e guerreiras de fibra que na luta pela sobrevivência resistem bravamente as durezas da vida na rua. Inventam e reinventam formas de resistir, trabalhar, morar e viver.
O que pensa sobre o movimento: O Movimento da População de Rua é a meu ver, fruto da aposta e incentivo ao protagonismo dos moradores de rua. Hoje é a expressão viva de que a organização, mobilização e articulação do povo é a arma, o meio mais eficaz para transformação da realidade. Acredito que esse é o caminho que possibilita a luta, conquista a efetivação de direitos. Vejo também desafios para os membros do movimento e para quem trabalha com essa população e acredita nessa causa. As mudanças acontecem quando as pessoas começam a se “movimentar”. Para que isso aconteça, entre tantas coisas é fundamental a confiança e a fraternidade que se estabelece consigo mesmo, com o outro e com a luta.
Tem alguma filosofia de vida: Sou católica e há mais de 10 anos vivo a minha fé com o pé fincado nas ruas de BH.
Uma reflexão para a rua: Diz Elizabete: “Vou seguindo na caminhada, espinhos deixo de lado, no fundo eu sou feliz, ainda sou: tenho um teto azulado e as estrelas são meu cobertor. A rua é muito mais que espaço físico é a expressão da resistência, da teimosia, da luta pela vida, do pé na tábua com muita fé em Deus.







CONHECENDO NOSSOS DIREITOS
“TODA PESSOA TEM IGUAL DIREITO DE ACESSO AO SERVIÇO PÚBLICO DE SEU PAÍS.”
ART. XXI-2 DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS



Apoio
Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte

domingo, 27 de junho de 2010

A MISERICÓRDIA DIVINA
– A misericórdia de Deus é infinita, eterna e universal.
– A misericórdia implica termos cumprido previamente os ditames da justiça, e ultrapassa as exigências dessa virtude.
– Frutos da misericórdia.
I. SÃO PAULO CHAMA A DEUS Pai das misericórdias1, sublinhando assim a sua infinita compaixão pelos homens, que ama muito intimamente. Talvez poucas verdades se repitam nos textos sagrados tão insistentemente como esta: Deus é infinitamente misericordioso e compadece-se dos homens, sobretudo daqueles que sofrem a miséria mais profunda que é o pecado. Para que o aprendamos bem, a Sagrada Escritura ensina-nos com uma grande variedade de termos e de imagens que a misericórdia de Deus é eterna, isto é, sem limites no tempo2; imensa, sem limites de lugar nem de espaço; e universal, pois não se limita a um povo ou a uma raça, e é tão extensa e ampla quanto as necessidades do homem.
A encarnação do Verbo, do Filho de Deus, é prova desta misericórdia divina. Ele veio perdoar, veio reconciliar os homens entre si e com o seu Criador. Manso e humilde de coração, oferece alimento e descanso a todos os atribulados3. O Apóstolo São Tiago chama ao Senhor piedoso e compassivo4. Segundo a Epístola aos Hebreus, Cristo é o Pontífice misericordioso5; e esta atitude divina para com o homem é a razão de ser da ação salvadora de Deus6, que não se cansa de perdoar e de impelir os homens para a Pátria definitiva, ajudando-os a superar as fraquezas, a dor e as deficiências desta vida. “Revelada em Cristo, a verdade a respeito de Deus, Pai das misericórdias, permite-nos «vê-lo» particularmente próximo do homem, sobretudo quando este sofre, quando é ameaçado no próprio núcleo da sua existência e da sua dignidade”7. Por isso a súplica constante dos leprosos, cegos, coxos... a Jesus é: Senhor, tem misericórdia de mim8.
A bondade de Jesus para com os homens, para com todos nós, excede as medidas humanas. “Àquele homem que caiu nas mãos dos ladrões, que foi por eles desnudado, espancado, abandonado meio morto, Ele o reconfortou, curando-lhe as feridas, derramando nelas o seu azeite e vinho, fazendo-o montar a sua própria cavalgadura e instalando-o na pousada para que cuidassem dele, dando para isso uma quantia de dinheiro e prometendo ao hospedeiro que na volta pagaria o que gastasse a mais”9.
O Senhor teve esses cuidados com cada homem em particular. Muitas vezes recolheu-nos feridos à beira da estrada da vida, derramou bálsamo sobre as nossas feridas, vendou-as... e não uma, mas inúmeras vezes. Na sua misericórdia está a nossa salvação. Tal como os doentes, cegos e aleijados do Evangelho, também nós devemos pôr-nos diante do Sacrário e dizer humilde e confiadamente ao Senhor: Jesus, tem misericórdia de mim...
II. BEM-AVENTURADOS os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia10, lemos no Evangelho da Missa. Há uma especial urgência por parte de Deus em que os seus filhos tenham essa atitude para com os seus irmãos; Ele nos diz que a sua misericórdia para conosco se dará na proporção da que nós mesmos praticarmos: com a medida com que medirdes sereis medidos11.
Haverá proporção, não igualdade, porque a bondade de Deus supera todas as nossas medidas. A um grão de trigo corresponderá um grão de ouro; à nossa medida de trigo, uma medida de ouro; aos cinqüenta denários que perdoarmos, os dez mil talentos (uma fortuna incalculável) que devemos a Deus.
Mas se o nosso coração se endurecer diante das misérias e fraquezas alheias, a porta para entrarmos no Céu será terrivelmente mais estreita. “Quem quiser alcançar misericórdia no Céu deve praticá-la neste mundo. E por isso, já que todos desejamos misericórdia, atuemos de modo a que ela chegue a ser o nosso advogado neste mundo, para que nos livre depois no futuro. No Céu há uma misericórdia a que se chega pela misericórdia terrena”12.
Às vezes, pretende-se opor a misericórdia à justiça, como se aquela pusesse de lado as exigências desta. Trata-se de uma visão errônea, pois considera-se a misericórdia como um pretexto para acobertar a injustiça, quando, na realidade, é a plenitude da justiça. São Tomás de Aquino ensina13 que, quando Deus atua com misericórdia, ultrapassa a justiça, o que pressupõe – quando nós o imitamos – que se começou por respeitá-la de forma plena. É como se uma pessoa desse duzentos denários a quem só lhe devesse cem; não só não vai contra a justiça, mas, além de satisfazer o que é justo, porta-se com liberalidade e misericórdia.
Esta atitude para com o próximo é, pois, a cabal realização de toda a justiça. Mais ainda, sem misericórdia, acaba-se por chegar a “um sistema de opressão dos mais fracos pelos mais fortes” ou a “uma arena de luta permanente de uns contra outros”, como adverte João Paulo II14.
É óbvio que, se não se começa por viver a justiça, não se pode praticar a misericórdia que o Senhor nos pede. Mas, depois de darmos a cada um o que por justiça lhe pertence, a atitude misericordiosa leva-nos muito mais longe: por exemplo, a saber perdoar com prontidão as ofensas, sem esperar por uma reparação ou por um pedido de desculpas; a atualizar os ordenados dos que dependem de nós acima do estrito aumento do custo de vida; a ultrapassar os limites da cortesia no atendimento a um desconhecido que nos procura; a ajudar um filho que se esforçou pouco por tirar boas notas... São pequenos gestos sem os quais – permanecendo apenas no âmbito estreito da justiça – se tornaria impossível a vida familiar, a convivência nos locais de trabalho e o variado relacionamento social.
III. POR MUITO JUSTAS que cheguem algum dia a ser as relações entre os homens, sempre será necessário o exercício cotidiano da misericórdia.
A misericórdia é, como diz a sua etimologia, uma disposição do coração que nos leva a compadecer-nos – como se fossem próprias – das misérias que encontramos a cada passo e que nunca desaparecerão, por mais justas e bem resolvidas que possam parecer as relações entre os homens. Por isso, devemos exercê-la antes de mais nada pela compreensão com os defeitos alheios, mantendo uma atitude positiva, benevolente, que nos inclina a pensar bem dos outros, a aceitá-los com as suas particularidades, a desculpar-lhes de bom grado as falhas e os erros, sem deixar de ajudá-los da forma mais oportuna. É uma atitude que parte do respeito pela igualdade radical de todos os homens, pois todos somos filhos de Deus, apesar das diferenças e peculiaridades de cada um.
O Senhor fez desta bem-aventurança o caminho mais direto para alcançarmos a felicidade nesta vida e na outra. “É como um fio de água fresca que brota da misericórdia de Deus e que nos faz participar da sua própria felicidade. Ensina-nos – muito melhor que os livros – que a verdadeira felicidade não consiste em tomar e possuir, em julgar e ter razão, em impor a justiça segundo uma visão pessoal, mas em deixar-se tomar e agarrar por Deus, em submeter-se ao seu juízo e à sua justiça generosa, em aprender dEle a prática cotidiana da misericórdia”15.
Compreenderemos então que é mais alegre dar do que receber16, como nos diz o Senhor na única frase que nos chegou por intermédio de São Paulo, e não dos Evangelhos. Um coração compassivo e misericordioso transborda de paz e de alegria. Desse modo, alcançamos também essa misericórdia de que tanto precisamos; e deveremos isso àqueles que nos deram a oportunidade de fazer alguma coisa por eles mesmos e pelo Senhor. Santo Agostinho diz que a misericórdia é o polimento da alma, que a faz brilhar e ter uma aparência boa e formosa17.
Terminando este tempo de oração, recorremos à nossa Mãe Santa Maria, pois Ela “é quem conhece mais a fundo o mistério da misericórdia divina. Sabe o seu preço e sabe como é alto. Neste sentido, chamamo-la também Mãe de misericórdia”18.
Ainda que já tenhamos provas abundantes do seu amor maternal por cada um de nós, podemos dizer-lhe: Monstra te esse matrem!19, mostra que és Mãe, e ajuda-nos a mostrar-nos como bons filhos teus e irmãos de todos os homens: misericordiosos e compassivos, como o teu Filho.
(1) 2 Cor 1, 1-7; Primeira leitura da Missa da segunda-feira da décima semana do TC, ano ímpar; (2) Sl 100; (3) Mt 11, 28; (4) Ti 5, 11; (5) Hebr 2, 17; (6) Tit 2, 11; 1 Pe 1, 3; (7) João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 30-XI-1980; (8) Mt 9, 27; 15, 22; 20, 30; Mc 10, 47; Lc 17, 13; (9) São Máximo de Turim, Carta 11; (10) Mt 5, 7; (11) Mt 7, 2; (12) São Cesário de Arles, Sermão 25; (13) São Tomás, Suma Teológica, I, q. 21, a. 3, ad. 2; (14) João Paulo II, op. cit., 14; (15) S. Pinckaers, En busca de la felicidad, Palabra, Madrid, 1981, págs. 126-127; (16) cfr. At 20, 35; (17) cfr. Santo Agostinho, Catena Aurea, vol. I, pág. 48; (18) João Paulo II, op. cit., 9; (19) Liturgia das Horas, Segundas vésperas do Comum da Virgem Maria, Hino Ave, maris stella.
Análise de Conjuntura – Junho de 2010

- Não é documento oficial da CNBB -


Apresentação
Nesta análise de conjuntura, focalizaremos a busca por nova configuração mundial. Nesta esteira, as relações Brasil-Irã, analisando os intentos do presidente Lula na construção do acordo com o Irã para evitar as sanções internacionais contra o país iraniano, pela prática do enriquecimento do Urânio a 20%. Em seguida, o eixo será as repercussões da crise financeira internacional na Europa e as medidas mitigadoras que estão sendo tomadas para sua redução, apresentando também os limites e possibilidades
das decisões tomadas. Na esfera nacional abordaremos de forma crítica o papel da mídia no âmbito eleitoral, chamando atenção para as influências que ela busca responder em sua ação neste campo.
Destacaremos também os esforços da sociedade por meio da aprovação da Lei da Ficha Limpa, do Seminário em Defesa dos Direitos Sociais e de outras iniciativas, ligadas ao tema da terra e Reforma Agrária, para pauta o debate pré-eleitoral.
Desenvolvemos uma análise rápida do significado da conquista da Lei da Ficha Limpa, a participação da Igreja neste processo, as lições e desafios que se apresentam no horizonte da cidadania
brasileira. Destacaremos sob o olhar dos movimentos sociais, os aprendizados auferidos com a realização
da 2ª Assembleia Popular, oriunda da experiência das Semanas Sociais Brasileiras; o andamento da Plebiscito Popular e Abaixo-Assinado pelo limite da Terra no Brasil; os resultados da CPI sobre a
Dívida Pública brasileira e necessidade de sua divulgação para que o problema estrutural do endividamento seja enfrentado; os caminhos da CMPI do MST e a denúncia sobre a prisão arbitrária da líder indígena Tupinambá, Glicéria, membro do Conselho Nacional de Política Indigenista, realizada pelo CIMI à ONU.
Concluiremos a análise, apresentando as Notícias do Congresso que trazem reflexões sobre o aumento do número de processos contra parlamentares no STF, conforme levantamento do site “Congresso em Foco”; a decisão do presidente Lula aprovando o aumento de 7,7% para os aposentados e vetando o Fator Previdenciário; as críticas ao substitutivo apresentado pelo relator às alterações no Código Florestal Brasileiro; a aprovação no Senado dos projetos que criam o Fundo
Social do Pré-Sal, o regime de partilha e distribuição de royalties do petróleo; o início da tramitação da proposta de criação da Comissão da Verdade na Câmara dos Deputados; a aprovação do Estatuto do Nascituro; a PEC da felicidade; a tramitação do Projeto de Lei para as Religiões; bem como os
projetos para regulamentação das Finanças Populares e Economia Solidária, a Lei de Responsabilidade Fiscal e Social e sobre Reforma Política trazidos com pedido de apoio da CNBB pela deputada Luiza Erundina. Ainda serão apresentados o projeto de dedução no imposto de renda de doações feitas a Instituições Religiosas e a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial pelo Senado Federal.
1.
Internacional
Uma nova configuração mundial?
A globalização econômica tão elogiada como resultante de um mundo unívoco e harmonioso teve como função essencial a legitimação da dominação financeira ocidental, sob o manto de um natural mundialismo. Se a unidade planetária de fenômenos históricos não é novidade, pois toda época passou por certa mundialidade, fica a questão de saber hoje quais são os fenômenos mundiais dominantes e quem está levando vantagem.
Em outras palavras, será que a globalização é fator de paz? A resposta pode parecer escandalosa. Pois, quanto mais os países estão abertos ao comercio internacional multilateral, mais conflitos vão aumentando. A solidez e preeminência dos interesses ocidentais alimentaram ilusões sobre um equilíbrio relativo do mundo. As trocas transatlânticas constituem ainda o motor principal das relações comerciais internacionais, mas a potência americana em declínio tem cada vez mais dificuldade em garantir certa coesão.
A instabilidade da economia americana e o fracasso da sua dominação militar, conjuntamente com a emergência, entre outros países, do Brasil, China, Índia e África do Sul no cenário
internacional, econômico e político, revela nova configuração econômico e política que parece pôr em questão a tal “boa governança”. Alianças a direções variáveis caracterizam oscilações entre um equilíbrio antigo e um outro em construção. Face à globalização financeira e sua crise, voltam a
vigorar estratégias nacionais e até uma contestação da ordem global na América latina. O grupo constituído por Brasil, Rússia, Índia e China (BRIC) reivindica oficialmente um novo equilíbrio internacional.
Novas solidariedades, ao mesmo tempo, sustentam e criticam a ordem dominante, como ficou evidenciado no fracasso das últimas negociações do OMC em Doha e da cúpula sobre o clima em Copenhague. Emergem nacionalismos econômicos que se opõem a essa ordem. Assim nasceram a
Organização de Cooperação de Shanghaï (OCS) e a Aliança Bolivariana para os povos de nossa América (ALBA) que juntam países opostos à tradicional dominação dos Estados-unidos. Em nome da soberania popular, contestam a supremacia do dólar com a criação do Sistema Único de Compensação Regional (Sucre).
Assim aparece nova mundialidade, quer dizer, um novo caminho comum, com atores aparentemente dispersos. Relações Brasil-Irã Afinal, o que os países ocidentais censuraram em Lula? Disseram que o Irã mentiu muito no
relatório sobre a energia nuclear. Que Teerã só procura ganhar tempo para continuar seu projeto secreto de fabricação da arma atômica. Que Lula oferece ao presidente Ahmadinejad um apoio inesperado.
O relatório é sensível entre todos, pois, sabe-se, que Israel, por razões de segurança, não deixará Teerã ter a bomba atômica, e que, se for necessário, não duvidará em bombardear as usinas atômicas do Irã. Daí a mobilização total dos EUA. Por que, então, Lula escolheu essa intermediação delicada, longe da sua zona regional de influência? Como em todas as viagens, tinha interesses econômicos em jogo: um mês antes da viagem de Lula, cem empresários brasileiros foram passar uma semana no país com o ministro do desenvolvimento, Miguel Jorge. A viagem do presidente pode abrir grandes mercados na região. Mas a viagem foi por causa da política: Lula queria expressar publicamente o papel político internacional que ele quer para o Brasil. O presidente deixou um recado: o Brasil é uma potencia, e ele (Lula) quer usar o seu prestigio internacional para expressar sua reivindicação. O recado vale para outros emergentes. O gesto teve o seu impacto – pro ou contra – em nível internacional. A luta entre o Irã e os EUA e seus aliados, em particular o Reino Unido, a França, a Alemanha
e outros países ocidentais começou em 2002 quando ficou mais claro que o Irã tinha um programa nuclear. Ao longo de oito anos, a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) tentou muitas vezes a negociação. Em vão! Os países ocidentais têm o sentimento que o Brasil e a Turquia foram
manipulados. Não disse o porta-voz do ministério dos assuntos exteriores o dia mesmo da assinatura do Acordo que o Irã continuaria o enriquecimento do urânio a 20%? Conforme o Acordo, Teerã ia confiar o enriquecimento do urânio a 20% a outros países, como se renunciava a esse enriquecimento, que é um passo para a arma nuclear. Para os países ocidentais, o Acordo era insuficiente e sem credibilidade, enquanto Teerã não deixava a AIEA controlar a sua realização. Desdenhando o Acordo, na ONU, os EUA continuavam a preparação de sanções, conseguindo o apoio – mesmo que moderado – da China e da Rússia. O ponto mais fraco da iniciativa de Lula foi o fato dele ter feito uma caminhada solitária. A
iniciativa da “última esperança” e o seu “resultado positivo” foi por demais atribuída a Lula mesmo, como se, indiretamente, quisesse dar uma lição a muitos. A melhor diplomacia é lenta e discreta.
Talvez o Brasil e a Turquia tivessem conseguido melhores resultados pela ação tenaz e discreta no Conselho de Segurança (CS). Dá para estranhar também que o tão hábil e eficaz ministro das relações
exteriores, Celso Amorim, chegue a dizer que o Brasil não pode julgar dos objetivos últimos do Irã.
Esse quarto conjunto de sanções aprovadas pelo CS da ONU não vai resolver nada; muito pelo contrário! Não vão impedir que Teerã continue seu programa. A via do diálogo não pode ser fechada.
O Acordo é a melhor chance de prevenir um conflito. O Brasil e a Turquia ainda têm um papel importante no CS em favor do diálogo e da via diplomática.
A Europa em crise Há de situar a profunda crise financeira que assola a Europa na continuidade da crise mundial dos anos 2008-2009. Naqueles anos, para prevenir o desmoronamento do sistema financeiro, os governos de todos os países deram montanhas de dinheiro aos bancos e outras instituições financeiras.
No momento de começar os reembolsos, veio à luz que vários países da União estavam à beira da bancarrota. Entre os dezesseis países da zona-euro, a Grécia era a mais endividada. Antes da crise de 2008, falsificações na apresentação da situação financeira do país ao BCE (Banco Central Europeu) não deixavam aparecer a gravidade da situação. O país estava praticamente insolvente. A situação era grave não só para o país mesmo, mas também para a estabilidade do conjunto da zona-euro.
Pouco a pouco apareceu mais claro que a situação de vários países (Espanha, Portugal, Irlanda em particular), sem ser tão grave como na Grécia, não era nada positiva. Os chefes de Estados ou de governos da zona-euro, reunidos em urgência, atribuíram 40 bilhões à Grécia para evitar a falência, mediante um drástico plano de austeridade. Não bastou para restabelecer a confiança dos investidores (pode-se ler também “especuladores”). Uma crise profunda ameaçava o euro, principal motor da
União. Houve uma reação unânime dos governos. Dois dias depois do apoio à Grécia, os 27 chefes de Estados ou de governos criaram o Fundo Monetário Europeu (um tipo de FMI) com uma entrada de
750 bilhões de euros para reconfortar e estimular as economias da União. Os ataques especulativos contra o euro fracassaram, mas a crise não está resolvida, e a moeda comum está bastante
enfraquecida.
A crise mostra que o “rei está nu”. O euro não pode funcionar sem a solidariedade dos países. A crise dum só país – um dos menores no caso da Grécia – ameaçava a estabilidade de todo o sistema financeiro. O Tratado de Lisboa atualizou o funcionamento das Instituições políticas, mas não criou instrumentos de governança financeira. Há a necessidade para a Europa de não ficar parada no meio do caminho. O apoio à Grécia e a criação de um Fundo são medidas corajosas, mas insuficientes. A Europa não tem políticas econômicas e fiscais comuns. É uma fragilidade que ameaça a estabilidade do euro.
A Europa vive em cima dos seus recursos. As dívidas se ampliam e se generalizam. Só uma disciplina fiscal e orçamentária permitirá de pôr um pouco de ordem nas finanças dos países da União. Trata-se de salvar o euro e com ele a vida do projeto europeu comum. A Europa vai
viver um período de austeridade. Já vários governos (Espanha, Portugal, Reino Unido) publicaram seus planos para reduzir as suas dívidas. O povo vai pagar: aumento dos impostos, redução dos gastos sociais e do acesso ao crédito. Já há importantes manifestações nas ruas de Atenas e Madri. Pode-se prever um novo período de agitação social e política nos próximos anos.
O euro está em jogo e com ele o futuro do projeto europeu. A Alemanha, principal financiador do FMU, tem inscrita na sua Constituição a exigência do equilíbrio orçamentário. O presidente da França falou de adotar semelhante princípio. Já se fala que a inscrição dele na Constituição dos países possa se tornar uma obrigação para ser membro da zona-euro.
2.
Brasil Mídia, publicidade, comunicação e eleições. Tudo indica que o processo eleitoral brasileiro, assim como evoluiu dos conchavos políticos para os comícios (sem deixar os conchavos) e depois para os debates (sem deixar os comícios) agora evolui conservando os elementos passados, para o uso da mídia e da publicidade. Isto inclusive coloca de saída problemas éticos delicados. Nos Estados Unidos, começou um movimento chamado “civic journalism”, entre jornalistas e cidadãos preocupados. Partem de certas convicções: sem ética não se pode falar de vigência da comunicação num processo interlocutório.
Como conciliar a sadia (e desejável) disputa democrática, com o princípio de que num contexto comunicativo não há perdedores nem ganhadores? O êxito da comunicação é o sucesso com o outro,
não sobre o outro. Trava-se um debate sobre o nível em que a liberdade de imprensa é condição para a livre opinião dos cidadãos. Há certa convergência em que é condição necessária, mas não suficiente.
Sem diversidade e pluralidade de fontes de informação, é precária a liberdade de formação de opinião.
Em 1920, Ruy Barbosa criticava num opúsculo o que chamava de “relações imorais” da imprensa com os governos. A seu ver, do lado do poder da máquina (de nomear e demitir, de conceder favores ou preterir pleitos) os governos de plantão tinham o poder de pressionar a imprensa para apresentar os fatos a seu modo.
Ruy não observava isto, mas para “apresentarem os fatos a seu modo” os meios de comunicação nem precisam falsear grosseiramente a realidade: é mais inteligente e eficaz selecionar fatos, silenciando os que não valem a pena, enfatizando (se necessário, fora de proporção) os que
interessam. A crítica sinceramente liberal de Ruy falhava, entretanto, por um lado importante: sem negar o poder que os ocupantes de cargos no Estado possam ter, hoje em dia, certamente o poder maior é dos
grandes grupos econômicos (inclusive, sobre o próprio Estado). Dentro de certos limites, a mídia tem que informar o que “os anunciantes querem ver dito”, “tem que ocultar o que não corresponde aos seus interesses”. O critério daquele “preterir” ou “enfatizar” é o que mais ajuda para a renda que os órgãos de comunicação auferem da publicidade; quando não a parcela acionária dos grandes grupos na própria mídia (escrita, falada, televisiva). A mídia tem o poder de noticiar-se a si mesma, isto é, de noticiar o que aparece na mídia. Exemplo ilustrativo, é o dos “dossiês” anunciados e denunciados que não aparecem. Pode até bem ser
que alguns existam; mas que a publicação deles causasse impacto menor e mais breve do que os comentários e notícias sobre as notícias e comentários referentes a eles (quando, por exemplo, se denuncia a intenção de denúncia). Estes (comentários e notícias) chamam mais atenção sobre suspeitas e dúvidas do que sobre fatos, mas podem ser mais poderosos, porque chamam atenção maior, mais longamente, de mais gente.
Fala-se da internet como “ágora eletrônica” aberta à participação cidadã e isto dá certa ilusão de universalidade. De fato às vezes não se leva em conta o nosso “duplo nível de analfabetismo”: o da massa que não sabe ler e escrever, mas também o da segunda faixa que sabe ler e escrever, mas não
tem acesso ao computador e às técnicas de seu uso.
O grande destaque das eleições deste ano pode vir a ser a campanha digital (pela internet). A ideia é usar as chamadas mídias sociais (Orkut, facebook) para levar os candidatos e candidatas diretamente às pessoas, driblando o noticiário da grande imprensa.
Blue State Digital é a empresa norte-americana que fez (na internet) a campanha de Obama a partir de uma leitura similar, de que a grande imprensa nos Estados Unidos favorecia os republicanos.
A agência Pepper assumiu a campanha digital de Dilma. Há um contrato pelo qual a Blue State fornece consultoria à Pepper e esta a representa na América Latina, especialmente no Brasil. Os analistas, amigos e adversários, tendem a concordar em que a campanha digital foi decisiva para a vitória de Obama. A experiência da “Ficha Limpa” e de outras campanhas sugere para se contribuir para uma sociedade melhor, mais participativa e humana, que se tente mobilizar a rede de comunicação
disponível (rádio, TV, internet) para um “observatório” permanente. Mas que não seja algo pontual e espasmódico, nem se reduza a estimular o voto em gente honesta e competente; e sim acompanhe a
atuação de cada parlamentar, prefeito, governador, por exemplo. Ou seja, conectar as experiências pioneiras de grupos locais de acompanhamento do Legislativo e Executivo, através da rede de
comunicação. Na perspectiva de influenciar a pauta de debates das próximas eleições o Movimento em Defesa dos Direitos Sociais (do qual participam as Pastorais Sociais, CBJP, Grito dos Excluídos e Campanha Jubileu Sul, membros do Programa Justiça Econômica) realizou Seminário Nacional no dia 17 de junho, em Brasília acerca dos temas das Políticas vinculadas à Seguridade Social e a questões agrárias, concluindo com o diálogo com responsáveis pelos programas de governos das candidaturas à
presidência da República. Chama atenção a ausência do tema sobre a terra e Reforma Agrária nos debates pré-eleitorais,
enquanto a sociedade brasileira se mobiliza em favor da tramitação no senado da PEC 438/2001 contra o Trabalho Escravo (280 mil assinaturas foram apresentadas no dia 26-05-2010 ao presidente da Câmara dos Deputados); a CNBB realizou o estudo sobre a questãoagrária em sua 48ª Assembleia Geral e os movimentos sociais organizam o Plebiscito sobre o tamanho máximo da propriedade da terra no Brasil em 35 módulosfiscais. Ficha Limpa: que fenômeno foi esse? Com a resposta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) às consultas realizadas por parlamentares do Congresso Nacional, como a da última quinta-feira, dia 17/06/2010, consolida-se a plena aplicação da Lei Complementar nº 135/2010, de 04-06-2010, conhecida com a Lei da Ficha Limpa. A decisão proferida afirma que os novos critérios de inelegibilidade serão aplicados para as eleições desse ano e que os fatos da vida pregressa dos candidatos serão considerados, analisando-se caso a caso, quando pairar dúvidas. É sem dúvida, uma vitória da sociedade brasileira. O MCCE acertou, e em seu seio, reconhecidamente a atuação da CNBB foi acertada. Visto
que se afastou da campanha difamatória acerca da atuação dos políticos, colocando-se na perspectiva pró-ativa de afastar da política, aqueles agentes públicos que demonstraram não serem confiáveis pela
análise da história de sua vida pública. Foi um passo edificante na valorização da política como o meio pacífico para resolução dos conflitos numa democracia. Foi também a concretização dos diversos apelos que a Igreja Católica no Brasil sempre faz com seus documentos e declarações, oferecendo suas orientações para o voto consciente, quando
insistia na observância da história de vida dos candidatos e dos partidos como critério para discernimento do voto. Muitos duvidavam da possibilidade de o Congresso Nacional “cortar na própria carne”, uma
vez que vários políticos com os novos critérios ficarão fora da próxima disputa eleitoral. Quais lições podemos tirar dessa iniciativa vitoriosa?
Primeira, a unidade na decisão, empenho efetivo e diálogo construtivo. Unidade que se iniciou na Assembleia da CNBB em abril de 2008 e que se manteve quando as propostas de mudanças na proposta inicial foram oferecidas. Empenho efetivo na coleta das assinaturas, com a seriedade da
identificação do eleitor(a), por meio de seu título de eleitor, e nas várias iniciativas pessoais e coletivas de coleta de assinaturas. E que prosseguiu nas ruas e pela internet quando o Projeto não tramitava na Câmara dos Deputados. E diálogo construtivo entre a Sociedade Civil e Congresso Nacional, que escutou em audiência pública a sociedade civil para o início das atividades do Grupo de Trabalho para conhecer as razões mais profundas do “Ficha Limpa”, acrescentando contribuições importantes no
aperfeiçoamento da proposta. Esse diálogo pode ocorrer pela autonomia que o movimento social tem em relação às várias esferas do Estado e dos partidos. Segunda, é preciso mencionar também que a denúncia do terrível esquema de corrupção eleitoral em curso no Distrito Federal, envolvendo os vários poderes locais constituídos da Capital da República, com o afastamento do próprio Governador, conhecido pela operação “Caixa de Pandora” e a resistência da juventude no afastamento dos envolvidos criou ambiente nacional que tornou inexorável a aprovação do Ficha Limpa pelo Congresso Nacional. Neste aspecto a cobrança efetivada pela mídia cumpriu papel fundamental. Terceira, mas não mesmo importante, foi realizar a grande mobilização da indignação da população brasileira com os desvios éticos na política para algo construtivo, por meio da educação política, realizada com a reflexão desenvolvida no âmbito das iniciativas da Campanha da Fraternidade de 2009, que colocou a adesão à iniciativa popular como ação concreta no Agir daquela CF. Traduzir um procedimento jurídico eleitoral em termos compreensíveis foi a “pedra angular” da conquista da Lei da Ficha Limpa. O povo entendeu a iniciativa proposta, se apropriando uma pouco mais do processo eleitoral. Não se pode esquecer que bebemos da sabedoria da aprovação da Lei 9840/99, conhecida como Lei dos Bispos, contra a compra de votos e uso da máquina administrativa nas eleições e da sua efetividade: até as eleições de 2008, 960 políticos cassados! Com a ampla mobilização social e aprovação da Ficha Limpa em tempo considerado recorde, a própria CNBB e o MCCE têm sido procurados para avalizarem novas iniciativas populares,
principalmente no que tange à Reforma Política. Permanece o desafio de “traduzir” as propostas em termos compreensíveis e construir unidade em torno do tema, lições indispensáveis para uma nova empreitada! Cresce a importância do Documento 91 da CNBB – “Por uma Reforma do Estado com
Participação Democrática”, aprovado no Conselho Permanente de março e da cartilha “Eleições
2010: o chão e o horizonte” para a educação para o voto consciente nas próximas eleições, bem como
na construção de novas iniciativas de fortalecimento da democracia brasileira.
A entrega pelo presidente do TCU ao Presidente do TSE do nome de 4.922 gestores públicos
que tiveram suas contas rejeitadas pelo TCU estimulou para que outros órgãos colegiados também
analisem que contribuições podem dar para efetivação maior da Ficha Limpa a partir das eleições de 2010. Acredita-se que o impacto maior dessa relação venha a ocorrer nas eleições municipais de 2012.
3.
Movimentos Sociais II Assembleia Popular Nacional Foi realizada em Brasília, de 25 a 28 de maio, a II Assembleia Popular Nacional, que reuniu
em Luziânia (GO), cerca de 500 representantes de pastorais sociais, entidades e movimentos sociais de todo o país. Esta foi a continuidade da construção coletiva, e a partir da base, de um Projeto Popular para o
Brasil. Este projeto possui uma característica central e singular: a unidade na diversidade. Possui também uma raiz histórica qualificada: os processos das quatro Semanas Sociais Brasileiras, coordenadas pela CNBB, dos anos 90 aos princípios do século XXI. A legitimidade e a riqueza da Assembleia Popular vêm da sua proximidade e enraizamento nas
bases e nos setores excluídos da sociedade. Este processo e este lugar social propiciaram diversos acúmulos e uma lúcida abrangência da análise: a noção de biomas; de eixos de análise com base nos
direitos; da dimensão ambiental e climática; a concepção de modelo civilizatório.
A Assembleia Popular é a resposta de pastorais sociais e movimentos populares à crise civilizatória e à crise do Estado atual. Estes setores estão sendo protagonistas políticos ao se lançarem o desafio da construção de um novo modelo civilizatório e de um novo tipo de Estado. Para tanto, se abrem às contribuições dos povos indígenas e das populações
tradicionais, que constituíram sociedades baseadas no equilíbrio interno e na convivência harmônica com a natureza.
A II Assembleia Popular Nacional foi um momento forte, que aliou a crítica contundente ao modelo econômico, político e social atual à troca de experiências de base na construção do novo. Qual teria sido o desafio central que emergiu naqueles dias, para a continuidade desta construção coletiva? O grande desafio nos pareceu o de continuar assimilando as diferentes contribuições de pastorais e movimentos populares num todo integrado, em termos de método e conteúdos: do trabalho de base; da formação política e da construção teórica do “Brasil que queremos”.
Com qual sentimento de pertença poderemos continuar esta construção conjunta? É evidente que um processo complexo como este, reunindo diferentes atores, com diferentes histórias e inserções sociais, acaba por desencadear também tensões e dificuldades. Este desafio central nos remete a um outro quadro referencial, mais profundo, que deve fazer parte da própria matriz do nosso Projeto Popular comum: o nosso quadro de valores, base das nossas atitudes, ações e práticas organizativas e políticas.
Elencamos aqui, entre valores, atitudes e ações relevantes: democracia; respeito ao outro;
diálogo e intercâmbio; humildade; generosidade; construção conjunta; capacidade de autocrítica; abertura para a dimensão subjetiva, cultural e espiritual da luta social; a dimensão utópica. As pastorais e os movimentos sociais tiveram uma experiência importante nos anos 70 do século passado: foi a do encontro das práticas da Igreja Católica - e de outras Igrejas – das CEB’s e movimentos populares emergentes, com militantes que provinham das organizações de esquerda, que saiam das prisões, que voltavam do exílio. Foi, naquele momento, um encontro fecundo para todos, pois havia a sede de conhecimento e de preparo político por parte dos setores populares e a abertura, por parte dos militantes, para conhecer e contribuir com a nova prática social então em processo.
Houve uma valorização mútua e um profundo sentimento de respeito; havia uma humildade dos militantes de esquerda, baseada na autocrítica do “vanguardismo” dos anos 60 e 70; havia, por outro lado, uma busca de superação do “basismo” por parte das pastorais e Igrejas, que reconheciam a complexidade da sociedade brasileira e o enorme desafio de construção de estratégias de transformação social a partir dos mais pobres.
O processo de construção da Assembleia Popular poderia se inspirar naquele momento histórico, para construir um novo crescimento das lutas sociais no Brasil e um novo Projeto Popular, que seja nosso referencial comum, com trabalhos de base e de formação política complementares.
Destacamos aqui que este processo só poderá acontecer, de maneira profunda e verdadeira, com a introjeção, pelo conjunto da militância da Assembleia Popular, dos valores centrais da humildade e da generosidade.
É, também, importante assumir as avaliações e autocríticas do passado, para não repeti-lo; assim como recuperar o que foi correto e fecundo no passado para os setores populares, para fortalecer hoje seu protagonismo e renovar suas vitórias. Plebiscito Popular e Abaixo-Assinado para Emenda Constitucional pelo Limite da Terra As entidades que integram o Fórum Nacional da Reforma Agrária e justiça no campo diante da expansão dos latifúndios e das monoculturas conduzem desde o ano 2000 a Campanha pelo limite de propriedade da terra em defesa da reforma agrária e a soberania alimentar e territorial. Conclamam agora a sociedade e contam com o apoio da Igreja para a realização de um Plebiscito de iniciativa
popular que tem por objetivo final uma emenda constitucional que inclua um novo inciso no Art. 186 da Constituição Brasileira onde se trata da função social da terra. A emenda pretende estabelecer o limite ao tamanho máximo da propriedade em 35 módulos fiscais, medida já sugerida
pela Campanha do Fórum Nacional pela Reforma Agrária.
A Igreja Católica no Brasil, através da ação da CPT e a dedicação de bispos, padres, religiosos, religiosas e um grande número de leigos e leigas que sacrificaram suas vidas, há décadas
vem afirmando a urgência da reforma agrária e apoiando as lutas do povo pela justiça no campo. Essa reforma é uma exigência ética de um desenvolvimento humano integral para todas as pessoas no nosso
país e já não está mais nos planos dos governos. O plebiscito de iniciativa popular pretende pautar o tema da reforma agrária na agenda e nos planos dos próximos governos. As Igrejas membros do CONIC assumiram o compromisso de apoiar a iniciativa do plebiscito popular na Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2010, cientes de que a maioria das pessoas que
lutam pela justiça no campo são fiéis cristãos que esperam a cooperação de todas as Igrejas e da sociedade brasileira. CPI da Dívida Pública Brasileira
Em 2009 o pagamento de juros e amortizações da dívida brasileira (interna e externa) consumiu R$ 380 bilhões, equivalentes a 35,57% do Orçamento Geral da União executado. Observe-se que nesse montante não esta incluída a “rolagem”, ou seja, o pagamento de principal (amortizações)
por meio da emissão de novos títulos. Essa sangria de recursos para pagar dívida tem impedido a realização de investimentos. Os recursos dos tributos pagos pela sociedade estão sendo drenados para a dívida e não para a melhoria dos serviços de saúde, educação, segurança, infra-estrutura, entre outras políticas públicas. Há um jogo financeiro. A propaganda de que “não devemos” encobre a verdade. Os números mostram a barbaridade a que chegamos: Dívida Interna já ultrapassou o patamar de R$ 2,15 trilhões; Dívida Externa de US$ 282 bilhões e o “mercado” colocando o Brasil de joelhos para cumprir os compromissos de juros que vencem todos os dias. A taxa de juros SELIC acaba de se elevar para 10,25% e há vários meses o Tesouro Nacional vem leiloando os títulos da dívida interna prefixados a 13%. Esse fato é decorrente da pressão pré-eleitoral exercida pelo “mercado”, pois sabe que todo governante fará tudo para evitar uma moratória no final de seu mandato. FHC chegou a pagar juros de
20% em 2002 e teve que recorrer ao FMI. Até quanto vão exigir de Lula?
O Brasil continua pagando uma dívida externa, que alcançou o patamar de US$ 282 bilhões em 2009, apesar da propaganda de que somos credores, inclusive perante o FMI. Há um grande equívoco em deduzir que “a dívida externa acabou” ante a simples comparação entre o atual montante
da dívida externa e o imenso volume de reservas internacionais acumuladas pelo Brasil, em torno de US$ 250 bilhões atualmente. Em primeiro lugar, tal simplificação leva a uma distorção de nossas reais obrigações e compromissos com o exterior, pois a dívida externa não é o único componente do passivo externo brasileiro1. Em segundo lugar, a dívida externa nos obriga ao pagamento de juros e demais comissões
e taxas que representam um custo anual de cerca de 10%, em média, ao passo que as reservas internacionais encontram-se, em sua grande maioria, aplicadas em títulos da dívida norte-americana que não rendem quase nada. O mais grave é que para acumular esse enorme “colchão” de reservas,
desde 2006 o Brasil tem emitido grande quantidade de títulos da dívida interna para atender ao apetite dos investidores internacionais que buscam aqui as maiores taxas de juros reais do mundo, além de moeda que se valoriza frente ao dólar, isenção tributária e total liberdade de capitais. Só recentemente o ingresso de capitais passou a ser tributado em 2% a título de IOF, o que é desprezível se considerarmos que o ganho real dos estrangeiros que investiramem títulos da dívida interna em 2009 chegou a alcançar 50%!2 Portanto, apenas mudamos de credor, pois continuamos pagando não ao FMI, mas a esses novoscredores, a juros altíssimos, muito mais onerosos do que o que pagávamos ao FMI. A recente CPI da Dívida Pública na Câmara dos Deputados apontou sérios indícios de ilegalidades e ilegitimidades no endividamento público brasileiro que demandam o aprofundamento das investigações. O próprio Relator indicado pelo Governo (dep. Pedro Novais – PMDB/MA) reconheceu que falta transparência, que o valor dos juros pagos não é devidamente divulgado, e que a dívida atual é produto principalmente da aplicação de taxas de juros “não-civilizadas”, consumindo mais de um terço dos recursos do Orçamento Geral da União – 35,57% - enquanto áreas sociais fundamentais
consomem muito menos, como saúde (menos de 5%) e educação (menos de 3%). Portanto, a CPI provou que a elevada dívida pública representa o custo da política econômica (monetária e cambial), ao contrário do que pregam certos meios de comunicação segundo os quais tal dívida decorreria de uma suposta “gastança” com servidores ou Previdência Social. A aplicação de juros sobre juros (“anatocismo”) foi considerada ilegal pelo Supremo Tribunal Federal, constituindo-se, portanto, em um dos mais graves indícios de ilegalidade da dívida interna, conforme constou do Voto em Separado apresentado à CPI pelo deputado federal Ivan Valente
(PSOL/SP). O referido deputado também denunciou o evidente “conflito de interesses” decorrente da participação direta dos representantes do mercado financeiro na definição da expectativa de inflação que rege o aumento das já elevadíssimas taxas de juros brasileiras3 . A CPI da Dívida Pública obteve vários documentos que respaldam a necessidade urgente de
realização de uma completa auditoria dessa dívida, que não tem significado qualquer benefício ao país, mas tem sido um instrumento de transferência de grande volume de recursos públicos para o setor financeiro privado. Enquanto isso se aprofunda a dívida social e a negação a direitos sociais básicos à maior parte da população, avolumando-se as injustiças que fazem crescer a violência em nosso país. Como enfrentar essa situação? O primeiro passo é conhecer a realidade dessa dívida: como ela
surgiu e como chegou a essa situação exorbitante, apesar de décadas de pagamentos excessivos a título de juros e amortizações, além da entrega de quase todo o patrimônio nacional por meio das privatizações. O instrumento para o conhecimento da dívida é auditoria. Este procedimento foi previsto na Constituição Federal de 1988 (nunca cumprido), mas já aplicado no passado, no governo Getúlio Vargas, quando se obteve redução de cerca de 40% tanto do estoque da dívida como do fluxode pagamentos. É uma reivindicação do Movimento pela AuditoriaCidadã da Dívida que integra o Jubileu Sul Brasil, iniciado no ano jubilar de 2000.
1
Cysne, Rubens Penha - Passivo Externo Líquido Versus Dívida Externa Líquida, maio 2008, professor de EPGE/FGV: “Recentemente, anunciou-se que o Brasil passou de devedor a credor internacional. Isto significa que sua Dívida Externa Líquida (DEL), da forma como calculada pelo Banco Central, passou de positiva a negativa. Por outro lado, o Passivo Externo Líquido (PEL) brasileiro medido a partir dos dados da Posição Internacional de Investimentos (PII), também calculado e reportado pelo Banco Central, tem subido continuamente, tendo passado de U$ 230 bilhões em 2002 a U$ 543 bilhões ao final de 2007.
2
Esse fabuloso ganho foi decorrente da desvalorização cambial de 36% e da taxa de juros praticada de 10% em média (1,36 x 1,1
= 1,5).
3 Diversos outros indícios de ilegalidades no endividamento foram apontados pelo Voto em Separado, que foi entregue ao
Ministério Público e se encontra disponível na página (www.divida-auditoriacidada.org.br). Nesta página também, o movimento pela Auditoria Cidadã da Dívida, disponibilizou a cobertura completa da CPI, com 29 Boletins periódicos, resumindo todas as sessões da Comissão O Equador realizou uma auditoria oficial da dívida pública entre os anos 2007 e 2008, e conseguiu reduzir em 70% o estoque da dívida com os bancos privados internacionais. Um dívida de 4 bilhões de dólares passou para 1 bilhão de dólares. Este é um bom exemplo para o Brasil, visto que também o Brasil tem um montante significativo da sua dívida comprometida com os bancos privados internacionais. O Presidente, Rafael Correa, frente ao informe da Auditoria da Dívida Pública, disse que vai tomar "ações penais contra os que venderam a pátria, contra os que se venderam e haverá ações administrativas e civis para buscar a nulidade da dívida ilegítima".
CPMI do MST Aproxima-se, talvez, de seu final, o trabalho da CPMI do MST (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito), que vem investigando os convênios realizados e as respectivas transferências de recursos financeiros, por parte de órgãos federais, para entidades que realizam ações junto a
assentamentos de Reforma Agrária, particularmente aquelas relacionadas com o MST, o Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Durante os últimos meses foram realizadas muitas sessões da CPMI no Congresso Nacional, nas quais foram ouvidos - e longamente inquiridos - representantes de diversos Ministérios (Desenvolvimento Agrário, Saúde, Educação, Meio Ambiente, Cultura, Direitos Humanos) que possuem parcerias e convênios com aquelas entidades de Reforma Agrária; membros destas entidades; lideranças camponesas do MST; especialistas nas questões agrária e agrícola no país, entre outros segmentos. Nestes depoimentos foram fornecidas, aos deputados e senadores membros da CPMI, fartas informações com relação aos projetos que vêm sendo realizados em ações da Reforma Agrária pelo Governo Federal; com relação à fidelidade de tais projetos com os convênios assinados com as
entidades da Reforma Agrária; assim como com relação aos resultados e metas obtidos e sua relação com os resultados e metas que tais entidades se propunham atingir, declarados nestes convênios. A oposição, de início muito ativa na CPMI, aos poucos foi deixando de participar ativamente,
ficando poucos de seus membros presentes na totalidade das sessões ordinárias e mesmo nas audiências importantes. Frente à abundância de informações sobre os convênios celebrados; sobre a sua efetiva realização nos assentamentos de Reforma Agrária e sobre os resultados comprovadamente positivos alcançados em diversas áreas como produção, renda, saúde, educação, os parlamentares de oposição parecem ter perdido o interesse em participar. No entanto, estão nas mãos da Presidência da CPMI mais de uma centena de requerimentos solicitando a quebra dos sigilos bancário e telefônico de membros de entidades da Reforma Agrária e de lideranças do MST. Durante as próximas duas semanas do mês de junho, veremos se a CPMI do MST irá se encerrar, como as três que a antecederam, sem comprovar nenhuma das suspeitas de desvio de recursos públicos que as originaram ou se, pelo contrário, continuará nos próximos meses, trazendo informações destas outras CPMIs anteriores e conformando mais um palco para a disputa eleitoral em curso. Denúncia pede intervenção da ONU para libertar índia presa O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a organização não-governamental Justiça Global
no dia 9 de junho, à Organização das Nações Unidas (ONU), uma denúncia acerca de uma ação de agentes da Polícia Federal contra índios da etnia Tupinambá, no sul da Bahia. No documento, pedem a intervenção da ONU para a imediata concessão da liberdade à índia Glicéria Tupinambá. A denúncia foi veiculada pela Rádio Vaticano, no dia 18-06-2010, às 18h34.
A índia integra a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e está presa desde o dia 2 de junho, sob alegações questionáveis. O CIMI e a Justiça Global querem garantias de vida e de terras para a etnia Tupinambá.
A prisão de Glicéria é relatada na denúncia enviada nesta quarta-feira, dia 9, à ONU. Além de pedir a imediata libertação da índia, o CIMI e a Justiça Global pedem a garantia imediata da posse do território reivindicado pelo povo Tupinambá, com a conclusão do processo demarcatório, processo jáiniciado pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Outro pedido feito pelas entidades é a garantia da integridade física dos índios e que a Polícia Federal dê noções de direitos humanos aos agentes que tratam com povos indígenas e outras minorias étnicas.
No documento, as entidades também pedem uma investigação para identificar os agentes da Polícia Federal que teriam cometido crimes de tortura contra cinco índios Tupinambá: Ailza Silva Barbosa, Alzenir Oliveira da Silva, Calmerindo Batista da Silva, Mário Oliveira Barbosa e José Otávio de Freitas.
4.
Notícias do Congresso Dobra número de processos contra parlamentar no STF O número de processos contra deputados e senadores em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) dobrou desde o início da atual legislatura. O total de investigações envolvendo deputados e senadores saltou de 197, em abril de 2007, para 397, conforme levantamento exclusivo do site Congresso em Foco, concluído no último dia 30/05. Nesse mesmo período, subiu de 101 para 169 a relação dos congressistas que estão na mira da mais alta corte do país. Ou seja, de cada sete parlamentares, dois têm contas a ajustar com a Justiça. Entre as denúncias mais frequentes contra deputados e senadores, estão as de crime de responsabilidade (praticados no exercício de outra função pública), peculato, formação de quadrilha, crimes eleitorais, ambientais, contra a ordem tributária e a Lei de Licitações. Também há acusações de crimes contra a honra, como calúnia, infâmia e difamação. O desfecho da legislatura com o dobro de pendências judiciais é alarmante. O cupim da corrupção não pode seguir corroendo o Estado e a Lei Ficha limpa é o primeiro passo para a moralização. A lei da Ficha limpa tira da vida política, por oito anos, os políticos com condenações. Isso deve ser atribuído como algo positivo. Pois poderemos tirar da política, mesmo que temporariamente, aqueles que não agiram da forma mais adequada no exercício do mandato. Daí a importância doa Lei “Ficha Limpa”
(tratado à parte).
Lula mantém reajuste de 7,7% para aposentados
O presidente Lula decidiu manter o reajuste de 7,7% para os aposentados que recebem mais de um salário mínimo e vetar o fim do chamado fator previdenciário. As duas mudanças foram feitas pelo Congresso durante a votação da Medida Provisória 475/09, que previa aumento de 6,14% para as aposentadorias. O anúncio da posição do presidente foi feito pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que defendia o veto de Lula às duas alterações. A decisão ocorreu após reunião de mais de quatro horas com a equipe econômica do governo, além do ministro da Previdência, Carlos Eduardo Gabas, e o líder do governo na Câmara, Cândido Vacarezza. Lula acabou aprovando o reajuste em ano eleitoral.
Sob críticas, relator apresenta proposta de alterações no Código Florestal
O substitutivo do deputado Aldo Rebelo aos projetos que reformam o Código Florestal (Lei 4.771/65) foi duramente criticado em notas técnicas apresentadas pelo PV, PSOL e pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União. O parecer agradou a bancada ruralista, mas recebeu críticas duras dos parlamentares e das entidades ambientalistas. A avaliação dessas entidades é que o texto representa um retrocesso na proteção ambiental. Um dos pontos mais criticados é a ampliação da autonomia dada aos estados para legislar
sobre meio ambiente. O texto do relator delega a estados e municípios a prerrogativa de fixar os limites de Áreas de Preservação Permanente e reservas legais. Aldo Rebelo afirmou que cada estado tem especificidades que devem ser respeitadas. Ainda não é claro o resultado final das votações e muita água pode passar por baixo da ponte. São aprovados no Senado Projetos que criam o Fundo Social do Pré-sal, regime de partilha e
distribuição dos 'royalties' do petróleo O Senado aprovou, na madrugada do dia 10 de junho, o substitutivo do senador Romero Jucá ao projeto de lei do Executivo que cria o Fundo Social do Pré-Sal (PLC 7/10). A matéria - que recebeu 38 votos favoráveis, 31 contrários e uma abstenção - retornará para analise da Câmara, uma vez que os parlamentares também aprovaram emenda do senador Pedro Simon que distribui os royalties do petróleo entre todos os estados e municípios, estabelecendo que a União compensará os estados produtores - Rio de Janeiro e Espírito Santo - pela perda de recursos. A emenda de Simon foi aprovada por 41 votos favoráveis e 28 contrários. O relator da matéria e líder do governo, Romero Jucá, afirmou, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá vetar essa determinação. Também foi aprovada emenda resultante de acordo entre os senadores destinando 50% dos recursos do Fundo Social para a educação pública superior e básica. A emenda determina ainda que, do total, 80% dos recursos precisam ser aplicados na educação básica. O Fundo Social é um
mecanismo de natureza contábil e financeira, vinculado à Presidência da República, com a finalidade de constituir fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, na forma de programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento da educação, da cultura, da saúde pública, da previdência, da ciência e tecnologia, do meio ambiente e de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Comissão da Verdade começará a ser analisada pela Câmara O presidente da Câmara, Michel Temer, determinou a criação de Comissão especial para analisar o Projeto de Lei 7376/10, do Executivo, que cria a Comissão Nacional da Verdade. Os partidos deverão agora indicar os membros. Depois da análise pela comissão, a proposta será votada pelo plenário. A proposta prevê que a Comissão será criada no âmbito da Casa Civil da Presidência da República para esclarecer casos de violação de direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1988 – inclusive a autoria de tortura, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres. O projeto estabelece que a comissão terá sete membros indicados pelo presidente da República e dois anos para produzir um relatório, com conclusões e recomendações, mas sem caráter punitivo.
A Comissão Nacional da Verdade foi proposta na terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos, com o objetivo de promover o direito à memória e à verdade. O programa recomenda a implantação de 521 iniciativas, que exigirão o envio de 27 projetos de lei. A proposta que cria a comissão é o primeiro encaminhado ao Congresso após o lançamento do PNDH-3. Quanto às alterações realizadas pelo Governo Federal no PNDH-3, houve a supressão da ação programática sobre a retirada dos símbolos religiosos de estabelecimentos públicos da União; quanto aos demais temas, retornou-se a formulação do PNDH-2, mantendo-se, assim, a crítica à visão antropológica que perpassa os vários PNDH, realizada na Declaração sobre o tema durante a 48ª Assembleia Geral da CNBB.
Comissão da Câmara aprova Estatuto do Nascituro
A Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara, aprovou o substitutivo ao Projeto de Lei 478/07 da deputada Solange Almeida, dos deputados Luiz Bassuma e Miguel Martini, que cria o Estatuto do Nascituro. O texto define que a vida humana começa já na concepção. Houve acordo na comissão e a relatora ressaltou, em seu substitutivo, que o aborto nos casos de estupro e de risco de vida para a mãe continua legalizado.
A felicidade serve como uma “cola para unir” A felicidade serve como uma cola para unir e, ao mesmo tempo, despertar os direitos sociais previstos na Constituição brasileira. Essa é a análise do senador Cristovam Buarque, ao apresentar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que garante aos brasileiros o direito à busca da felicidade. A PEC é iniciativa do Movimento + Feliz, ao qual já aderiram várias personalidades e artistas. A CNBB, em audiência pública, apresentou uma avaliação crítica da proposta, uma vez que os movimentos sociais não estavam representados na proposição e que a campanha tinha fortes traços de “campanha de marketing”, apresentando-se vazia de objetivos e conteúdo.
Projeto de Lei (PL) para as Religiões
Dispõe sobre as Garantias e Diretrizes fundamentais ao livre exercício da Crença e dos cultos religiosos. Trata-se da negociação feita com os evangélicos por ocasião da votação do Acordo Brasil-
Santa Sé. Este PL já começou truncado, mas foi logo aprovado na Câmara. Está em processo de votação na Comissão de Educação e Cultura do Senado e deverá ainda passar pela Comissão de Assuntos Econômicos e de Constituição e Justiça. Quando discutido pela primeira vez, houve
solicitação de audiências públicas. De fato, só houve uma e não bem sucedida. A questão central: dentro da laicidade do Estado, o legislativo pode ditar leis para as Igrejas? Isto deverá dar grande discussão na Comissão de Constituição e Justiça. Um caso especial: os militares e a Cúria militar em especial estão incomodados com o artigo 9º. - sobre o serviço religioso destinado, igualmente, a todas as denominações religiosas (cf. artigo 9º).
Projetos propostos pela Deputada Luiza Erundina
A CNBB recebeu a visita da Deputada Luiza Erundina, explicitando preocupações do Legislativo e oferecendo sugestões para o trabalho eclesial. Insistia, sobretudo, na importância de três Projetos de Lei:
a) Um Projeto de Lei complementar (n. 93/97), de sua autoria, que estabelece a criação de Segmento Nacional de Finanças Populares e Solidárias, constituído pelo Conselho Nacional de Finanças Populares e Solidárias – CONAFIS e pelos Bancos Populares de Desenvolvimento Solidário – BPDS;
b) Projeto de Lei Complementar, (n. 264/2007), que define objetivos e metas de responsabilidade social. Altera a Lei de Responsabilidade Fiscal para incluir dispositivos que tratam de responsabilidade social;
c) Um Projeto de Lei (n. 174/2009) - Sugestão da Frente Parlamentar pela Reforma Política, com participação popular. Tem como objetivo regulamentar o artigo 14 da Constituição Federal, em matéria de plebiscito, referendo e iniciativa popular e alterar a legislação que dispõe sobre financiamento dos partidos políticos, sobre voto em listas partidárias préordenadas, sobre coligações eleitorais, sobre a instituição de federações partidárias e sobre a fidelidade partidária. Dedução de impostos de renda de quantias doadas às instituições religiosas Tramita na Câmara dos Deputados, na Comissão de Finanças e Tributação, o Projeto de Lei 3543/2008, de autoria do deputado evangélico Eduardo Cunha que estabelece a dedução de impostos de renda de quantias doadas às instituições religiosas, ou seja, o fiel poderá deduzir de imposto de renda os dízimos e ofertas entregues às igrejas. Apesar do aparente benefício ao dizimista, a aprovação dessa proposta, sob o ponto de vista eclesial cria algumas dificuldades do ponto de vista operacional e normativo. Além de tolher a dimensão da mística da gratuidade da oferenda, caso o PL se transforme em lei, as igrejas, as missões e as instituições cristãs deverão inclusive emitir recibos e comprovantes de recebimento de ofertas e dízimos a pedido dos fiéis. Acreditamos que a relação entre igrejas e fiéis
terá uma conotação mais comercial que espiritual.
Estatuto da Igualdade racial
Finalmente, foi votado no Senado o Estatuto de Igualdade Racial. Está agora aguardando ser sancionado pelo Presidente da República. Esteve presente à sessão de aprovação o bispo referência para a Pastoral Afro-Brasileira – Dom João Alves dos Santos, bispo de Paranaguá-PR.
Contribuíram para esta análise:
Pe. Antonio Abreu SJ, Pe. Bernard Lestiene SJ, Pe. Thierry Linard SJ (Ibrades),
Daniel Seidel, Ir. Delci Franzen, Pe. José Ernanne Pinheiro, Paulo Maldos, Éden Magalhães
Profº Msc Daniel Seidel
Universidade Católica de Brasília e CBJP/CNBB

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy: comunidades que lutam por um direito constitucional.

Professor Doutor José Luiz Quadros de Magalhães
Mestre e Doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais

Em Belo Horizonte, MG, nos últimos 2,6 anos três comunidades estão se destacando na luta por um direito constitucional básico: o direito à moradia. Trata-se das Comunidades Camilo Torres (142 famílias) e Irmã Dorothy (130 famílias), no Barreiro; e Dandara (887 famílias), no Céu Azul, região da Nova Pampulha. Ao todo são 1.159 famílias que lutam pelo reconhecimento de claro direito constitucional. São importantes movimentos sociais que ajudam a tornar efetivo o texto constitucional para todas as pessoas.
Segundo dados do IBGE e Fundação João Pinheiro, em Belo Horizonte, hoje, existem aproximadamente 75 mil imóveis ociosos entre terrenos e edificações, contra um déficit habitacional de 55 mil famílias sem-casa. Na região metropolitana da capital mineira há mais de 173 mil famílias sem-casa. A Prefeitura de Belo Horizonte assumiu compromisso de construir apenas 300 moradias por ano e exige respeito a uma fila de quem está cadastrado em Núcleos de Moradia. Segundo dados da Prefeitura de Belo Horizonte existem hoje aproximadamente 13 mil famílias pobres cadastradas em 175 Núcleos de moradia espalhados por toda a capital mineira. Se os sem-casa aguardarem resignadamente na fila, terão que esperar 44 anos para chegar à tão sonhada “Casa Própria”, isto sem falar nas outras 43 mil famílias e nos 177 mil cadastrados, em apenas uma semana, no Programa “Minha casa, minha vida.”
1) Comunidade Camilo Torres
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais acatou dia 05 de novembro de 2009, o recurso da Empresa Vitor Pneus para ordenar o despejo das 142 famílias sem-casa da Comunidade Camilo Torres, localizada Av. Perimetral, 450, Vila Santa Rita, bairro Jatobá, Belo Horizonte, MG. Mais uma equivocada decisão judicial que não considera a necessidade de compreender o sistema jurídico como integral e coerente. Não há opção possível em garantir a propriedade e negar a dignidade humana. A decisão marca uma opção que o sistema jurídico não permite: a especulação imobiliária em prejuízo da função social da propriedade e do direito à moradia.
O cenário do conflito social é um terreno que pertencia ao Estado de Minas Gerais – CODEMIG - e foi transferido a uma pessoa física, dono de uma empresa, em 1992, por um preço 10 vezes inferior ao valor venal do imóvel. Além disso, a venda do terreno foi condicionada, em escritura pública, à realização de empreendimentos industriais na área para geração de empregos, o que jamais foi feito.
Uma decisão de primeira instância reconheceu a inexistência de posse reconhecendo o direito das famílias sem-casa que ocupam a área abandonada. Foi uma importante vitória da justiça constitucional. Entretanto, a decisão foi cassada pelo Tribunal.

2) Comunidade Irmã Dorothy
Em abril de 2010, a Empresa Tram Locação de Equipamentos Ltda e outros particulares ingressaram com uma Ação de Reintegração de Posse em desfavor das famílias que ocupam área na Vila Santa Rita, no Barreiro. Hoje, são 120 famílias ocupando a área, que, originariamente, pertencia ao Distrito Industrial de Minas Gerais. Esta área foi repassada para uma empresa de São João Nepomuceno, com o objetivo de instalar um empreendimento industrial, em vinte meses. Decorridos apenas cinco meses, a mesma empresa repassou o imóvel, como dação em pagamento, para o Banco Rural. Hoje o proprietário é o Banco Rural, com a anuência da CODEMIG. O compromisso de se construir um empreendimento industrial foi completamente esquecido. Posteriormente o Banco Rural prometeu vender o imóvel para a Empresa Tram e outras pessoas. Em seguida, estes prometeram vender o imóvel para a ASACOPR Empreendimentos e Participações S/A, construtora que ingressou com pedido de financiamento para construção de moradia no local, pelo Programa “Minha Casa, Minha Vida”. O pedido foi aprovado. Só falta a aprovação do projeto pela Prefeitura de Belo Horizonte - PBH.
O juiz da 3ª Vara Cível do Forum Regional Barreiro concedeu liminar. Da decisão se interpôs Agravo de Instrumento, ao qual foi conferido efeito suspensivo. Dois meses depois, em prazo recorde, o recurso foi julgado e a ele negado provimento. Foi então proposto Embargo Declaratório.

3) Comunidade Dandara
Dia 9 de abril de 2009 cerca de 140 famílias sem-casa, sem acesso ao direito constitucional à moradia, tomaram posse de imóvel abandonado há quatro décadas, no bairro Céu Azul, região da Nova Pampulha, em Belo Horizonte. Uma vez na posse, realizaram a limpeza de todo o terreno, cercando a área necessária para o assentamento. Isto feito, passaram a morar em barracos de lona enquanto gradualmente providenciavam a construção de moradias. Hoje residem na Comunidade Dandara 887 famílias.
A Construtora Modelo Ltda ingressou com um pedido de reintegração de posse contra integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST -, visando o desalojamento das famílias que ocupam uma área de 400 mil metros quadrados na região de confluência dos municípios de Contagem, Belo Horizonte e Ribeirão das Neves, sendo, inicialmente, concedida uma liminar para que esta reintegração fosse efetivada de plano.
Inconformados com a decisão, o Serviço de Assistência Judiciária da PUC Minas interpôs Agravo de Instrumento. O Exmo. Sr. Desembargador José de Anchieta Mota e Silva, no plantão forense, resolveu então dar ao recurso o efeito suspensivo, determinando o recolhimento do mandado de reintegração de posse já expedido.
No final do mês de maio de 2009, o Exmo. Sr. Desembargador Tarcísio José Martins Costa, relator do Agravo de Instrumento, revogou a decisão proferida pelo Exmo. Sr. Desembargador José de Anchieta Mota e Silva, determinando, por via de conseqüência, o cumprimento da liminar de reintegração de posse deferida em primeiro grau de jurisdição.
Diante desta nova situação foi impetrado Mandado de Segurança contra o ato ilegal, praticado pelo eminente Sr. Desembargador Tarcísio Martins Costa (relator do mencionado Agravo de Instrumento). O eminente Sr. Desembargador Nepomucenno Silva deferiu a liminar e manteve os impetrantes na posse do imóvel.
A corajosa e correta decisão do desembargador reconheceu o direito constitucional das mais de 4 mil pessoas de Dandara que até então tiveram negados os direitos constitucionais mais básicos, e logo, mais importantes, essenciais para a ordem constitucional, como moradia, essencial para a garantia de dignidade, a todos assegurada pela Constituição Federal de 1988.

4) Reflexões constitucionais a partir da realidade exposta acima
As mais de cinco mil pessoas que reivindicam seus direitos constitucionais são detentoras de direitos fundamentais como qualquer outra pessoa e estão integradas à vida da cidade, na execução dos trabalhos rotineiros essenciais para o funcionamento desta, como os serviços de limpeza e construção.
O direito de propriedade da Construtora Modelo Ltda, das Empresas Tram Locação de Equipamentos Ltda e Vitor Pneu Ltda e da Prefeitura de Belo Horizonte – as que requereram na Justiça o direito de reintegração de posse de suas pretensas propriedades ocupadas por famílias carentes - só pode ser compreendido dentro do sistema constitucional. Não há no ordenamento jurídico a possibilidade do intérprete do sistema escolher direitos ou princípios em detrimento de outros. Os direitos constitucionais e infraconstitucionais devem ser compreendidos dentro da lógica sistêmica do ordenamento e sempre diante da complexidade do caso concreto.
Todo o direito à propriedade está sujeito ao cumprimento de sua função social, e nenhum direito à propriedade pode ser considerado superior à vida humana. Não existe no nosso ordenamento jurídico nada que autorize qualquer decisão judicial ou administrativa, qualquer ação de ente público ou pessoa privada que possa comprometer a vida de uma pessoa em razão de direitos sobre imóveis, bens públicos ou privados. Priorizar a propriedade sobre a vida é compreensão que pertence a uma ordem constitucional liberal que há muito deixou de existir, embora alguns ainda insistam em lembrá-la contra todo o ordenamento constitucional e seu sistema de regras, princípios e valores.
As famílias pobres das Comunidades Camilo Torres, Dandara e Irmã Dorothy se instalaram em imóveis abandonados, ou melhor, utilizados para especulação, sem qualquer resistência. Fizeram ocupações no exercício de direito social fundamental. Ora, diante da insensibilidade e omissão dos poderes públicos, diante de situação absurda que beira a total irracionalidade, as famílias que hoje residem nessas comunidades tomaram a iniciativa de exercer direitos: o direito de viver com dignidade, de morar e de alguma forma oferecer para as crianças e idosos que ali se encontram um pouco de esperança em um futuro pautado pela igualdade republicana, fundamento primeiro de nossa Constituição.
Uma determinação de reintegração da área à Construtora Modelo Ltda, às Empresas Tram Locação de Equipamentos Ltda e Vitor Pneu Ltda; e à Prefeitura de Belo Horizonte, fundamentada em interpretação não sistêmica, que ignora a ordem constitucional e se fundamenta exclusivamente na legislação civil, pertence a um passado legalista que não mais encontra abrigo na ordem constitucional democrática de 1988 e que tem como guardião constitucional final o Supremo Tribunal Federal. Aliás, o Supremo Tribunal Federal tem, em diversos momentos, demonstrado como uma ordem democrática e constitucional não se sustenta em interpretações legalistas reducionistas. Não se pode ignorar os direitos (princípios e regras) constitucionais na solução do caso concreto. A vida humana é o valor supremo de nossa ordem constitucional republicana, onde todas as pessoas têm o mesmo valor, têm os mesmos direitos. Isto é básico em nosso ordenamento e a desigualdade e indignidade a que são submetidas estas pessoas salta aos olhos de qualquer pessoa. Não é necessário fazer o curso de Direito para reconhecer que o princípio constitucional republicano não está sendo observado quando se nega o direito a moradia a qualquer pessoa para manter o ilegítimo e inconstitucional ganho com a especulação imobiliária.
A exclusão urbana (assim como qualquer forma de exclusão) é inconstitucional, e logo, qualquer ação, de quem quer que seja, que a sustente ou mantenha, é absolutamente inconstitucional. A segregação espacial, a que estas pessoas estavam submetidas, vem acompanhada de dificuldade de acesso aos equipamentos públicos essenciais disponíveis (saúde, educação, transporte, saneamento básico etc.); relações sociais fragmentadas, falta de acesso ao lazer e desgaste na convivência social marcada por preconceitos e marginalizações.
Lembrando que estamos tratando aqui de respeito ao mínimo de racionalidade pautada pela ordem constitucional, lembramos que a retirada dessas famílias de imóveis abandonados (e com a finalidade de especulação), sem um planejamento da forma como serão absorvidas no meio urbano, criará uma situação insustentável: como admitir alguma racionalidade jurídica, democrática e constitucional no fato de jogar pessoas no meio da rua, à sua própria sorte, para garantir um direito de propriedade ilegítimo, uma vez que se justifica pelo enriquecimento sem trabalho, condenado pela Constituição, por meio da especulação imobiliária.
Não caberia aqui analisar a nossa ordem econômica constitucional, mas a situação se reveste de tal absurdo que sempre é bom lembrar que o nosso sistema econômico constitucional, no artigo 170 e seguintes, opta claramente pelas formas de ganho com o trabalho, condicionando e limitando as formas de ganho sem trabalho. Desta forma, as formas de ganho com o trabalho como o salário e o lucro (este segundo desde que fruto da livre iniciativa e concorrência) são protegidas, e as formas de ganho sem trabalho como os juros, a renda (alugueis, especulação e outras formas) e o lucro sem concorrência são expressamente limitados.
Não é mais possível sustentar que decisões fundamentadas em leituras descontextualizadas, frias, que desconsideram a vida humana ou que tratam as pessoas como se fossem de categorias diferentes (aqueles que podem sofrer muito mais do que nós suportaríamos e aqueles que não podem sofrer nada) continuem existindo em nosso ordenamento jurídico constitucional. A pessoa é o centro de tudo, qualquer pessoa, e nada justifica o seu sofrimento. Quando ainda vemos tratores passando sobre casas e sobre os poucos objetos de uso nestas casas existentes, imaginamos filmes que deveriam retratar um passado não mais existente. Talvez se mudássemos os personagens deste filme e nos colocássemos no lugar daqueles que perdem o quase nada que têm, junto com um resto de esperança atropelada pelo poder, esta questão já estivesse sido resolvida. Ora, muito tempo passou, muita coisa aconteceu, muitas pessoas morreram para que ainda consideremos a hipótese da existência de pessoas sem casa, sem comida, sem dignidade. Não há argumento que possa justificar isto, muito menos os não argumentos processuais formais frios que ignorem o calor dos corpos.
Vamos então desenvolver alguns aspectos anteriormente ressaltados. Como já afirmado, a situação jurídica deve ser compreendida a partir de uma percepção sistêmica da questão. A primeira pergunta que nos colocamos é a seguinte: existe um mau funcionamento do sistema jurídico? Ou podemos colocar em outras palavras: quais são as contradições aparentes de um sistema republicano marcado por sua constante negação quando da criação de privilégios que não encontram abrigo nos princípios do sistema jurídico constitucional?
Vamos explicar melhor esta premissa, entendendo primeiramente conceitos básicos do Direito Constitucional e posteriormente trabalharemos exemplos gerais de nosso sistema, o que faremos pontualmente para tornar claro:
Comecemos por uma afirmação obvia do ponto de vista jurídico, mas que a realidade em que vivemos nem sempre confirma: vivemos em uma república!
O artigo 1° da Constituição Federal de 1988 traz uma série de conceitos importantes que se constituem em princípios estruturantes e fundamentais da República brasileira.
No caput do artigo encontramos menção a República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal que se constituem em um Estado Democrático de Direito. Nos incisos I a V encontramos os princípios fundamentais sobre os quais se estrutura nossa República: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Finalmente, no parágrafo único, o texto constitucional nos remete à democracia representativa e a democracia direta como fundamento da vontade do poder organizado pela Constituição.
Importante lembrar que princípios são normas jurídicas de observância obrigatória e que devem ser interpretados diante dos casos concretos para ganharem densidade e se desdobrarem em regras para o caso que permitam resolver conflitos e garantir os direitos das pessoas.
Devemos nos lembrar que, quando buscamos regras aplicáveis a uma situação especifica, estas regras devem ser interpretadas para a construção da norma, juntamente com os princípios.
Os princípios, por sua maior amplitude regulatória, se aplicam ao maior numero de situações possíveis. Uma diferença importante entre princípios e regras é o fato de que as regras regulam uma situação especifica enquanto os princípios regulam diversas situações.
Não é possível que duas regras regulem a mesma situação de forma distinta, uma deve desaparecer. Já os princípios regulam e protegem simultaneamente um grande numero de situações e caso haja conflito, este só ocorre no caso concreto, onde então, um (ou alguns) dos princípios em conflito, deverá ter sua aplicação afastada, especificamente, naquele caso onde ocorreu o conflito, sendo válido e aplicável em todas as outras situações onde não ocorra conflito semelhante.
Finalmente, lembremos que, caso alguma regra constitucional entre em conflito com os princípios constitucionais em um caso concreto, a regra deve ceder espaço à aplicação do princípio.
Estamos, portanto, neste artigo 1°, diante de normas constitucionais fundamentais de nosso ordenamento jurídico.
Passemos então a análise sistêmica destes significados que recebem historicamente significantes distintos. Aqui nos interessa sua compreensão contemporânea, democraticamente construída pelo povo, titular da soberania.
República: No passado a palavra República significou uma forma de governo contraposta à Monarquia. Desta forma a República seria uma forma de governo do povo, onde este participaria do governo diretamente ou por meio de representantes, enquanto na Monarquia, haveria o governo de um só, fundado nos privilégios hereditários e numa fundamentação artificial do poder do soberano na vontade divina.
A ideia de República se contrapondo à monarquia, como sendo uma forma de estado onde o governo (unipessoal e ou colegiado) é escolhido pelo povo se refere ao conceito moderno. Importante lembrar que o significado da palavra república mudou muito no decorrer da história.
A ideia de coisa pública e de igualdade é essencial ao conceito de República. A República é um espaço onde não há privilégios hereditários ou qualquer outro. República, portanto, é um espaço de igualdade perante a lei. Ser republicano é reconhecer a coisa pública, os bens públicos, o patrimônio histórico, artístico e cultural como pertencente igualmente a cada pessoa e a todas as pessoas simultaneamente. Em uma República não se admite privilégios, de nenhuma espécie, seja por razão de sobrenome, de riqueza, de conhecimento, cargo, posição profissional ou qualquer outra diferenciação.
Em uma República a pessoa é reconhecida como portadora de direitos iguais seja qual for sua posição. Uma ilustração interessante da ideia republicana na contemporaneidade está na não aceitação de entradas especiais; “carteiradas”; filas furadas; salas especiais; clientes especiais de acordo com a conta bancária; espaços reservados para quem use ternos e gravatas ou prisão especial para quem tem curso superior. Uma coisa é tratar de forma diferente situações diferentes buscando a igualdade, outra coisa é agravar a diferença injustamente, com a criação de privilégios.
Falar-se então em República no Brasil vai além de uma simples ideia de uma forma de governo do povo, isto é reiterado pelo conceito de Estado Democrático e Social de Direito. República, além do povo no poder, significa dizer que este povo no poder não pode aceitar ou criar privilégios de nenhuma natureza. Cada um, mesmo que seja minoria, mesmo que seja o único, tem direitos iguais perante a lei. Tem direito de ser reconhecido como integrante da República e, portanto, como construtor do caminho coletivo da vontade estatal.
Cidadania: O conceito contemporâneo de cidadania se estendeu em direção a uma perspectiva sistêmica onde cidadão não é apenas aquele que vota, mas aquela pessoa que tem meios para exercer o voto de forma consciente e participativa. Portanto cidadania é a condição de acesso aos direitos sociais (educação, saúde, moradia, previdência) e econômicos (salário justo, emprego) que permite que o cidadão possa desenvolver todas as suas potencialidades, incluindo a de participar de forma ativa, organizada e consciente, da construção da vida coletiva no Estado democrático.
Em sentido estrito, cidadania é a condição formal de participação na construção da vontade do Estado democrático, por meio do voto. A Constituição brasileira proclama o sufrágio universal e o voto direto e secreto com igual valor para todos.
A teoria da indivisibilidade dos direitos fundamentais foi responsável pela ampliação do conceito de cidadania. Pela teoria da Indivisibilidade, os direitos políticos são dependentes dos outros direitos fundamentais da pessoa humana. Para que tenhamos democracia política e exercício de cidadania política é necessário que as pessoas tenham acesso aos meios para a efetivação da liberdade. Os direitos sociais e econômicos são meios que possibilitam o efetivo exercício das liberdades individuais e políticas.
Para que se efetive a democracia política é necessária a democracia social e econômica e o respeito aos direitos de liberdade. Nesta perspectiva, a democracia participativa, institucionalizada ou não, passa a ser elemento de aperfeiçoamento da democracia representativa.
Dependem os direitos políticos de direitos econômicos, mais precisamente, de normas do Estado que concretizem uma política econômica que busque a democracia econômica, sem a qual a democracia política e a cidadania estarão comprometidas.
A democracia representativa e participativa deve ser amparada no direito social à educação livre e plural e o acesso à cultura, como forma do exercício real da liberdade de consciência. Da mesma forma a democracia econômica pode permitir a democratização dos meios de comunicação social. Enfim, a indivisibilidade dos direitos fundamentais reconhece a complexidade do sistema de direitos, ultrapassando o discurso constitucional clássico referente à cidadania política estrito senso, em direção a efetividade democrática de uma democracia dialógica em permanente processo de transformação e conquista de direitos.
Dignidade da pessoa humana: Outro conceito amplo e complexo é o de dignidade da pessoa humana. A dignidade com sua necessária compreensão histórica é condição primeira para a existência de cidadãos em uma república.
A historicidade do conceito é seu elemento fundamental: dignidade é um conjunto de condições sociais, econômicas, culturais e políticas que permitem que cada pessoa possa exercer seus direitos com liberdade e esclarecimento consciente, em meio a um ambiente de respeito e efetividade dos direitos individuais, sociais, políticos e econômicos de todos e cada uma das pessoas.
A historicidade é fundamental neste conceito uma vez que é a sua compreensão dentro de uma cultura específica que gera o sentimento de bem-estar e segurança social típico de uma situação de respeito aos direitos de todos. As necessidades de uma cultura, em um tempo e em um espaço específicos, são e podem ser muito diferentes.
Kant formulou o segundo imperativo categórico como exigência do “princípio da dignidade humana”: “Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio”. Para Kant toda pessoa, todo ser racional possui um valor intrínseco não relativo que é a dignidade.
Podemos compreender a ideia de dignidade na Constituição, buscando a vinculação da ideia moral desenvolvida pelos filósofos, com a existência de condições materiais que permitam florescer a cultura humana, e onde o respeito encontrado pela vida de cada um permita o cultivo do respeito da vida do outro. É a existência efetiva do respeito aos direitos sociais, econômicos, individuais, políticos e culturais de cada pessoa, de cada grupo social, de cada comunidade, que permitirá que se construa em cada um desses espaços uma cultura de respeito humano. Onde há exclusão, exploração e miséria não é possível respeito mútuo, pois não há dignidade na injustiça.
Uma questão importante nos chama a atenção. Por qual razão toleramos a falta de dignidade? O filósofo francês Alain Badiou nos ajuda nesta reflexão. A construção dos significados que escondem complexidades e diversidades é o tema do livro de Alain Badiou, La portée du mot juif . Cita o autor um episódio ocorrido na França há algum tempo atrás. O primeiro-ministro Raymond Barre, comentando um atentado a uma sinagoga, disse para a imprensa francesa o fato de que morreram judeus que estavam dentro da sinagoga e franceses inocentes que passavam na rua quando a bomba explodiu. Qual o significado da palavra judeu que agiu de maneira indisfarçável na fala do primeiro-ministro? A palavra “judeu” escondeu toda a diversidade histórica, pessoal do grupo de pessoas que são chamadas por este nome. A nomeação é um mecanismo de simplificação e de geração de preconceitos que facilita a manipulação e a dominação. A estratégia de nomear facilita a dominação.
Uma lição importante que se pode tirar da questão judaica, da questão palestina, do nazismo e outros nomes que lembram massacres ilimitados de pessoas, é a de que, toda introdução enfática de predicados comunitários no campo ideológico, político ou estatal, seja de criminalização (como nazistas e fascistas) seja de sacrifício (como cristãos no passado) é simplificadora e perigosa.
Combater as nomeações, a sacralização de determinados nomes, significa defender a democracia, o pluralismo, significa o reconhecimento de um sujeito que não ignora os particularismos, mas que ultrapassa este; que não tenha privilégios e que não interiorize nenhuma tentativa de sacralizar os nomes comunitários, religiosos ou nacionais.
Badiou dedica o seu livro a uma pluralidade irredutível de nomes próprios, o único real que se pode opor a ditadura dos predicados, responsável por convivermos com a miséria, a fome, a violência, enfim, com a indignidade.
A introdução do tema identidade e identificação com grupos, religiões, estados, partidos, ideias, é importante para compreendermos as várias formas de segregação, sempre irracional. A exclusão surge com a anulação do sujeito livre, com a anulação do nome próprio substituído por um nome coletivo.
Um mundo onde a pessoa seja vista sempre como pessoa, em toda sua complexidade e singularidade, sejam quais forem suas identificações ou identidades, este é o mundo onde a paz e a justiça serão possíveis e logo onde a dignidade será uma exigência. Se vemos no outro um igual, seja qual for sua identificação coletiva, se vemos no outro uma pessoa, a indignidade não será mais tolerada.
Isto posto podemos citar inúmeros exemplos de incorreto funcionamento do sistema. Impressionante como muitas vezes as instituições criadas pela Constituição funcionam à margem do sistema constitucional ou mesmo contra o sistema constitucional.
Exemplo 1: Nosso sistema tributário claramente beneficia um grupo social em prejuízo de outros grupos sociais. São incontáveis os casos de endividamento pessoal grave quando um cidadão de classe média não paga seus impostos. Ao contrário, quando uma grande empresa não paga milhões é recorrente o perdão ou a negociação da dívida. No mesmo sistema tributário, percentualmente é claro o beneficio a quem mais ganha enquanto quem menos ganha compromete parcelas maiores de seus ganhos com o pagamento de tributos. A República não está presente no nosso sistema Tributário.
Exemplo 2: O sistema penal pune rigorosamente os pobres que são sistematicamente presos e esquecidos nas penitenciárias, enquanto a corrupção, a sonegação fiscal e vários outros tipos de crimes cometidos por pessoas ricas ficam, na maior parte das vezes, sem punição. Interessante lembrar o caso do banqueiro Daniel Dantas que foi liberado por uma liminar algumas horas depois de sua prisão, enquanto no mesmo momento uma jovem se encontrava presa há mais de sete meses por ter furtado uma barra de manteiga. A República não se encontra presente em nosso sistema penal. O encarceramento em massa de pessoas pobres, a criminalização dos pobres e dos movimentos sociais populares se contrapõe a tolerância gigantesca com os grandes crimes, cometidos por pessoas ricas. Isto mostra que a prática do sistema diferencia, ao menos, duas grandes categorias de pessoas: aquelas que podem ser privadas de direitos, que podem ser humilhadas, esquecidas, desconsideradas, torturadas, e aquelas pessoas que têm efetivamente direito a ordem constitucional e mais ainda, à tolerância do sistema para além da ordem constitucional, em um sistema de privilégios não sustentado pela mesma Constituição formalmente republicana.
Exemplo 3: Pequenos empresários se não pagarem direitos trabalhistas podem ir à falência. Grandes empresários não pagam direitos trabalhistas, fazendo um cálculo contábil onde o não cumprimento da lei pode lhes ser favorável.
Citei 3 exemplos comuns e claramente visíveis, mas poderia aqui continuar enumerando muitos outros exemplos que se agravam à medida que a diferença econômica aumenta. Lembrando o filósofo e psicanalista francês Alain Badiou, temos no mínimo duas grandes categorias de pessoas: aquelas protegidas pelo sistema jurídico, social e econômico, para além da proteção constitucional republicana e aquelas ignoradas pelo sistema jurídico, social e econômico, para as quais dificilmente se garantem os direitos constitucionais republicanos.
Lembrando ainda Badiou, a nomeação na terceira pessoa é um passo para o genocídio. Quando dizemos nós e eles, o grupo nomeado por “eles” está a um passo de ser exterminado. Isto nos aproxima de um nazista como Eichmann (um dos carrascos nazistas), por exemplo. O sistema nós-eles pode ser caracterizado por diversas equações: nós os arianos X eles os judeus (como na segunda-guerra mundial); nós os Utus X eles os Tutsis (como no genocídio em Ruanda); nós os bons X eles os baderneiros; nós os empreendedores X eles os preguiçosos; nós os proprietários X eles os invasores (na exclusão diária que revela em muitos um pouco de Eichmann que está em muitos de nós). Isto me faz lembrar uma notícia em um jornal de Bairro em Belo Horizonte: “MENOR AGRIDE ADOLESCENTE” (nós os adolescentes X eles os menores).
Processo e Justiça: O processo pode ser utilizado contra a sua finalidade, ou seja, promover a justiça? A resposta deveria ser obvia: claro que não. Entretanto não é isto que ocorre, inclusive no caso em tela, o julgamento do mandado de segurança que por meio de uma liminar, garantia o direito das pessoas que residem em Dandara.
O processo é um meio fundamental para a garantia de direitos e jamais um fim em si mesmo. Se regras ou princípios processuais entram em choque com direitos protegidos em um caso concreto, não há dúvida que prevalecem os direitos fundamentais que não podem ser comprometidos. Não cabe no decorrer de um processo judicial, a discussão de procedimentos de forma separada do direito a ser protegido. Esta descontextualização é cômoda quando não se quer enfrentar a questão central, mas não encontra fundamento lógico-racional no direito processual.
Não há aqui uma conclusão a ser feita, o texto é uma grande conclusão: nada justifica o sofrimento imposto a uma pessoa, nem a forma, nem o procedimento, nem qualquer outra explicação que se queira construir fundada em uma construção retórica. Qualquer solução para o caso concreto, em qualquer caso concreto, passa necessariamente pela preservação da dignidade de qualquer pessoa. O essencial é sempre simples.

Belo Horizonte, 22 de junho de 2010.
José Luiz Quadros de Magalhães – e-m