terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Tribunal Interamericano anulou anistias concedidas na região. Justiça tardia, porém não negada

Ruti Teitel
07/02/2011

No fim do ano passado, o ex-ditador Jorge Videla foi condenado e
sentenciado à prisão perpétua por seu papel na "guerra suja" argentina em
1970, quando ocorreram tortura e execuções de prisioneiros desarmados.
Esses crimes foram cometidos décadas atrás. O que pode significar esse
veredicto tantos anos após a restauração da democracia na Argentina?

Processar Videla e outros perpetradores tornou-se possível devido à
jurisprudência pioneira em que se baseou o Tribunal Interamericano de
Direitos Humanos. O Tribunal decidiu pela anulação das anistias concedidas
aos líderes políticos e militares na Argentina e em outros países na
região, como parte de uma transição para a democracia. O Tribunal
considerou que a cobrança de responsabilidade pelos crimes dos ditadores é
um direito humano - e, portanto, prevalece sobre a impunidade que
beneficiou muitos ditadores latino-americanos, como condição para permitir
as transições democráticas.

A mais recente decisão do tribunal regional, em meados de dezembro,
revogou uma lei de anistia que protege 1.979 militares brasileiros contra
processos por abusos cometidos durante os de 21 anos de ditadura militar
no país. "As disposições da Lei de Anistia brasileira, que impedem a
investigação e a punição por graves violações dos direitos humanos",
decidiu o tribunal, são "incompatíveis com a Convenção Americana". O
efeito (dessa decisão) é exigir que aqueles que estavam no poder respondam
pelo desaparecimento, pela força de armas, de 70 camponeses, no Araguaia,
em uma campanha antiguerrilha.

A possibilidade de cobrança pode ser difícil. Mas não desistir da
responsabilização, apesar da passagem do tempo, envia uma mensagem
importante sobre os direitos humanos e o inequívoco caráter desses delitos
como "crimes contra a humanidade".
Nesses casos, as vítimas, advogados ativistas e organizações empenhadas na
defesa dos direitos humanos recorreram ao tribunal regional de direitos
humanos depois de esgotar suas opções no país. A cultura política e
jurídica no país ainda não estava preparada para enfrentar frontalmente os
fantasmas do passado autoritário. O próprio Tribunal Superior brasileiro,
por exemplo, havia recentemente sustentado a constitucionalidade da lei de
anistia, que foi apoiada por sucessivos governos brasileiros, todos
"inclusive o governo de centro-esquerda de Luiz Inácio Lula da Silva"
omitiram-se no empenho pela responsabilização pelos crimes cometidos pela
anterior ditadura militar no Brasil.

Na Argentina, mesmo sob a presidência de Raúl Alfonsín, primeiro
presidente eleito democraticamente após o regime militar, execuções
extrajudiciais cometidas pela polícia do país foram responsáveis por um
terço de todos os homicídios.

Abusos similares foram cometidos pelos serviços de segurança do Peru
durante a década de 1990 - crimes pelos quais o ex-presidente Alberto
Fujimori está pagando agora.

Tudo isso mostra a fragilidade do controle e das instituições civis,
apesar dos 30 anos de democracia. As novas democracias enfrentam muitos
desafios políticos - e muitas vezes econômicos. A possibilidade de
cobrança de responsabilidade da polícia e dos serviços de segurança pode
ser particularmente difícil nos primeiros anos de um novo, e muitas vezes
frágil, regime democrático. Mas não desistir da responsabilização, apesar
da passagem do tempo, envia uma mensagem importante sobre os direitos
humanos e o inequívoco caráter desses crimes como "crimes contra a
humanidade".

Não se trata apenas de uma questão relacionada à peculiar herança
latino-americana. Com frequência, líderes políticos e elites militares e
de segurança têm se revelado tão sagazes e tenazes ao evitar a justiça
quanto mostraram-se astuciosos e brutais ao cometer injustiças. Eles nunca
devem viver confiantes em que possam permanecer impunes. O Tribunal Penal
Internacional não tem nenhum estatuto de limitações e, com razão,
continuamos a processar e punir os perpetradores do Holocausto.

Anos depois (dos fatos ocorridos), o que está em jogo não é apenas punir,
mas também a verdade política, que exige a fixação de limites oficiais
justificáveis para ações repressivas. O regime militar na Argentina,
afinal, caracterizou sua "guerra suja" como sendo uma ofensiva contra os
chamados "terroristas", e não como o que foi: perseguição arbitrária
contra cidadãos com diversas ideologias e de diferentes classes sociais.

Essa lição, declarada juntamente com a sentença contra Videla, justifica
os esforços para estabelecer um Estado de direito mundial. Tiranos em toda
parte -- e mais do que um punhado de democratas "deveriam ficar atentos.

Ruti Teitel é argentino e professor de Direito Comparado pela New York Law
School, professor visitante na LSE e autor de "Transicional Justice"
(Justiça transicional).

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