quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Exma. Sra. Procuradora da República dos Direitos Humanos em Minas Gerais

ZENILDA ALMEIDA DE ANDRADE, BRASILEIRA, SOLTEIRA, DESEMPREGADA, RESIDENTE E DOMICILIADA NA Rua Córrego Capão da Posse, n.22, Vila Santa Rita, Vale Jatobá, Belo Horizonte - MG representante dos moradores da Comunidade Irmã Dorothy, situada à Vila Santa Rita em Belo Horizonte - MG , vem, respeitosamente, por meio desta REPRESENTAÇÃO, relatar os seguintes fatos que ensejam a atuação do Ministério Público Federal:


1. BREVE RELATO DOS FATOS

A Comunidade Irmã Dorothy é um aglomerado urbano que se encontra localizado no endereço supracitado e abriga o equivalente a mais de cem famílias que ali cumprem a função social da propriedade conferindo-lhe finalidade social em seu usu.
Tais famílias foram paulatinamente adentrando ao espaço físico em questão na medida de assegurarem moradia que não as ruas da cidade de Belo Horizonte.
A posse que detém a grande maioria dos moradores configura a dita posse velha, ou seja, aquela que se dá por tempo superior ao de um ano e dia, sendo que do início de tal empreendimento o local já se encontrava em condições nítidas de abandono.
A função social que as mais de cem famílias ali exercem diz respeito a todo o empenho que foi empregado na construção, às claras, de seus lares, de forma árdua e significativa, além de sua conservação. Tal fato justifica a intervenção Estatal no intuito de proteção destes que aqui se apresentam, e de todos aqueles que constituem o conglomerado urbano Camilo Torres, comunidade vizinha à da comunidade Irmã Dorothy.
Deve-se ressaltar o caráter pacífico da ocupação relatada tendo em vista sua não ilegalidade e a constituição tranqüila da posse exercida pelos habitantes até o presente momento.
O que anda a abrolhar essas famílias tão humildes é o infortúnio da insegurança de perda da posse do local em que vivem, finalmente, diante de condições que não lhe forma possibilitadas de forma diversa. Tal medo reside no acatamento liminar de Reintegração de Posse solicitada pelos representantes da TRAM LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS LTDA e outros, como consta em decisão anexada.
Após ajuizarem uma Ação de Reintegração de Posse em desfavor de LACERDA DOS SANTOS E Outros, os representantes da empresa supra mencionada obtiveram deferimento ao requerimento de concessão de liminar initio litis por parte do MM. juiz da 3ªᵃ Vara Cível do Fórum Regional do Barreiro, da Comarca de Belo Horizonte.
Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, foi interposto no intuito de proteger todos estes indivíduos que ali vivem e necessitam de tal espaço para sua melhor sobrevivência, além da necessidade de se proteger interesses pátrios constitucionais de moradia. Ao recurso foi negado provimento em prazo recorde, como consta em apenso..
Embargos Declaratórios foram propostos, mais uma vez na tentativa de salvaguardar interesses sociais e constitucionais. Nem mesmo estes Embargos foram apreciados pelo e. TJMG e o juiz primevo já determinou a expedição de mandado reintegratório de posse em desfavor daquelas famílias.

2. Da irregular transferência do patrimônio publico para particulares

Depreende-se da leitura da Certidão de Registro expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis, em anexo, que o imóvel objeto da demanda pertencia ao Estado de Minas Gerais.

Em dezembro de 2001 a CDI-MG – Companhia de Distritos Industriais de Minas Gerais celebrou contrato com a empresa PARR PARTICIPAÇÕES LTDA, com sede em São João Nepomuceno, pelo qual o imóvel constituído pelo lote 26 – vinte e seis – do quarteirão 155 – cento e cinqüenta e cinco – do Bairro Jatobá – Distrito Industrial seria transferido para referida empresa, SOB A CONDIÇÃO DE, NO PRAZO DE VINTE MESES, SER REALIZADO NO LOCAL UM empreendimento industrial, gerando empregos na região.

Chama a atenção o fato de uma obscura empresa do interior do Estado ter celebrado este contrato. À época o famoso publicitário Marcos Valério mantinha estreitos laços com o Banco Rural e com o então governador do Estado, ocasião em que operava no rumoroso caso do que se convencionou chamar de Mensalão Mineiro, comandado pelo então governador Azeredo, conforme denunciado pelo Ministério Público Federal junto ao STF.

Exatos cinco meses após a celebração do referido contrato a empresa PARR Participações Ltda, contando com a anuência da CDI-MG, transfere o imóvel para o Banco Rural S/A, como dação em pagamento.

Da CDI (atual CODEMIG – Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais), dita empresa adquiriu o imóvel pelo valor de R$ 121.000,00 e o repassou para o Banco Rural, cinco meses depois, por R$ 600.000,00. Mais do que 500% acima do valor pelo qual o Estado, por meio da CDI, repassou o imóvel ao particular.

O encargo da implantação de um empreendimento industrial na área, outrora pública, foi remetido ao esquecimento. Assim, matreira e astutamente, um BEM PÚBLICO é transferido para o particular, sem que a sua destinação seja alcançada.

Transcorridos os vinte meses estabelecidos na cláusula nada foi feito no local, e os anos se passaram desde então sem que fosse dada nenhuma destinação ao imóvel.
Seis anos depois, sem que o encargo tenha sido cumprido, a mencionada CODEMIG, sucessora da CDI, permaneceu inerte. Nada fez para reverter ao patrimônio público o imóvel em questão.

Pois bem, embora assentado em explícita ilegalidade, o Banco Rural S/A celebra, em 2007, o tal Contrato Particular de Compra e Venda com a empresa TRAMMM LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS LTDA e outras pessoas físicas,, pelo valor de R$ 180.000,00.

Três anos se passaram sem que sequer a Escritura de Compra e Venda tenha sido providenciada.

Se a documentação indispensável para a consecução dos objetivos da transação comercial não foi providenciada, como sustentar que qualquer ato que pudesse caracterizar a posse da empresa foi realizado?

O imóvel, por mais de dez anos, restou em completo abandono. O local servia unicamente para bota-fora de resíduos sólidos, como bem demonstram as fotos em anexo.

Em fevereiro de 2010, a empresa Tram e outras pessoas físicas, sem que proprietários fossem do imóvel, celebram Contrato de Promessa de Compra e Venda com ASACORP EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇOES S/A, pelo valor de R$ 580.000,00. Também esta nova empresa sequer uma estaca implanta no local. O terreno continua, em parte sendo depósito de entulhos. Em outra parte, passou a abrigar famílias que ali se foram se instalando como extensão da comunidade Camilo Torres. A esta extensão da comunidade se passou a chamar Comunidade Irmã Dorothy.

É neste contexto que famílias sem-casa, vivendo na região em condições de miserabilidade, pouco a pouco foram ocupando as vastas áreas abandonadas no que outrora se chamava Distrito Industrial de Belo Horizonte. Assim que se formou a Comunidade Camilo Torres, cuja área de ocupação tem vários anos e abrange, inclusive, a área pleiteada pelos autores da ação de reintegração de posse em anexo.

3. Da estranha aprovação de Projeto pela Caixa Econômica Federal

Em 28/07/2009 os Autores da Ação de Reintegração de Posse retromencionada firmaram Termo de Opção de Compra e Outras Avencas com a ASA CORP Empreendimenntos e Participações S/A, visando a aquisição do terreno e a implantação, no local, um Empreendimennto do Minha Casa, Minha Vida, programa financiado pelo Governo Federal.
De posse de um questionável Contrato de Promessa de Compra e Venda celebrado com referidos Autores, ASA CORP ingressa com um Projeto de Financiamento de construção de unidades habitacionais pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, junto à Caixa Econômica Federal.
Documento expedido pela CEF dá conta que “de acordo com os valores e parâmetros apresentados pela empresa, o empreendimennto descrito abaixo, se enquadra no Programa do Governo Federal MINHA CASA, MINHA VIDA.
O Residencial Vila Pinho, será composto de 300 unidades de dois quartos, sem suíte – 42,58 metros quadrados (valor de R$ 63.870,00). Situado no endereço Rua Córrego do Capão da Posse, Bairro Jatobá, Belo Horizonte- MG”.
De se concluir que, malgrado não seja ASA CORP proprietária do imóvel, a CEF considera que o Projeto por ela apresentado se enquadra no Programa Minha Casa, Minha Vida.
A irregular transferência do patrimônio público para particulares está sendo investigada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, através da Promotoria do Patrimônio Público.
Urge que o Ministério Público Federal apure a legalidade do financiamento de tal Projeto por parte da CEF, com a anuência do Município de Belo Horizonte, vez que recursos federais estarão envolvidos no empreendimento.


3. CONCLUSÃO

A comunidade Irmã Dorothy se encontra na iminência de ser desalojada por determinação judicial. A medida atende pleito de empresa que se quer proprietária legal é do imóvel. Imóvel este, ao qual é reclamada posse absurdamente baseada em CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA, realizado entre o Bando Rural S/A e a empresa TRAM LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS LTDA. Nosso ordenamento não permite a posse ficta, como se apresenta ao caso. Esta deve ser exercida de fato para que possa ser reclamada.
A toda evidência o patrimônio público foi cedido a empresários inescrupulosos, em prejuízo da sociedade. O interesse público e a lei foram escancaradamente violados. Além do que se pretende, com a cumplicidade da Administração Municipal, se angariar recursos federais para um empreendimennto que vai desalojar mais de uma centena de famílias de seus lares.

Por esta razão, é a presente, para requerer:
Em caráter emergencial, a intervenção do Ministério Público junto ao juízo da 3ª Vara Cível do Fórum Regional do Barreiro,no processo que tramita sob o número 0056753-09.2010.8.13.0024 para que qualquer mandado de reintegração de posse seja suspenso, relativamente à área em questão, até que se apure a legalidade da transferência do bem público
2. Que se instaure procedimento para se apurar os trâmites de Projeto apresentado por ASA CORP junto à Caixa Econômica Federal e ao Município de Belo Horizonte, visando a construção, no local acima identificado, de um conjunto habitacional de 300 unidades, a ser financiado pelo Programa Federal Minha Casa, Minha Vida, a fim de se apurar a possibilidade de irregularidades e ilegalidades ali presentes.



Belo Horizonte, 28 de agosto de 2010.



Zenilda Almeida de Andrade.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Congresso absolve MST
Frei Betto
Correio Braziliense, Sexta-feira, 30 de julho de 2010,k p. 15.


O MST jamais desviou dinheiro público para realizar ocupações de terra — eis a conclusão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito(CPMI), integrada por deputados federais e senadores, instaurada para apurar se havia fundamento nas acusações, orquestradas pelos senhores do latifúndio, de que os movimentos comprometidos com a reforma agrária se apoderaram de recursos oficiais.

Em oito meses, foram convocadas 13 audiências públicas. As contas de dezenas de cooperativas de agricultores e associações de apoio à reforma agrária foram exaustivamente vasculhadas. Nada foi apurado. Segundo o relator, o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), “foi uma CPMI desnecessária”.

Não tão desnecessária assim, pois provou, oficialmente, que as denúncias da bancada ruralista no Congresso são infundadas. E constatou-se que entidades e movimentos voltados à reforma fundiária desenvolvem sério trabalho de aperfeiçoamento da agricultura familiar e qualificação técnica dos agricultores.

O que os denunciantes buscavam era reaquecer a velha política — descartada pelo governo Lula — de criminalizar os movimentos sociais brasileiros. Esse tipo de terrorismo tupiniquim a história de nosso país conhece bem: Monteiro Lobato foi preso por propagar que havia petróleo no Brasil (o que prejudicou os interesses norte-americanos); foram chamados de comunistas os que defendiam a criação da Petrobras; e, de terroristas, os que lutavam contra a ditadura e pela redemocratização do país.

A comissão parlamentar significou, para quem insistiu em instaurá-la, um tiro saído pela culatra. Ficou claro para deputados e senadores bem intencionados que é preciso votar, o quanto antes, o projeto de lei que prevê a desapropriação de propriedades rurais que utilizam trabalho escravo em suas terras. E resolver, o quanto antes, a questão dos índices de produtividade da terra.

A investigação trouxe à luz não a suposta bandidagem do MST e congêneres, como acusavam os senhores do latifúndio, e sim a importância desses movimentos no atendimento à população sem terra. Eles cuidam da organização de acampamentos e assentamentos e, assim, evitam a migração que reforça, nas cidades, o cinturão de favelas e o contingente de famílias e pessoas desamparadas, sujeitas ao trabalho informal, ao alcoolismo, às drogas, à criminalidade.

Segundo Jilmar Tatto, os inimigos da reforma agrária “fizeram toda uma carga, um discurso muito raivoso, colocaram dúvidas em relação ao desvio de recursos públicos e perceberam que a montanha tinha parido um rato. Porque não havia desvio nenhum. As entidades e o governo abriram todas as suas contas. Foram transparentes e, em nenhum momento, conseguiu-se identificar um centavo de desvio de recurso público. Foram desmoralizados (os denunciantes), e resolveram se ausentar dos trabalhos da CPMI. (...) Foi um trabalho produtivo, no sentido de deixar claro que não houve desvio de recurso público para fazer ocupação de terras no Brasil. O que houve foi a oposição fazendo uma carga muito grande contra o governo e o MST”.

Os parlamentares sensíveis à questão social no Brasil se convenceram, graças ao trabalho da comissão, de que é preciso aumentar os recursos para a agricultura familiar; garantir que a legislação trabalhista seja aplicada na zona rural; e incentivar sempre mais os plantios alternativos e os alimentos orgânicos, sobre cuja qualidade nutricional não paira a desconfiança que pesa sobre os transgênicos. E, sobretudo, intensificar a reforma agrária no país, desapropriando, como exige a Constituição, as terras improdutivas.

Dados recentes mostram que, no Brasil, se ocupam 3 milhões de hectares com a lavoura de arroz e 4,3 milhões com feijão. Segundo o geógrafo Ricardo Alvarez, se compararmos com os 851 milhões de hectares que formam este colosso chamado Brasil veremos que as cifras são raquíticas. Apenas 0,85% do território nacional está ocupado com o cereal e a leguminosa. Um aumento de apenas 20% na área plantada significaria passar de 7,3 para 8,7 milhões de hectares, com forte impacto na alimentação do povo brasileiro.

Para Alvarez, o aumento da produção levaria à queda de preços, ruim para o produtor, bom para os consumidores. Caberia, então, ao governo implantar uma política de ampliação da produção de alimentos, garantir preços mínimos, forçar a ocupação da terra, combater o latifúndio, gerar empregos no campo e atacar a fome. Ação muito mais eficiente, graças aos 20% de acréscimo na área plantada, do que o assistencialismo alimentar.

O latifúndio ocupa, hoje, mais de 20 milhões de hectares com soja. No início dos anos 1990, o número beirava os 11,5 milhões. A cana-de-açúcar foi de 4,2 para 6,5 milhões de hectares no mesmo período. Arroz e feijão sofreram redução da área plantada. Hoje o brasileiro consome mais massas do que a tradicional combinação de arroz e feijão, de grande valor nutritivo.

Alvarez conclui: “Não faltam terras no Brasil, faltam políticas de distribuição delas. Não faltam empregos, falta vontade de enfrentar a terra improdutiva. Não falta comida, falta direcionar a produção para atender as necessidades básicas de nossa população”.

domingo, 1 de agosto de 2010

Ministro Marcio Fortes e secretários recebem MTST
20/07/2010
Integrantes do movimento devem ser atendidos pelo Minha casa, Minha Vida


Foto: Rodrigo Nunes/MCidades
O ministro das Cidades, Marcio Fortes, e os secretários nacionais de Habitação, Inês Magalhães, e de Programas Urbanos, Celso Carvalho, se reuniram com representantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) na tarde desta terça-feira (20), na sede do Ministério das Cidades. Eles reivindicam moradia para cerca de 600 famílias retiradas de terreno que ocupavam na cidade de Brazlândia, a 50 quilômetros de Brasília, na manhã desta terça-feira (20). "A solução para a necessidade dessas famílias será um presente pelos cinco anos completados no Ministério, nesta quinta-feira", adiantou Marcio Fortes.

Clique aqui para acessar as fotos da reunião.

Ficou acertado que o Ministério vai convidar para reunião representantes do MTST, da Terracap e da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), que administra terrenos e imóveis da União. “Esperamos nos reunir até o fim da semana”, afirmou o secretário Celso. O objetivo é identificar terrenos onde seja possível construir moradias pelo Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Outra reunião será realizada com a presença de representantes da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab) para examinar a melhor maneira de implantar o projeto habitacional, dentro das modalidades do MCMV. “Nas metas do programa, há disponibilidade de moradias para se construir no Distrito Federal”, adiantou a secretária Inês. Representantes do MTST se comprometeram a identificar entidades cadastradas na modalidade MCMV-Entidades para construir no Distrito Federal.

Segundo Guilherme Castro, dirigente do MTST, as famílias haviam participado de ocupação em Brazlândia, por encontrarem dificuldades de pagar aluguel, por morar em áreas de risco ou “de favor”, em casa de amigos e parentes. “Nós fomos até a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), proprietária do terreno, buscar solução, mas nos informaram que parte do terreno era da União. Precisamos de atendimento habitacional em caráter emergencial, por isso viemos ao MCidades”, afirmou Castro.

A Coordenação de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos, da Secretaria Nacional de Programas Urbanos (SNPU), ficou responsável por representar o Ministério das Cidades junto com a Secretaria Nacional de Habitação.


Ministério das Cidades
Assessoria de Comunicação
O CLAMOR DAS OCUPAÇÕES DE BELO HORIZONTE CHEGA A ONU.

O grito das 1.159 famílias das Comunidades-ocupações Dandara, Irmã Dorothy e Camilo Torres chega a ONU.
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro

No dia 14 de julho de 2010, na Assembléia Legislativa de Minas Gerais – ALMG -, a Comissão de Direitos Humanos promoveu mais uma audiência pública para discutir a expedição de mandado de reintegração de posse em desfavor das 1.159 famílias que vivem nas comunidades-ocupações Dandara (no Céu Azul, em Belo Horizonte, MG), Irmã Dorothy e Camilo Torres (ambas, no Barreiro, na capital mineira).



Participou desta audiência um significativo número de apoiadores da luta destas famílias e também um número expressivo de autoridades, tais como o Procurador Geral do município de Belo Horizonte, Marco Antônio, enviado pelo prefeito Márcio Lacerda; o Secretário de Políticas Urbanas, Murilo Valadares; o presidente da URBEL, Claudius Vinicius; o Secretário de Habitação, Carlos Medeiros; o Administrador da Regional Pampulha (PBH) e outros servidores do Município. O Estado de Minas Gerais estava representado pelo Secretário de Estado para Desenvolvimento Regional e Urbano, Sebastião Navarro, e seu Secretário Adjunto.

Ao lado, crianças das comunidades Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy nas escadarias da ALMG, no momento da Audiência na Comissão de Direitos Humanos. Só na Camilo Torres, em 2,6 anos de luta, nasceram 35 crianças. Nas três comunidades, entre as 5 mil pessoas ameaçadas de despejo há mais de 1.500 crianças que clamam pelo direito de viver com dignidade.

Quando da participação do Procurador Geral do município de Belo Horizonte na audiência pública, esse se limitou a protestar em nome do prefeito Márcio Lacerda contra uma carta que o prefeito recebeu da UNANIMA, ONG ligada à ONU, composta por congregações religiosas femininas e coordenada pelas irmãs Carmelitas de Vedruna. Segundo Marco Antônio, o prefeito Márcio Lacerda teria ficado muito indignado ao receber a carta de uma ONG de freiras de diversas congregações religiosas que atua na ONU. A pedido do deputado Durval Ângelo, Presidente da Comissão de Direitos Humanos, a carta então foi lida pelo procurador do município. Eis, abaixo, a carta:

“Ilmo. Sr. Márcio Lacerda
Prefeito de Belo Horizonte – MG
Moradia, direito humano, direito de todo o povo!

Somos da UNANIMA Internacional, coalizão de congregações de irmãs Católicas Apostólicas Romanas comprometidas a trabalhar pela paz e pela dignidade humana em resposta às necessidades de nosso mundo mediante o serviço a nossos membros na Organização das Nações Unidas – ONU – e em outras ONGs por meio da colaboração, da educação e da ação.
Recebemos a grave notícia de que a Prefeitura do Município de Belo Horizonte tem se negado a receber uma Comissão das Ocupações/Comunidades Camilo Torres, Dandara e Irmã Dorothy para diálogo e negociação das reivindicações que estas Comunidades apresentam, no seu justo direito à moradia. E não bastasse isso, também tem tratado seu movimento e luta como caso de polícia, investindo contra mulheres, crianças e idosos, tropas de choque, cães policiais além de outras formas injustas e desumanas. A Polícia Militar tem agido com truculência e abuso de poder, dificultando o direito de manifestação exercido pelas ocupações através das marchas realizadas pelos moradores das referidas ocupações quando, ocuparam a praça central da cidade (Praça 7 de setembro), de 11 a 14 de maio de 2010. Os militares agiram com truculência e violência impedindo o povo de dormir, e fizeram uso de palavras e expressões violentas contra o povo que pacificamente reivindicava o diálogo com o poder público. O povo das Ocupações são pessoas que lutam por seus legítimos e sagrados direitos. São pessoas humanas, filhas e filhos de Deus e, como tal, devem ser tratados.
Por isso, vimos por meio desta, denunciar estes desmandos e, ao mesmo tempo requerer, junto a este órgão público competente, a seguinte reivindicação: a intermediação do Governo Municipal no conflito relativo às três comunidades em epígrafe, com o objetivo de se estabelecer uma mesa de negociação tendente a assegurar uma saída digna e legal para as cerca de 1200 famílias ameaçadas de desalojamento forçado. Esse espaço de diálogo e negociação permitirá avaliar as inúmeras possibilidades legais de resolução do caso que não passem pela mera reintegração de posse do imóvel com a demolição de centenas de casas e uso da força policial. Roga-se, assim, pela pronta intermediação do Governo a ser iniciada com uma audiência entre o Exmo. Prefeito do Município de Belo Horizonte e uma comissão formada por dois representantes de cada comunidade, na qual serão expostas as possibilidades colocadas pelo movimento, bem como a posição e as propostas formuladas pela Prefeitura e, por fim, dado os encaminhamentos devidos.
Aguardando o desenrolar deste processo, esperamos que se abram canais de diálogo e negociação para que, efetivamente, as reivindicações deste povo organizado pelas Brigadas Populares e pelo Fórum de Moradia do Barreiro possam ser ouvidas, encaminhadas e concretizadas e, assim, Belo Horizonte deixe de ostentar a triste e contraditória posição, segundo o último informe da ONU, de ser uma das cidades mais desiguais do mundo.
Atenciosamente,”
Pela UNAMINA, Irmãs Carmelitas de Vedruna.
Uma carta semelhante também foi enviada ao Governador de Minas Gerais, Antonio Augusto Anastasia. No meio do povo que lotava um auditório na ALMG, alguém comentou: “O nosso clamor chegou a ONU e está incomodando as autoridades!”
As 1.159 famílias das três comunidades - Dandara, Irmã Dorothy e Camilo Torres -retornaram da audiência conscientes de que devem seguir empenhadas na luta, esperançosas pela possibilidade do diálogo que se abriu nesta audiência e muito felizes por tomar conhecimento de que seus clamores chegaram a ONU através da UNANIMA. De fato, estas comunidades contam com um grande número de apoiadores nacionais e internacionais e a notícia desta carta confirmou este dado importante.
Na Audiência, Sebastião Navarro, Secretário do governador, agendou reunião com representantes das comunidades para o dia 16 de julho, às 9 horas, na SEDRU.
Desde o surgimento destas ocupações-comunidades, muitas são as manifestações de apoio de entidades religiosas, faculdades e universidades através de estudantes e professores, distintas escolas públicas e privadas de Belo Horizonte, doutrinadores e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento que escrevem sobre a legitimidade desta luta, além do crescente apoio da comunidade do entorno e da grande Belo Horizonte.
É grande a força do povo organizado através dos diversos movimentos, pastorais, ONGs, sindicatos, igrejas, entidades e tantas formas de apoio popular. Acreditamos que as comunidades Dandara, irmã Dorothy e Camilo Torres, assim como tantas outras lutas organizadas juntam-se e somam-se em um único clamor: o clamor que denuncia toda forma de exclusão, sobretudo quando as políticas públicas não são pensadas na ótica dos pobres e com a intenção de cumprir um sagrado princípio e objetivo republicano, que é o de diminuir as desigualdades sociais.
Acreditamos que toda essa gama de apoio às comunidades-ocupações Dandara, Irmã Dorothy e Camilo torres, assim como a tantas pessoas sem-teto e sem-terra, revela uma nova visão de sociedade onde se destaca um grande número de pessoas e entidades que lutam bravamente por um novo modelo de cidade onde a justiça social e a dignidade da pessoa humana sejam efetivas, porque acreditamos em um outro mundo possível e em uma cidade onde caibam todos e todas.
Belo Horizonte, 20 de julho de 2010, dia do profeta Elias.
Pátria Livre! Venceremos!
Para maiores informações, consulte www.ocupacaodandara.blogspot.com e www.brigadaspopulares.org