quarta-feira, 29 de junho de 2011

Posicionamento Político da Plataforma BNDES sobre a MP 526

Aos Excelentíssimos Senhores e Senhoras Senadores da República,


Através desta carta, nós, representantes das organizações e movimentos sociais brasileiros, signatários da Plataforma BNDES[1], nos dirigimos às vossas Excelências por ocasião da apreciação da Medida Provisória 526 no Senado Federal. Entre outras consequências, a MP 526 autoriza a União a - novamente - gerar títulos da dívida pública para a concessão de créditos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dessa vez em um montante de até R$ 55 bilhões.

A Plataforma BNDES entende que a estratégia de capitalização do BNDES através de medidas provisórias adotada pelo Governo Federal ao longo dos últimos dois anos tem sido implementada sem o devido debate com a sociedade brasileira. Com a aprovação da MP 526, terão sido seis os repasses de recursos públicos realizados ao BNDES através da emissão de títulos da dívida pública, totalizando R$ 240 bilhões .

Desde 2007, a Plataforma BNDES monitora as ações deste importante banco brasileiro, que, embora público, opera cada vez mais sob uma lógica privada. Nos últimos dias 21 e 22 de junho, estivemos reunidos no II Encontro Geral da Plataforma BNDES, em Guararema (SP), onde questões como a necessidade do debate público sobre as prioridades de investimento do banco e a urgência de uma política séria de transparência foram discutidas.

Segundo dados do próprio BNDES[2] , hoje 66,4% dos recursos do banco são canalizados para um seleto grupo de grandes empresas, ao passo que as pequenas e médias empresas, principais responsáveis pela geração de trabalho e renda no Brasil, recebem apenas 27,9%. Em termos regionais, 63,4% dos recursos do BNDES continuam sendo capturados pelas regiões Sudeste e Sul, historicamente privilegiadas pelas políticas públicas em nosso País. As atuais prioridades de financiamento do BNDES revelam um caráter concentrador de renda, que contribui para a reprodução das desigualdades sociais em nosso País, razão pela qual entendemos que é urgente realizarmos um amplo e profundo debate sobre os financiamentos promovidos pelo BNDES e a consequente inversão de suas prioridades.

Além disso, o mesmo BNDES que vem batendo recordes anuais sucessivos de desembolso, para garantir recursos a projetos causadores de irreversíveis impactos socioambientais - como as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, a UHE de Belo Monte, em Altamira, e a expansão das usinas de etanol, no Centro Oeste, das plantações de eucalipto no Espírito Santo e sul da Bahia, da pecuária na Amazônia e das atividades de mineração da Vale do Rio Doce, da siderurgia com a TKCSA, no Rio de Janeiro - continua incapaz de se adequar às necessidades dos pequenos produtores brasileiros, sejam da economia solidária ou da agricultura familiar e camponesa. Sem uma política séria de transparência, a sociedade brasileira continuará sem saber quais são os critérios – sejam eles econômicos, financeiros e socioambientais – levados em consideração pelo BNDES para a aprovação de seus projetos.

Importa lembrar ainda que a política de capitalização do BNDES a partir da emissão de títulos da dívida pública possui um custo elevado. Segundo dados do IPEA[3] de dezembro de 2010, o Tesouro repassa ao BNDES recursos captados junto aos mercados financeiros, pagando juros entre 10,75% (Selic) e 12,5% (NTN-F, título prefixado de longo prazo), mas empresta ao BNDES cobrando 6% (TJLP, taxa de juro de longo prazo). Segundo o mesmo estudo, até o ano passado o valor deste subsídio pago pelos contribuintes brasileiros às grandes empresas totalizou quase R$ 21 bilhões, valor 38% maior que os R$ 13 bilhões destinados ao Bolsa-Família em 2009.
Portanto, por todos os motivos acima listados, solicitamos aos senhores e senhoras que votem contra a Medida Provisória 526, já que ela será mais um instrumento para consolidar o aumento da trilionária dívida interna brasileira (R$ 2,4 trilhões, em junho deste ano) assim como da enorme desigualdade social que assola este País (que ocupa a 7a posição na economia mundial ao mesmo tempo em que possui 16,2 milhões de miseráveis, segundo estatísticas do IBGE, em maio deste ano).
Além disso, solicitamos que seja realizada uma Audiência Pública com a maior brevidade possível, de modo que o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, preste esclarecimentos e estabeleça compromissos junto ao Congresso Nacional e à sociedade em relação aos seguintes temas:
a) O avanço em relação à atual política de transparência do BNDES;
b) Adequação dos critérios de acesso ao financiamento do BNDES para os setores da agricultura familiar e camponesa e da economia solidária, dentre outros,
c) Definição e divulgação dos critérios, para além dos econômico-financeiros, para os investimentos em corporações milionárias em mega-projetos que severamente impactam o meio ambiente e as populações locais;

Certos do compromisso dos senhores e senhoras senadores em zelar pelo papel deste importante banco público para a construção de uma nação justa e solidária, agradecemos antecipadamente.

Plataforma BNDES
[1] http://www.plataformabndes.org.br/documento_plataforma.pdf
[2] http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/BNDES_Transparente/Aplicacao_dos_Recursos_Financeiros/
[3] http://www.blogindustrial.com.br/index.php/tag/ipea/

domingo, 26 de junho de 2011

D. Paulo e a ditadura no Brasil

"D. Paulo devotou-se a devassar a repressão política, identificar vítimas, colher narrativas de barbárie e arrolar torturadores", escreve José de Souza Martins, sociólogo, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 26-06-2011.

Segundo o sociólogo, "era alto o preço que d. Paulo sabia ter que pagar por sua opção preferencial pela justiça e pela verdade no que se referia às violências do regime ditatorial. E ele, serenamente, o pagou".

Eis o artigo.

As 3 mil páginas de documentos sobre o combate à tortura no Brasil durante o regime militar que estavam guardadas no Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra, são apenas a face legível da ação que teve no cardeal d. Paulo Evaristo Arns a figura aglutinadora e carismática. O arcebispo de São Paulo conseguiu reunir em torno de si uma legião de pessoas que nele confiaram e se devotaram à missão de penetrar nas entranhas da repressão política, identificar vítimas, colher narrativas sobre os procedimentos da barbárie, arrolar torturadores que a ela sucumbiram e por meio dela se desumanizaram e se degradaram. O amplo e grave comprometimento do Estado brasileiro na criação de uma verdadeira indústria de tortura, com dinheiro público e o complemento de doações privadas para remunerar e premiar por tarefa os nela envolvidos, ficou evidente na volumosa coleção de testemunhos e indicadores que resultaram no relatório Tortura, Nunca Mais.

Fazia tempo que um grupo de lídimos cidadãos, de vários modos ligados à Igreja Católica, o que incluía protestantes como o pastor Jaime Wright, juntamente com religiosos, estava aglutinado por d. Paulo na Comissão de Justiça e Paz e na Comissão de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, preocupados com violações de direitos por parte do regime político. Um membro da primeira comissão, Helio Bicudo, procurador de Justiça, com o promotor Dirceu de Mello, investigara e denunciara o esquadrão da morte que sequestrava e executava supostos delinquentes. Membros do esquadrão eram policiais, alguns ligados ao Dops e à tortura de presos políticos, que foram recrutados pelo Exército para prestar os mesmos serviços "especializados" na Oban, germe do DOI-Codi, o órgão de tortura instalado junto ao quartel-general do II Exército, da Rua Tutoia, no Ibirapuera.

Investigar a barbárie, identificar-lhe a cara, os procedimentos e as vítimas, como o fez o grupo de pessoas que se reuniu ao redor de d. Paulo, foi ato de resistência cidadã, de pessoas movidas pelo mais alto sentimento de compromisso com a condição humana, acima das convicções religiosas, ainda que movidas por elas. Um gesto decisivo na restauração da dignidade nacional e na restituição do Brasil à verdade de sua consciência e à moralidade de seus anseios históricos.

Mas isso não se deu ao acaso. No âmbito da Igreja, d. Paulo não estava cercado de apoios tão extensos quanto eram necessários. Sempre é bom lembrar que a Igreja Católica, em 1964, com poucas exceções, apoiara o golpe de Estado de maneira decisiva, com as Marchas da Família com Deus pela Liberdade, o suporte de rua de que os militares careciam para atropelar a legalidade e instituir o regime autoritário. Mas aí havia complicados desencontros. A tradição positivista e anticlerical do Exército, que na proclamação da República promovera a emancipação da Igreja, dela separando o Estado, como Estado secular e laico, mantivera-se ao longo da história republicana.

No golpe de Estado, o Exército e as Forças Armadas deixaram imediatamente claro que agiam em nome próprio, embora isso não fosse verdade indiscutível. A sutil ascensão política dos protestantes durante o regime militar é muito indicativa de quanto a caserna estava longe de rever o anticlericalismo da imposição republicana do golpe de 1889. Subsistiam, no entanto, no interior da Igreja grupos que se sentiam mais protegidos em suas convicções religiosas no silêncio sobre o regime e suas práticas do que com as inquietações humanitárias de bispos como d. Paulo e d. Hélder Câmara. Era um tempo de incerteza também para a Igreja, o que mais valoriza o inconformismo de d. Paulo e dos que o seguiram na investigação e denúncia da tortura.

O inconformismo contra a tortura que oficialmente atingia todos os rotulados como subversivos e comunistas, fossem-no ou não, até mesmo religiosos, era, portanto, não se conformar com o crônico e não raro justificado temor da Igreja Católica em relação ao materialismo comunista, com função indevida de religião arreligiosa na ideologia da esquerda. Em Roma difundiam-se as reservas à Teologia da Libertação, indevidamente interpretada como leitura marxista do Evangelho. Quando é na verdade um modo católico de adoção do método dialético na interpretação religiosa, justamente em nome do enfrentamento da crise da mística e da busca do reencontro da dimensão de totalidade num mundo dividido e fracionado pela modernidade, a própria religião reduzida à banalidade do acaso e do descartável. Atitudes como a de d. Paulo, nesse cenário, acabavam interpretadas na pauta dos temores de Roma e de suas restrições anticomunistas em sua resistência a um suposto encontro de catolicismo e marxismo.

Portanto, era alto o preço que d. Paulo sabia ter que pagar por sua opção preferencial pela justiça e pela verdade no que se referia às violências do regime ditatorial. E ele, serenamente, o pagou.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Ecclesia de Eucharistia

Ioannes Paulus PP. II
2003 04 17
IntraText SC - Texto

CAPÍTULO I MISTÉRIO DA FÉ
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CAPÍTULO I

MISTÉRIO DA FÉ

11. « O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue » (1 Cor 11, 23), instituiu o sacrifício eucarístico do seu corpo e sangue. As palavras do apóstolo Paulo recordam-nos as circunstâncias dramáticas em que nasceu a Eucaristia.Esta tem indelevelmente inscrito nela o evento da paixão e morte do Senhor. Não é só a sua evocação, mas presença sacramental. É o sacrifício da cruz que se perpetua através dos séculos.9 Esta verdade está claramente expressa nas palavras com que o povo, no rito latino, responde à proclamação « mistério da fé » feita pelo sacerdote: « Anunciamos, Senhor, a vossa morte ».

A Igreja recebeu a Eucaristia de Cristo seu Senhor, não como um dom, embora precioso, entre muitos outros, mas como o dom por excelência, porque dom d'Ele mesmo, da sua Pessoa na humanidade sagrada, e também da sua obra de salvação. Esta não fica circunscrita no passado, pois « tudo o que Cristo é, tudo o que fez e sofreu por todos os homens, participa da eternidade divina, e assim transcende todos os tempos e em todos se torna presente ».10

Quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do seu Senhor, este acontecimento central de salvação torna-se realmente presente e « realiza-se também a obra da nossa redenção ».11 Este sacrifício é tão decisivo para a salvação do género humano que Jesus Cristo realizou-o e só voltou ao Pai depois de nos ter deixado o meio para dele participarmos como se tivéssemos estado presentes. Assim cada fiel pode tomar parte nela, alimentando-se dos seus frutos inexauríveis. Esta é a fé que as gerações cristãs viveram ao longo dos séculos, e que o magistério da Igreja tem continuamente reafirmado com jubilosa gratidão por dom tão inestimável.12 É esta verdade que desejo recordar mais uma vez, colocando-me convosco, meus queridos irmãos e irmãs, em adoração diante deste Mistério: mistério grande, mistério de misericórdia. Que mais poderia Jesus ter feito por nós?Verdadeiramente, na Eucaristia demonstra-nos um amor levado até ao « extremo » (cf. Jo 13, 1), um amor sem medida.

12. Este aspecto de caridade universal do sacramento eucarístico está fundado nas próprias palavras do Salvador. Ao instituí-lo, não Se limitou a dizer « isto é o meu corpo », « isto é o meu sangue », mas acrescenta: « entregue por vós (...) derramado por vós » (Lc 22, 19-20). Não se limitou a afirmar que o que lhes dava a comer e a beber era o seu corpo e o seu sangue, mas exprimiu também o seu valor sacrificial, tornando sacramentalmente presente o seu sacrifício, que algumas horas depois realizaria na cruz pela salvação de todos. « A Missa é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o memorial sacrificial em que se perpetua o sacrifício da cruz e o banquete sagrado da comunhão do corpo e sangue do Senhor ».13

A Igreja vive continuamente do sacrifício redentor, e tem acesso a ele não só através duma lembrança cheia de fé, mas também com um contacto actual, porque este sacrifício volta a estar presente, perpetuando-se, sacramentalmente, em cada comunidade que o oferece pela mão do ministro consagrado. Deste modo, a Eucaristia aplica aos homens de hoje a reconciliação obtida de uma vez para sempre por Cristo para humanidade de todos os tempos. Com efeito, « o sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício ».14 Já o afirmava em palavras expressivas S. João Crisóstomo: « Nós oferecemos sempre o mesmo Cordeiro, e não um hoje e amanhã outro, mas sempre o mesmo. Por este motivo, o sacrifício é sempre um só. [...] Também agora estamos a oferecer a mesma vítima que então foi oferecida e que jamais se exaurirá ».15

A Missa torna presente o sacrifício da cruz; não é mais um, nem o multiplica.16 O que se repete é a celebração memorial, a « exposição memorial » (memorialis demonstratio),17 de modo que o único e definitivo sacrifício redentor de Cristo se actualiza incessantemente no tempo. Portanto, a natureza sacrificial do mistério eucarístico não pode ser entendida como algo isolado, independente da cruz ou com uma referência apenas indirecta ao sacrifício do Calvário.

13. Em virtude da sua íntima relação com o sacrifício do Gólgota, a Eucaristia é sacrifício em sentido próprio, e não apenas em sentido genérico como se se tratasse simplesmente da oferta de Cristo aos fiéis para seu alimento espiritual. Com efeito, o dom do seu amor e da sua obediência até ao extremo de dar a vida (cf. Jo 10,17-18) é em primeiro lugar um dom a seu Pai. Certamente, é um dom em nosso favor, antes em favor de toda a humanidade (cf. Mt 26, 28; Mc 14, 24; Lc 22, 20; Jo 10, 15), mas primariamente um dom ao Pai: « Sacrifício que o Pai aceitou, retribuindo esta doação total de seu Filho, que Se fez “obediente até à morte” (Flp 2, 8), com a sua doação paterna, ou seja, com o dom da nova vida imortal na ressurreição ».18

Ao entregar à Igreja o seu sacrifício, Cristo quis também assumir o sacrifício espiritual da Igreja, chamada por sua vez a oferecer-se a si própria juntamente com o sacrifício de Cristo. Assim no-lo ensina o Concílio Vaticano II: « Pela participação no sacrifício eucarístico de Cristo, fonte e centro de toda a vida cristã, [os fiéis] oferecem a Deus a vítima divina e a si mesmos juntamente com ela ».19

14. A Páscoa de Cristo inclui, juntamente com a paixão e morte, a sua ressurreição. Assim o lembra a aclamação da assembleia depois da consagração: « Proclamamos a vossa ressurreição ». Com efeito, o sacrifício eucarístico torna presente não só o mistério da paixão e morte do Salvador, mas também o mistério da ressurreição, que dá ao sacrifício a sua coroação. Por estar vivo e ressuscitado é que Cristo pode tornar-Se « pão da vida » (Jo 6, 35.48), « pão vivo » (Jo 6, 51), na Eucaristia. S. Ambrósio lembrava aos neófitos esta verdade, aplicando às suas vidas o acontecimento da ressurreição: « Se hoje Cristo é teu, Ele ressuscita para ti cada dia ».20 Por sua vez, S. Cirilo de Alexandria sublinhava que a participação nos santos mistérios « é uma verdadeira confissão e recordação de que o Senhor morreu e voltou à vida por nós e em nosso favor ».21

15. A reprodução sacramental na Santa Missa do sacrifício de Cristo coroado pela sua ressurreição implica uma presença muito especial, que – para usar palavras de Paulo VI – « chama-se “real”, não a título exclusivo como se as outras presenças não fossem “reais”, mas por excelência, porque é substancial, e porque por ela se torna presente Cristo completo, Deus e homem ».22 Reafirma-se assim a doutrina sempre válida do Concílio de Trento: « Pela consagração do pão e do vinho opera-se a conversão de toda a substância do pão na substância do corpo de Cristo nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na substância do seu sangue; a esta mudança, a Igreja católica chama, de modo conveniente e apropriado, transubstanciação ».23 Verdadeiramente a Eucaristia é mysterium fidei, mistério que supera os nossos pensamentos e só pode ser aceite pela fé, como lembram frequentemente as catequeses patrísticas sobre este sacramento divino. « Não hás-de ver – exorta S. Cirilo de Jerusalém – o pão e o vinho [consagrados] simplesmente como elementos naturais, porque o Senhor disse expressamente que são o seu corpo e o seu sangue: a fé t'o assegura, ainda que os sentidos possam sugerir-te outra coisa ».24

« Adoro te devote, latens Deitas »: continuaremos a cantar com S. Tomás, o Doutor Angélico. Diante deste mistério de amor, a razão humana experimenta toda a sua limitação. Compreende-se como, ao longo dos séculos, esta verdade tenha estimulado a teologia a árduos esforços de compreensão.

São esforços louváveis, tanto mais úteis e incisivos se capazes de conjugarem o exercício crítico do pensamento com a « vida de fé » da Igreja, individuada especialmente « no carisma da verdade » do Magistério e na « íntima inteligência que experimentam das coisas espirituais » 25 sobretudo os Santos. Permanece o limite apontado por Paulo VI: « Toda a explicação teológica que queira penetrar de algum modo neste mistério, para estar de acordo com a fé católica deve assegurar que na sua realidade objectiva, independentemente do nosso entendimento, o pão e o vinho deixaram de existir depois da consagração, de modo que a partir desse momento são o corpo e o sangue adoráveis do Senhor Jesus que estão realmente presentes diante de nós sob as espécies sacramentais do pão e do vinho ».26

16. A eficácia salvífica do sacrifício realiza-se plenamente na comunhão, ao recebermos o corpo e o sangue do Senhor. O sacrifício eucarístico está particularmente orientado para a união íntima dos fiéis com Cristo através da comunhão: recebemo-Lo a Ele mesmo que Se ofereceu por nós, o seu corpo entregue por nós na cruz, o seu sangue « derramado por muitos para a remissão dos pecados » (Mt 26, 28). Recordemos as suas palavras: « Assim como o Pai, que vive, Me enviou e Eu vivo pelo Pai, assim também o que Me come viverá por Mim » (Jo 6, 57). O próprio Jesus nos assegura que tal união, por Ele afirmada em analogia com a união da vida trinitária, se realiza verdadeiramente. A Eucaristia é verdadeiro banquete, onde Cristo Se oferece como alimento. A primeira vez que Jesus anunciou este alimento, os ouvintes ficaram perplexos e desorientados, obrigando o Mestre a insistir na dimensão real das suas palavras: « Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós » (Jo 6, 53). Não se trata de alimento em sentido metafórico, mas « a minha carne é, em verdade, uma comida, e o meu sangue é, em verdade, uma bebida » (Jo 6, 55).

17. Através da comunhão do seu corpo e sangue, Cristo comunica-nos também o seu Espírito. Escreve S. Efrém: « Chamou o pão seu corpo vivo, encheu-o de Si próprio e do seu Espírito. [...] E aquele que o come com fé, come Fogo e Espírito. [...] Tomai e comei-o todos; e, com ele, comei o Espírito Santo. De facto, é verdadeiramente o meu corpo, e quem o come viverá eternamente ».27 A Igreja pede este Dom divino, raiz de todos os outros dons, na epiclese eucarística. Assim reza, por exemplo, a Divina Liturgia de S. João Crisóstomo: « Nós vos invocamos, pedimos e suplicamos: enviai o vosso Santo Espírito sobre todos nós e sobre estes dons, [...] para que sirvam a quantos deles participarem de purificação da alma, remissão dos pecados, comunicação do Espírito Santo ».28 E, no Missal Romano, o celebrante suplica: « Fazei que, alimentando-nos do Corpo e Sangue do vosso Filho, cheios do seu Espírito Santo, sejamos em Cristo um só corpo e um só espírito ».29 Assim, pelo dom do seu corpo e sangue, Cristo aumenta em nós o dom do seu Espírito, já infundido no Baptismo e recebido como « selo » no sacramento da Confirmação.

18. A aclamação do povo depois da consagração termina com as palavras « Vinde, Senhor Jesus », justamente exprimindo a tensão escatológica que caracteriza a celebração eucarística (cf. 1 Cor 11, 26). A Eucaristia é tensão para a meta, antegozo da alegria plena prometida por Cristo (cf. Jo 15, 11); de certa forma, é antecipação do Paraíso, « penhor da futura glória ».30 A Eucaristia é celebrada na ardente expectativa de Alguém, ou seja, « enquanto esperamos a vinda gloriosa de Jesus Cristo nosso Salvador ».31 Quem se alimenta de Cristo na Eucaristia não precisa de esperar o Além para receber a vida eterna: já a possui na terra, como primícias da plenitude futura, que envolverá o homem na sua totalidade. De facto, na Eucaristia recebemos a garantia também da ressurreição do corpo no fim do mundo: « Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia » (Jo 6, 54). Esta garantia da ressurreição futura deriva do facto de a carne do Filho do Homem, dada em alimento, ser o seu corpo no estado glorioso de ressuscitado. Pela Eucaristia, assimila-se, por assim dizer, o « segredo » da ressurreição. Por isso, S. Inácio de Antioquia justamente definia o Pão eucarístico como « remédio de imortalidade, antídoto para não morrer ».32

19. A tensão escatológica suscitada pela Eucaristia exprime e consolida a comunhão com a Igreja celeste. Não é por acaso que, nas Anáforas orientais e nas Orações Eucarísticas latinas, se lembra com veneração Maria sempre Virgem, Mãe do nosso Deus e Senhor Jesus Cristo, os anjos, os santos apóstolos, os gloriosos mártires e todos os santos. Trata-se dum aspecto da Eucaristia que merece ser assinalado: ao celebrarmos o sacrifício do Cordeiro unimo-nos à liturgia celeste, associando-nos àquela multidão imensa que grita: « A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro » (Ap 7, 10). A Eucaristia é verdadeiramente um pedaço de céu que se abre sobre a terra; é um raio de glória da Jerusalém celeste, que atravessa as nuvens da nossa história e vem iluminar o nosso caminho.

20. Consequência significativa da tensão escatológica presente na Eucaristia é o estímulo que dá à nossa caminhada na história, lançando uma semente de activa esperança na dedicação diária de cada um aos seus próprios deveres. De facto se a visão cristã leva a olhar para o « novo céu » e a « nova terra » (Ap 21, 1), isso não enfraquece, antes estimula o nosso sentido de responsabilidade pela terra presente.33 Desejo reafirmá-lo com vigor ao início do novo milénio, para que os cristãos se sintam ainda mais decididos a não descurar os seus deveres de cidadãos terrenos. Têm o dever de contribuir com a luz do Evangelho para a edificação de um mundo à medida do homem e plenamente conforme ao desígnio de Deus.

Muitos são os problemas que obscurecem o horizonte do nosso tempo. Basta pensar quanto seja urgente trabalhar pela paz, colocar sólidas premissas de justiça e solidariedade nas relações entre os povos, defender a vida humana desde a concepção até ao seu termo natural. E também que dizer das mil contradições dum mundo « globalizado », onde parece que os mais débeis, os mais pequenos e os mais pobres pouco podem esperar? É neste mundo que tem de brilhar a esperança cristã! Foi também para isto que o Senhor quis ficar connosco na Eucaristia, inserindo nesta sua presença sacrificial e comensal a promessa duma humanidade renovada pelo seu amor. É significativo que, no lugar onde os Sinópticos narram a instituição da Eucaristia, o evangelho de João proponha, ilustrando assim o seu profundo significado, a narração do « lava-pés », gesto este que faz de Jesus mestre de comunhão e de serviço (cf. Jo 13, 1-20). O apóstolo Paulo, por sua vez, qualifica como « indi- gna » duma comunidade cristã a participação na Ceia do Senhor que se verifique num contexto de discórdia e de indiferença pelos pobres (cf. 1 Cor 11, 17-22.27-34).34

Anunciar a morte do Senhor « até que Ele venha » (1 Cor 11, 26) inclui, para os que participam na Eucaristia, o compromisso de transformarem a vida, de tal forma que esta se torne, de certo modo, toda « eucarística ». São precisamente este fruto de transfiguração da existência e o empenho de transformar o mundo segundo o Evangelho que fazem brilhar a tensão escatológica da celebração eucarística e de toda a vida cristã: « Vinde, Senhor Jesus! » (cf. Ap 22, 20).







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9 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 47: « O nosso Salvador instituiu [...] o sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue para perpetuar pelo decorrer dos séculos, até Ele voltar, o sacrifício da cruz ».




10 Catecismo da Igreja Católica, 1085.




11 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 3.




12 Cf. Paulo VI, Solene profissão de fé (30 de Junho de 1968), 24: AAS 60 (1968), 442; João Paulo II, Carta ap. Dominicæ Cenæ (24 de Fevereiro de 1980), 12: AAS 72 (1980), 142.




13 Catecismo da Igreja Católica, 1382.




14 Ibid., 1367.




15 Homilias sobre a Carta aos Hebreus, 17, 3: PG 63, 131.




16 « Trata-se realmente de uma única e mesma vítima, que o próprio Jesus oferece pelo ministério dos sacerdotes, Ele que um dia Se ofereceu a Si mesmo na cruz; somente o modo de oferecer-Se é que é diverso »: Conc. Ecum. de Trento, Sess. XXII, Doctrina de ss. Missæ sacrificio, cap. 2: DS 1743.




17 Pio XII, Carta enc. Mediator Dei (20 de Novembro de 1947): AAS 39 (1947), 548.




18 João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (15 de Março de 1979), 20: AAS 71 (1979), 310.




19 Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 11.




20 De Sacramentis, V, 4, 26: CSEL 73, 70.




21 Comentário ao Evangelho de João, XII, 20: PG 74, 726.




22 Carta enc. Mysterium fidei (3 de Setembro de 1965): AAS 57 (1965), 764.




23 Sess. XIII, Decretum de ss. Eucharistia, cap. 4: DS 1642.




24 Catequeses mistagógicas, IV, 6: SCh 126, 138.




25 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a divina Revelação Dei Verbum, 8.




26 Solene profissão de fé (30 de Junho de 1968), 25: AAS 60 (1968), 442-443.




27 Homilia IV para a Semana Santa: CSCO 413 / Syr. 182, 55.




28 Anáfora.




29 Oração Eucarística III.




30 Antífona do Magnificat nas II Vésperas da Solenidade do SS. Corpo e Sangue de Cristo.




31 Missal Romano, Embolismo depois do Pai Nosso.




32 Carta aos Efésios, 20: PG 5, 661.




33 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 39.




34 « Queres honrar o Corpo de Cristo? Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm que vestir, nem O honres aqui no templo com vestes de seda, enquanto lá fora o abandonas ao frio e à nudez. Aquele que disse: « Isto é o meu Corpo », [...] também afirmou: « Vistes-Me com fome e não me destes de comer », e ainda: « Na medida em que o recusastes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim o recusastes. [...] De que serviria, afinal, adornar a mesa de Cristo com vasos de ouro, se Ele morre de fome na pessoa dos pobres? Primeiro dá de comer a quem tem fome, e depois ornamenta a sua mesa com o que sobra »: S. João Crisóstomo, Homilias sobre o Evangelho de Mateus, 50, 3-4: PG 58, 508-509; cf. João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 31: AAS 80 (1988), 553-556.








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quarta-feira, 22 de junho de 2011

“Apacs: exemplo de caso de sucesso”

Marcelo Albert
ENCONTRO - O palestrante Valdeci Ferreira falou sobre o sistema prisional brasileiro
A coordenadora do programa Novos Rumos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargadora Jane Silva, participou, no dia 20 de junho, no auditório do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI –BH), do VII Encontro Nacional do Terceiro Setor e I Encontro de Direito do Terceiro Setor. Na ocasião, o presidente da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (Fbac), Valdeci Antônio Ferreira proferiu a palestra: “Exemplo de caso de sucesso: Apacs”.

A mesa teve como coordenadora a desembargadora Jane Silva, sendo debatedores o diretor de Comunicação Corporativa da Fiat, Marco Antônio Lage, representante do presidente da Fiat América Latina, Cledovirno Belini, e o professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Minas), Luiz Flávio Sapori.

Valdeci fez um relato detalhado dos 28 anos “de muita renúncia dedicados à Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs), dos quais, ele afirma, que é possível que se contabilize de 10 a 12 anos passados dentro da prisão.

“No entanto,” prossegue Valdeci, “após todos esses anos, continuo dizendo que, de preso, não conheço nada. Somente quem vive na solidão intramuros, no isolamento pessoal, pode saber o que é a prisão.”

O presidente da Fbac esclarece que, no momento, deseja tão somente partilhar as vivências desses anos, as experiências colhidas no dia a dia nos presídios. Ele enumera as diversas prisões que conheceu mundo afora, com seus problemas de superlotação, alta reincidência no crime, corrupção, maus tratos, drogas, degradação da pessoa humana, problemas comuns aos presídios brasileiros. E afirma: “Quando falamos de sistema prisional, estamos todos no terceiro mundo.”

Valdeci faz uma denúncia grave: “O sistema prisional brasileiro está literalmente falido. O preso é uma chaga social. É uma certeza de que alguma coisa não vai bem e a sociedade não toca nesta ferida porque tomar contato com o preso é admitir que somos humanos. A sociedade não pode considerar a prisão como um simples espaço de vingança.”

Apacs

Segundo ele, “não há presos irrecuperáveis; o que existe é tratamento inadequado”. Por isso, na sua opinião, é que Deus inspirou Mário Ottoboni quando ele criou as Apacs como uma resposta à indiferença da sociedade, em 1972, em São José dos Campos. Atualmente, contamos com 2.300 recuperandos (nome dado aos presos na Associação), 31 Apacs sem concurso das polícias, em 17 estados e 23 outros países.

Valdeci explicou que, sem perder a finalidade punitiva da pena, o Método Apac trabalha a recuperação do condenado e sua reinserção no convívio social.
O TJMG lançou, em dezembro de 2001, o Projeto Novos Rumos na Execução Penal, com o objetivo de incentivar a criação e expansão das Apacs e, desde então, divulga os bons resultados do método.

O palestrante discorreu sobre o funcionamento e a estrutura da Associação e enfatizou: “A Apac não pode se apresentar como solução mas como alternativa de humanização do sistema prisional. Ela visa à formação e ao resgate da cidadania do condenado e sua reinserção social e entrada no mercado de trabalho.”

A seguir, um vídeo sobre a Apac contribuiu para ampliar o conhecimento dos participantes sobre o trabalho, desenvolvido por voluntários, diversos segmentos sociais da comunidade e por instituições governamentais.

A palestra do presidente da Fbac foi enriquecida pelo testemunho emocionado de dois recuperandos: Airton e José de Jesus.

Após a participação dos debatedores, algumas perguntas foram realizadas pela plateia e a desembargadora Jane Silva encerrou as atividades.

O Encontro, promovido pela Federação Mineira de Fundações e Associações de Direito Privado (Fundamig), pelo Centro Mineiro de Alianças Intersetoriais (Cemais) e pelo Centro de Apoio das Promotorias de Fundações e Entidade de Interesse Social (Caots), já integra as agendas oficiais do Estado e do Município e se consagra pelos resultados das ações práticas, consolidadas nos três setores da sociedade. Tornou-se referência nacional como espaço de apresentação, discussão e decisão, sobre temáticas que se transformam em ações efetivamente propulsoras de desenvolvimento sustentável.

terça-feira, 21 de junho de 2011

ESTAMOS LANÇANDO A LUTA PELA DEFESA DO SISTEMA DE SAÚDE 100% PÚBLICO, ESTATAL E DE QUALIDADE!!

O LANÇAMENTO DA LUTA CONTARÁ COM A PRESENÇA DE ALEIDA GUEVARA!!

EM BELO HORIZONTE VÁRIAS ORGANIZAÇÕES, SINDICATOS E PARTIDOS POLÍTICOS SE UNEM NA LUTA CONTRA AS PRIVATIZAÇÕES FOMENTADAS POR AÉCIO-ANASTASIA E LACERDA!


Se em 1988 a luta pela Reforma Sanitária Brasileira tinha como objetivo a democratização da saúde estendendo o direito à saúde a todas as pessoas, após 23 anos podemos afirmar que nossos governos municipais, estaduais e nacional estão tentando sucatear o Sistema Único de Saúde justificando, assim, a transferência da gestão dos serviços públicos de saúde para as organizações de direito privado. Várias são as justificativas:

- OSS e OSCIPS são filantrópicas: sim são filantrópicas, entretanto estão sendo contratadas para prestarem serviços, nesse caso funcionam como empresas privadas.

- Menor gasto: sabemos que é inocência afirmar isso já que nenhuma empresa privada assume um serviço no qual não tenha LUCRO! Portanto, o Estado além de pagar os serviços prestados estão pagando o LUCRO que essas empresas ganham. Ou seja, há uma transferência a fundo perdido do NOSSO dinheiro público pra as empresas privadas com concessões de exploração dos serviços que costumam ser por 30 anos. Leia a reportagem abaixo sobre a quebra dos hospitais públicos de SP: http://www.viomundo.com.br/denuncias/hospitais-publicos-de-sp-gerenciados-por-oss-a-maioria-no-vermelho.html?utm_source=twitterfeed&utm_medium=facebook

- Melhor atendimento: todos sabemos que no momento de contratação dos serviços é firmado quais são os serviços a serem executados pelos prestadores e quantos serão. Assim, os hospitais, ambulatórios, unidades básicas de saúde que estão sendo administrados por tais organizações não tem o DEVER de prestar o atendimento necessário ao indivíduo. Caso o procedimento não tenha sido previsto no contrato ou a quantidade do procedimento previsto no contrato já tenha sido atingido, o prestador não tem o DEVER de prestá-lo. ISSO CHAMA-SE PORTA FECHADA!!! NÃO HÁ COMPROMETIMENTO COM A NECESSIDADE DO USUÁRIO, APENAS COM O LUCRO!!!!

- Por fim, empresas privadas NÃO GARANTEM DIREITO DE NINGUÉM!! O DIREITO À SAÚDE NÃO PODE FICAR A MERCÊ DO LUCRO DAS EMPRESAS PRIVADAS!
HÁ VÁRIOS OUTROS ARGUMENTOS PARA LUTARMO EM DEFESA DO SUS!!

LEIA MAIS: http://www.istoe.com.br/reportagens/137103_LEITOS+A+VENDA
http://www.tjrn.gov.br:8080/sitetj/GerenciadorServlet.do?action=GerenciadorWeb&operacao=exibirInternet&id=7365&secaoSelecionada_id=9®istrarLeitura=true
http://www.cfess.org.br/noticias_res.php?id=418
http://fopspr.files.wordpress.com/2008/11/desmonte-do-sus.pdf
http://www.cfess.org.br/arquivos/relatorioanalitico_frentecontrasOS.pdf
http://pelasaude.blogspot.com/p/conheca-frente-nacional-contra.html

Erradicação da miséria, bons auspícios

"O diferencial do Plano de Erradicação da Miséria do governo federal, lançado à sombra das disputas políticas da República, é ser corajoso, ambicioso e absolutamente factível. E ainda inovador", escreve Lena Lavinas, doutora em economia, professora associada do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 21-06-2011.

Eis o artigo.

De lema de campanha a desenho de um programa de ação, nem sempre vinga a transmutação quando se trata de política pública.

O diferencial do Plano de Erradicação da Miséria do governo federal, lançado à sombra das disputas políticas da República, é ser corajoso, ambicioso e absolutamente factível. E ainda inovador.

É corajoso por reconhecer que milhões de brasileiros e brasileirinhos, embora elegíveis ao Bolsa Família, estavam à margem do direito a uma renda mínima de subsistência. O processamento do Censo de 2010 ainda não permitiu conhecer o número de famílias que, vivendo abaixo da linha de R$ 70 mensais per capita, não recebe nenhum benefício, não tendo direitos elementares assegurados.

Pelos dados da Pnad 2009, um terço dos arranjos familiares considerados indigentes não era alcançado pelo programa, algo como 3 a 4 milhões de pessoas.

É corajoso revelar com transparência que um dos grandes trunfos de um governo avaliado de forma tão positiva como o governo Lula necessitava de reparos importantes para superar ineficiências horizontais, que geram iniquidades entre os mais necessitados.

É ambicioso por afirmar que a intersetorialidade é a mola mestra da política social e por ter como meta implementá-la de fato. Deixa para trás os controles tão pouco efetivos à frequência escolar e às visitas aos postos de saúde que o Bolsa Família mantém para promover a aquisição de dotações, que são a fragilidade maior de quem é pobre.

Renda é indispensável em uma economia de mercado - e as externalidades positivas dessa política tornaram-se incontestes aos olhos dos mais reticentes na crise de 2008/2009. Porém, como nos ensinou Amartya Sen, é igualmente necessário ser capaz de transformar renda em bem-estar, dotações básicas em meios de vida.

Não se convertem automaticamente bens primários como educação elementar ou outras acessibilidades em capacidades e habilidades para viver autônoma e livremente. O compromisso da nação em assumir o desafio de ampliar essas dotações básicas é o DNA do novo plano. É factível, pois o Brasil conta hoje com institucionalidade, no âmbito do nosso sistema de seguridade social, que garante meios para tornar efetivas tais práticas.

O Suas (Sistema Único de Assistência Social) acaba de ser aprovado no Senado, novamente na total ignorância dos brasileiros, que desconhecem os marcos legais de intervenção de que dispõem para forjar uma sociedade mais justa e igualitária, liberta da miséria.

Mobilizar os Centros de Atendimento da Assistência Social na busca ativa, ampliar e fortalecer o Programa Saúde da Família, operando na inclusão, criar oportunidades por meio da descoberta de formações ou mesmo apenas em um aprendizado mais constante das letras e dos números para quem nem conseguia perceber as grandes mudanças recentes do país, tamanha sua exclusão, é pouco e ao mesmo tempo um gigantesco desafio.
Tornar melhores e operacionais nossas próprias estruturas de intervenção, valorizando os servidores na sua prática cotidiana territorializada, é uma grande transformação, desta feita salutar.

Finalmente, é inovador porque consegue levar em consideração a realidade de cada rincão deste país na articulação de necessidades e oportunidades. Não é tarefa fácil, toma tempo, energia e não vai custar tão barato como se apregoa.

Oferecer oportunidades é muito mais caro e trabalhoso do que apenas prover um auxílio monetário que garante consumir um pouco mais do mesmo. Trata-se agora de prover aquilo cuja ausência e o não acesso são o alimento da miséria.

Seria uma lástima se nós, brasileiros, mais uma vez, desconhecêssemos o que está em curso. Afinal, quem não se orgulha de pensar que seremos finalmente um país rico se formos verdadeiramente um país sem miséria?

1,17 milhões de carteiras assinadas em cinco meses

Resultado é segundo melhor da série histórica. Todos os setores aumentaram geração de vagas com carteira assinada, sinal de que economia do País mantém o vigor, mesmo com medidas adotadas contra inflação

Entre janeiro e maio foram gerados no Brasil 1.171.796 empregos formais, segundo melhor resultado na série histórica da pesquisa do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), ficando atrás apenas do registrado em 2010, quando foram abertos 1.383.729 postos.

Em maio, foram geradas 252.067 novas vagas com carteira assinada, terceiro melhor resultado da série histórica Caged, superado apenas pelo resultado de maio de 2004, com 291.822 postos, e maio de 2010, com 298.041. Os dados foram apresentados nesta segunda-feira (20), pelo ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi.

De acordo com o ministro, os números recordes registrados em 2004 e 2010 mostravam um dinamismo excepcional no mercado de trabalho nesses anos. “Em maio geramos o primeiro milhão de empregos do governo da presidenta Dilma. Quem aposta na inflação já perdeu, pois o governo mostrou que tem mecanismos para contê-la. Por isso repito que não há desaceleração na empregabilidade e que o Brasil ainda vai gerar muitos empregos neste ano”, comentou ele.

A criação de empregos no mês de maio foi oriunda do recorde de admissões para todos os meses do Caged, com 1.912.665, e o segundo maior resultado de demissões para todos os meses da série histórica, com 1.660.598 desligamentos. Isso mostra que há grande movimentação da mão de obra, e com este dinamismo o mercado de trabalho se mantém aquecido.

Entre os setores, todos registraram aumento no saldo de empregos em maio. Serviços, com a geração de 71.246 empregos celetistas, e a Construção Civil, com 28.922, tiveram o segundo melhor saldo para o mês.

A Agricultura também apresentou um bom desempenho, com crescimento de 5,11% em relação ao estoque de trabalhadores com carteira assinada no mês anterior, a maior taxa de crescimento entre os setores, e a abertura de 79.584 postos de emprego formal.

Entre os 25 subsetores, somente a Indústria de Calçados e a Indústria Têxtil fecharam vagas no período.

O Centro-Oeste registrou saldo recorde para maio, com a geração de 21.829, um aumento de 0,80% em relação ao estoque de trabalhadores com carteira assinada no mês anterior, segundo melhor resultado entre as regiões. O Sudeste puxou a geração de empregos, com a abertura de 174.836 novas vagas, terceiro melhor resultado para o período. O Sul criou 25.741 postos, terceiro melhor saldo para o mês, o Nordeste 25.094 e o Norte 4.567.

Áreas Metropolitanas
O emprego no conjunto das nove Áreas Metropolitanas (BA, CE, MG, PA, PE, PR, RJ, RS e SP) cresceu 0,42%, representando a geração de 65.070 postos de trabalho, o terceiro melhor desempenho da série histórica do Caged. No Interior desses aglomerados urbanos, o emprego cresceu 1,08%, corresponde ao incremento de 143.823 postos de trabalho, devido, primordialmente, ao desempenho do setor Agrícola.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Manifestos das Comunidades do Trilho

Por OBRAS DA COPA - FORTALEZA (CE) 20/06/2011 às 11:55


Nós, moradores das comunidades Trilha do Senhor, Dom Oscar Romero, São Vicente, João XXIII, Rio Pardo, Jangadeiros, Canos e Aldacir Barbosa, organizados no Movimento de Luta em Defesa da Moradia ? Comunidades do Trilho, vimos, por meio deste manifesto, denunciar a todos e a todas que:

Há mais de um ano, nossas comunidades têm sido vitimadas por sérias e inadmissíveis violações de direitos levadas a cabo pelo Governo do Estado do Ceará e pela Prefeitura de Fortaleza em seu intuito de implantação do Veículo Leve sobre Trilhos e duplicação da Via Expressa, obras estas previstas na preparação de Fortaleza para a Copa de 2014.

Durante este tempo, sofremos com a ação de empresas terceirizadas que, a serviço do Governo do Estado, percorreram as comunidades para realizar cadastros, marcar e medir nossas casas. Para tanto, fizeram uso constante dos mais inescrupulosos recursos: moradores (incluindo idosos) foram ameaçados e intimidados, inúmeras casas foram marcadas sem o conhecimento e consentimento dos moradores, nossos domicílios e nossa intimidade foram violados, documentos foram recolhidos sem explicação.

Links:

Blog Movimento de Luta das Comunidades em Defesa da Moradia| Comunidades do Trilho dizem NÃO à remoção

Vídeo: parte 1 | parte 2

(você será direcionado para um site de propriedade da empresa Google ? sem privacidade na conexão)

>>LEIA O MANIFESTO COMPLETO

A falta de diálogo, transparência e publicidade por parte do poder público tem sido uma marca registrada de todo o processo. Até o momento, nem mesmo os projetos das obras nos foram apresentados, muito menos discutidos! Também não foi apresentado nenhum estudo que comprove a viabilidade e funcionalidade das obras para além do evento Copa do Mundo. Em várias ocasiões, exigimos que nos fosse apresentado e discutido um projeto alternativo que não envolvesse remoções, como determina a Lei Orgânica do Município, mas só tivemos como resposta o silêncio, o descaso e a indiferença. O mais absurdo de tudo: apesar da ameaça de remoção de mais de 4.000 famílias, muitas das quais vivendo no local há 70 anos, nenhum projeto habitacional nos foi apresentado. A única opção que nos tem sido imposta é a desapropriação dos imóveis, sendo que para o valor indenizatório será levado em conta apenas as benfeitorias, o que torna os valores pagos insuficientes para a aquisição de novas casas no mesmo bairro e em condições dignas de moradia.

Para nós, tal situação deve ser tratada como verdadeira REMOÇÃO FORÇADA EM MASSA, pois apresenta o pagamento de indenizações irrisórias como única possibilidade, sem qualquer preocupação com os grupos vulneráveis existentes na área e destituindo MILHARES de moradores não apenas de seus imóveis, mas de toda a rede de relações sociais e da possibilidade de acesso a equipamentos e serviços fundamentais como escolas, hospitais, postos de saúde, oportunidades de trabalho e renda, etc. Diante dessa situação, exigimos que sejam tomadas as seguintes medidas para evitar estas gravíssimas violações de Direitos Humanos:

1) Realização de recomendação e termo de ajustamento de conduta, com a finalidade de comprometer os responsáveis pelas obras, respeitando o devido procedimento legal previsto no processo de licenciamento ambiental;

2) Apresentação e discussão com os moradores de um projeto alternativo que não envolva remoções, sendo reconhecidos como interlocutores legítimos os que hoje estão organizados em nossa luta por moradia;

3) Que sejam suspensos os efeitos do Decreto de Desapropriação de nº 30.263, de 14 de julho de 2010, que declara de utilidade pública área de 381.592,87 m², ao longo da faixa de domínio da RFFSA, com benfeitorias e servidões que nela se encontram;

4) Que sejam invalidados os cadastros já realizados e convocadas com urgência audiências públicas realizadas no âmbito do licenciamento ambiental, antes da decisão do COEMA sobre a licença prévia, visto que desde já manifestamos a existência de sérias irregularidades no processo de elaboração do EIA/RIMA, posto que, como admite o próprio Governo do Estado, não foram realizados os cadastros sócio-econômicos de 979 famílias, num universo de 2.700 imóveis, o que compreende um elevado percentual de 36% do total, representando assim um escandaloso descumprimento do previsto no Termo de Referência que estabelece os procedimentos e os critérios técnicos a serem adotados na elaboração do EIA/RIMA referente à implantação do VLT;

5) A fim de garantir nosso direito à moradia, entendido como direito humano fundamental, exigimos que sejam levados adiante os instrumentos cabíveis previstos no Estatuto da Cidade para garantir a Regularização Fundiária das áreas que há décadas são habitadas pelas mais de 4.000 famílias que hoje correm o sério risco de dano irreparável por conta de REMOÇÃO FORÇADA EM MASSA e HIGIENIZAÇÃO SOCIAL.

Por fim, ressaltamos nossa disposição de permanecermos firmes em nossa legítima luta de resistência pela garantia das nossas moradias, por entendermos que nossos direitos não podem ser violados e pisoteados à revelia de todas as leis nacionais e internacionais de proteção aos Direitos Humanos e sociais, sob o pretexto da realização de um evento como a Copa do Mundo ou de qualquer projeto de desenvolvimento econômico, que vise à construção de uma cidade muito boa para os negócios e para os turistas, mas exclui e despreza os habitantes mais pobres de uma cidade que já é uma das mais desiguais do mundo.

Fortaleza, 18 de junho de 2011.

MOVIMENTO DE LUTA EM DEFESA DA MORADIA ? COMUNIDADES DO TRILHO

A Preço de Sangue

- Delze dos Santos Laureano


Parte do que foi a paixão e ressurreição de Jesus Cristo está no Evangelho de Mateus, capítulo 27. Conta o evangelista que, desde a manhã, todos os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo convocaram o Sinédrio contra Jesus a fim de o condenarem à morte. Depois de amarrarem Jesus entregaram-no ao governador Pilatos.

Detenho-me especialmente nos versículos de 3 a 7. Judas, chamado no texto de traidor, ao ver que Jesus fora condenado, sentiu remorso, e foi devolver as trinta moedas de prata aos chefes dos sacerdotes e anciãos dizendo: “Pequei, entregando à morte sangue inocente.” Eles responderam: “E o que nós temos com isso? O problema é seu.” Judas jogou as moedas no Templo e saiu, indo enforcar-se. Recolhendo as moedas, os chefes dos sacerdotes disseram: “É contra a Lei colocá-las no tesouro do Templo, porque é preço de sangue.” Então discutiram em conselho e com o dinheiro compraram o Campo do Oleiro, para aí fazer o cemitério dos estrangeiros.

O texto é da década de 80 do primeiro século da era cristã. Lá se vão quase 2.000 anos. Fico aqui pensando com os meus botões. Sangue inocente ainda mancha as moedas recolhidas pelos chefes do poder. O uso do dinheiro sujo é amenizado, na Bíblia, para a compra da terra de cemitério para estrangeiros, hoje, para projetos socioculturais e de educação ambiental. Contudo, são os que detêm o poder os responsáveis pelo sangue nas moedas e os mesmos que decidem acerca do seu uso.

Michel Chossudovsky, pesquisador canadense, no livro “A Globalização da Pobreza”, demonstrou com clareza como a riqueza mundial é canalizada para os mesmos grupos econômicos internacionais – Clube de Londres e Clube de Paris -, protegidos pelas políticas do FMI - Fundo Monetário Internacional – e do BIRD – Banco Mundial. Os recursos originários dos países pobres, mesmo quando vêm da exploração sexual, do comércio ilegal de entorpecentes, da exploração criminosa dos recursos naturais nos territórios das comunidades tradicionais servem para honrar os contratos internacionais, mesmo causando tanto sofrimento e a morte do planeta.

Não é diferente com a nossa riqueza interna no Brasil. O capitalismo hegemônico tornou-se mais forte (dogmático) que uma religião. Tudo pode ser debatido politicamente, menos as velhas receitas da teoria econômica conservadora. O Estado prioriza ações para o crescimento econômico – PAC - e para a realização dos megaeventos como a Copa de 2014, transferindo para as entidades da sociedade civil – especialmente as ONGs – grande parte da responsabilidade dos serviços sociais que precisam amortecer os efeitos perversos do sistema econômico. E assim, por detrás dos recursos que financiam os projetos sociais estão as mesmas empresas multinacionais causadoras dos danos: mineradoras, grandes construtoras, bancos, empresas do agronegócio. Elas que estão presentes no mundo inteiro, elegem nos países os seus representantes e mantêm suas sedes nas economias centrais do planeta. Toda grande empresa tem um braço social: instituto, ONG, fundação. Afinal, empresa que não mantém uma fachada de responsabilidade social e de sustentabilidade ambiental fica feia no retrato, perde clientes e faturamento nos países desenvolvidos.

Mas as moedas de sangue não vêm somente da iniciativa privada, vêm também do Estado. Originam-se dos orçamentos públicos, moeda de troca nas reeleições. Quem pode incluir obras no orçamento, quem pode aprovar renúncias fiscais (em nome da geração de empregos e renda), ou dar destinação legal (como é exemplo a Lei Rouanet) às receitas públicas, acaba se beneficiando desse lugar privilegiado, impedindo a renovação da representação política democrática pela via eleitoral. Manipulando os recursos públicos, subtraídos da população pobre (espoliada com a maior carga tributária do mundo e servida com os piores meios de transporte, com educação pública de fazer vergonha, com moradia inapropriada) favorecem as mesmas elites que se regozijam com as benesses do poder, deliberando com exclusividade acerca das riquezas nacionais que deveriam ser bens de uso comum do povo, como terra, água, florestas, biodiversidade.

Nós, meras peças dessa engrenagem, individualmente tentamos superar limites. Às vezes acreditamos no sucesso pessoal. Fazemos um esforço hercúleo para entender as tramas do mercado que tanto exige de nós. Outras vezes caímos na armadilha do moralismo, do arrependimento, talvez resquício de uma tradição judaico/cristã. Imaginamos que as nossas ações pessoais (como fechar torneiras, tomar banhos frios e rápidos, ou transformar lixo em artesanato) são as saídas para se resolver as mazelas provocadas por esse sistema que ignora a vida, visando somente ao lucro.

Em meio ao cansaço ou ao arrependimento ouvimos a voz dos senhores do Sinédrio dizendo. “O que nós temos com isso? Não reclamem das tarifas altas, do alto custo dos pedágios, dos serviços públicos de água, de energia ou de comunicação. Não lamentem as mazelas sociais e a violência.” Como Pilatos, lavam as mãos dizendo: “Apenas aprovamos os projetos que vocês apresentam. O Estado não dispõe de recursos. Precisamos fazer parcerias com o setor empresarial para sermos eficientes.” Outros senhores, os juízes, quando reclamamos que somente os pobres ficam nas cadeias, repetem em coro: “O que nós temos com isso? O problema é de vocês. Não são os seus representantes que fazem as leis? Estamos apenas cumprindo o que a sociedade manda.” Assim, condenam impiedosamente à prisão os acusados dos pequenos delitos (contra o patrimônio), retirando das famílias pobres a melhor força de trabalho, perpetuando o círculo da marginalidade. Já os governadores dizem: “Nós não condenamos ninguém. São os juízes que condenam. Para cumprir as ordens judiciais e a lei precisamos construir mais penitenciárias, precisamos comprar mais viaturas de polícia. Precisamos por mais policiais nas ruas.”Judas, segundo o relato bíblico, iludido pelos donos do poder, trai os companheiros e se sente culpado. Arrependido, devolve ao Templo as moedas sujas de sangue e, envergonhado, suicida-se. Já os donos do poder político, ontem e hoje, não se arrependem nunca. Arrogantes, determinam os fatos que mancham de sangue as moedas, para depois decidir “moralmente” o que fazer com elas.

Na nossa cultura ocidental, imprescindível interpretar de forma libertadora a Bíblia para compreender a lógica do sistema político. Somente assim nos damos conta de que vivemos e legitimamos o mesmo sistema de sempre. A história apenas se repete, como magistralmente ensinou Marx: "a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. Quem não tem as mãos sujas de sangue que atire a primeira pedra. Quem tem ouvidos, ouça!

A transparência cristã de João Paulo II

Artigo escrito por D. Javier Echevarría, Prelado do Opus Dei, por ocasião da próxima Beatificação de João Paulo II (publicado no jornal O Estado de São Paulo).

25 de abril de 2011
Faz anos que se escutam depoimentos de jovens, e menos jovens, que se sentiram atraídos por Cristo graças às palavras, ao exemplo e à proximidade de João Paulo II. Com a ajuda de Deus, uns empreenderam um caminho de busca da santidade sem mudar de estado, na vida matrimonial ou no celibato; outros, no sacerdócio ou na vida religiosa. São muitos milhares e, às vezes, são chamados "geração de João Paulo II".

Qual foi o segredo da eficácia evangelizadora desse extraordinário pontífice?

É evidente que Karol Wojtyla foi um incansável defensor da dignidade humana, um pastor solícito, um autêntico comunicador da verdade e um pai, tanto para os crentes como para os não crentes; mas o papa João Paulo II foi, antes de tudo, um homem enamorado de Jesus Cristo e identificado com Ele.

"Para saber quem é João Paulo II deve-se vê-lo rezar, sobretudo na intimidade do seu oratório privado", escreveu um dos seus biógrafos. De fato, é isso mesmo.

Uma das suas últimas fotos o retrata na sua capela privada enquanto acompanhava, através de uma televisão, a oração da Via-Sacra que ocorria no Coliseu, em Roma. Naquela Sexta-Feira Santa de 2005, João Paulo II não pôde presidir ao ato com a sua presença física, como nos anos anteriores: já não era capaz nem de falar nem de caminhar. Mas nessa imagem se aprecia a intensidade com que vivia aquele momento. Agarrado a um grande crucifixo de madeira, o papa abraça Jesus na Cruz, aproxima o seu coração do Crucificado e o beija. A imagem de João Paulo II, ancião e doente, unido à Cruz é um discurso tão eloquente como o de suas vigorosas palavras ou o de suas viagens extenuantes.

O novo beato levou a cabo com generosidade heroica o mandato de Cristo aos seus discípulos: "Ide pelo mundo inteiro e pregai o Evangelho a toda criatura" (Mc 16, 15). Com o seu afã de chegar até o último recanto da África, da América, da Ásia, da Europa e da Oceania, João Paulo II não pensava em si mesmo: impelia-o o desejo de gastar a vida a serviço dos demais, o empenho de mostrar a dignidade do ser humano e de transmitir a mensagem do Evangelho.

Numa ocasião, ao final da tarde, acompanhei dom Álvaro del Portillo - então prelado do Opus Dei - ao apartamento pontifício. Enquanto esperávamos a chegada do papa, ouvimos uns passos cansados, como de alguém que arrasta os pés, que se aproximavam por um corredor: era João Paulo II, exausto. Dom Álvaro exclamou: "Santo padre, como está cansado!". O papa olhou para ele e, com voz amável, explicou: "Se a estas horas eu não estivesse cansado, seria sinal de não ter cumprido o meu dever".

O zelo pelas almas movia-o a deslocar-se até o último recanto da Terra para levar a mensagem de Cristo. Há alguém no mundo que tenha apertado mais mãos em sua vida, ou tenha cruzado seu olhar com o de tantas pessoas? Esse esforço, também humano, era outro modo de abraçar e de se unir ao Crucificado.

A universalidade do coração de João Paulo II não só o conduzia a uma atividade que poderíamos chamar exterior: também no seu interior batia ativamente esse espírito, com o qual fazia próprias todas as ânsias do mundo. Diariamente, na sua capela privada no Vaticano, percorria o mundo inteiro.

Por isso, foi natural a resposta que deu a um jornalista que queria saber como rezava: a oração do papa - observou João Paulo II - é um "peregrinar pelo mundo inteiro rezando com o pensamento e com o coração". Na sua oração - explicou - emerge "a geografia das comunidades, das Igrejas, das sociedades e também dos problemas que angustiam o mundo contemporâneo"; e desse modo o papa "expõe diante de Deus todas as alegrias e as esperanças e, ao mesmo tempo, as tristezas e as preocupações que a Igreja compartilha com a humanidade contemporânea".

Num de seus escritos, São Josemaría Escrivá contempla Jesus na Cruz como Sacerdote Eterno, que "abre os seus braços à humanidade inteira". Penso que o caminhar terreno de João Paulo II foi uma cópia exemplar desse Senhor que acolhe no seu Coração todos os homens e mulheres, derramando amor e misericórdia em cada um, com um acento especial para os enfermos e desamparados.

A vida do cristão não é outra coisa senão buscar configurar-se com Cristo; e João Paulo II cumpriu-a de modo exímio: pela sua heroica correspondência à graça, pela sua alegria de filho de Deus, pessoas de todas as raças e condições viram brilhar nele o rosto do Ressuscitado.

Parece-me que aquela fotografia a que antes me referia é uma síntese expressiva da vida de João Paulo II: um pontífice fatigado pelo prolongado tempo de serviço às almas, que orienta o olhar do mundo para Jesus na Cruz, a fim de facilitar que cada um, cada uma encontre nela respostas aos seus interrogantes mais profundos.

A vida do novo beato é, pois, um exemplo de transparência cristã: tornar visível, por meio da própria vida, o rosto e os sentimentos misericordiosos de Jesus. Penso que essa é a razão e o segredo da sua eficácia evangelizadora. E estou convencido - assim o peço a Deus - de que a sua elevação aos altares provocará no mundo e na Igreja Católica uma onda de fé e de amor, de desejos de serviço aos demais, de agradecimento a Nosso Senhor.

No dia 1.º de maio de 2011, na Praça de São Pedro, em Roma, sob o olhar carinhoso da Mãe da Igreja, poderemos unir-nos a Bento XVI e dizer uma vez mais: "Queremos expressar a nossa profunda gratidão ao Senhor pelo dom de João Paulo II e queremos também agradecer a este papa por tudo o que fez e sofreu" (audiência geral, 18 de maio de 2005).

Aos que o conhecemos em vida, corresponde-nos agora o agradável dever de dá-lo a conhecer às gerações futuras.

+ Javier Echevarría, Prelado do Opus Dei

domingo, 19 de junho de 2011

Na terra da mineração, uma comunidade pobre ameaçada de despejo.

domingo, 19 de junho de 2011
Entrevista especial com José Geraldo de Melo
Na tentativa de sensibilizar a Justiça e a prefeitura de Itabira, em Minas Gerais, o Pe. José Geraldo de Melo segue, desde o dia 10-06-2011, em jejum permanente. A Justiça decidiu que 300 pessoas de uma vila pobre, conhecida como Comunidade Drummond, devem ser despejadas até o dia 30-07-2011 para que a terra seja reintegrada aos “herdeiros” que, durante muitos anos, não se manifestaram sobre a posse. Em entrevista à IHU On-Line, por telefone, ele diz que seguirá em jejum até que a situação das famílias seja resolvida. “Há quatro anos, apareceram algumas pessoas que se declararam “herdeiros” dessa área e que reivindicaram na Justiça o direito de tê-la de volta. A Justiça, com o apoio da Polícia Militar, já fez o planejamento para executar o despejo. Como as famílias resistem a sair, tememos que a polícia haja com violência”, afirmou.

Padre José Geraldo de Melo nasceu em Timóteo-MG e tem 49 anos. É vigário episcopal da Região Pastoral I da Diocese de Cel. Fabriciano e Itabira-MG,

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é o motivo do seu jejum?

José Geraldo de Melo – Aproximadamente 300 pessoas serão despejadas de uma comunidade de mil moradores aqui em Itabira, em Minas Gerais, dentro de um mês. As famílias receberam um aviso de que têm que deixar a comunidade até o dia 31 de julho. Houve uma decisão judicial apontando para que essas famílias deixem o local. No entanto, elas não têm para onde ir. Muitas vieram de outros municípios e estados e ocuparam a área por não ter outro local onde viver. Assim, iniciei o jejum para sensibilizar as autoridades locais a fim de que façam alguma coisa no sentido de dar segurança a essas famílias, garantindo, ao menos, uma área em que elas possam reconstruir suas casas.

IHU On-Line – O senhor está em jejum desde o dia 10 de junho. Como o senhor está se sentindo?

José Geraldo de Melo – O jejum é permanente, estou tomando apenas água, mas estou bem. Estou celebrando missas e comungando normalmente. Muitas pessoas aqui da região estão fazendo jejum também, rezando em prol dessas pessoas injustiçadas. Meu jejum permanecerá até que a situação das famílias esteja resolvida. Meu jejum está ligado a uma mística, a uma convicção no Evangelho e à caminhada cristã.

IHU On-Line – Por que as pessoas estão sendo despejadas em Itabira-MG?

José Geraldo de Melo – Itabira é uma cidade que tem mais de 100 mil habitantes e o déficit habitacional é grande. A cidade é o berço da empresa Vale. É uma terra de mineração; um município que não tem como prioridade garantir os direitos sociais para todos. A prefeitura tem um levantamento que indica que há mais de cinco mil pessoas inscritas para moradia popular na cidade. Podemos calcular a partir daí o déficit.

IHU On-Line – Como é o dia a dia dessas famílias?

José Geraldo de Melo – Há pessoas que trabalham à noite como vigias; há muitos domésticos e domésticas, pessoas que trabalham fazendo bico; há desempregados. Há muita pobreza nesse local. Cerca de mil pessoas vivem na comunidade. A maior parte delas são crianças e idosos.

IHU On-Line – O senhor pode nos contar a história dessa região? Como começou a ocupação e como se chegou a esse desfecho?

José Geraldo de Melo – A ocupação se deu numa área que estava abandonada há 40 anos. Por isso, algumas famílias ocuparam essa área e ali construíram suas casas, organizaram suas vidas. Trata-se de pessoas muito carentes. Há quatro anos, apareceram algumas pessoas que se declararam “herdeiras” dessa área e que reivindicaram na Justiça o direito de tê-la de volta. A Justiça, com o apoio da Polícia Militar, já fez o planejamento para executar o despejo. Como as famílias resistem a sair, tememos que a polícia haja com violência. Devido a isso, temos tentado fazer o possível para que o despejo não seja feito de forma dolorosa e injusta.

IHU On-Line – As autoridades têm se sensibilizado com o seu jejum?

José Geraldo de Melo – A sociedade tem se sensibilizado com a minha causa e com o problema que essas pessoas têm vivido. Além disso, a diocese de Itabira tem me apoiado também. A prefeitura tem sido omissa no sentido de não garantir uma área para que essas pessoas possam construir suas casas.

IHU On-Line – A prefeitura afirmou que já tem um lugar em que essas pessoas pudessem viver...

José Geraldo de Melo – Foram promessas, mas nada documentado. No momento em que essas promessas poderiam ter sido documentadas perante um juiz, quando tivemos uma audiência, há 15 dias, eles disseram que não teriam condições de cumprir essas promessas. Então, criou-se um impasse.

IHU On-Line – De onde vieram as pessoas que hoje ocupam a Comunidade Drummond?

José Geraldo de Melo – Como Itabira é uma cidade de mineração, veio muita gente de fora procurar emprego aqui.

IHU On-Line – Qual o interesse por trás desse despejo?

José Geraldo de Melo – Há a especulação imobiliária. Próximo a esse local há um condomínio de luxo sendo construído e os “pobres” que vivem no entorno acabam desvalorizando o empreendimento e uma área que poderia ser considerada “nobre”.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

GOVERNO Fatura milionária do Pan

Quatro anos depois do evento, ocorrido no Rio de Janeiro, Ministério do Esporte deve R$ 36 milhões relativos a obras de infraestrutura. Copa de 2014 segue a mesma trilha
Leandro Kleber
Fábio Motta/AE – 20/6/07

Obras no Engenhão para o Pan de 2007: custo da competição ficou 10 vezes acima do previsto
Brasília – Quase quatro anos depois da realização dos Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro, o Brasil ainda paga a conta do evento – e com juros. Isso porque a falta de planejamento resultou em dispensa de licitações e termos aditivos milionários. Dados do sistema oficial de monitoramento dos gastos públicos do governo federal mostram que o Ministério do Esporte, que criou um programa específico para concentrar as ações necessárias para organizar o evento, o Rumo ao Pan 2007, desembolsou pouco mais de R$ 700 mil, no fim de maio, para cobrir despesas não quitadas até hoje. Quem recebeu a verba foi a Fast Engenharia, empresa punida pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por supostamente não ter executado o previsto em contrato.
O TCU determinou ao Ministério do Esporte o bloqueio de R$ 11 milhões que seriam repassados à Fast, pois encontrou menos cadeiras em arquibancadas e menos aparelhos de ar-condicionado do que o planejado. E esse montante é apenas uma parte da dívida do ministério com projetos do Pan. Ainda resta à pasta quitar R$ 36 milhões referentes a ações de implantação de infraestrutura física. Ou seja, é provável que a conta se arraste para 2012.
Previsto para custar cerca de R$ 400 milhões, os jogos Pan-americanos do Rio podem ter ultrapassado a casa dos R$ 4 bilhões. O atraso no início da execução das obras é apontado como um dos principais motivos pela explosão do orçamento, principalmente na véspera do evento. O Rio foi escolhido sede em agosto de 2002, mas as obras demoraram a sair do papel. Algumas instalações que custaram milhões não serão aproveitadas em 2016, pois não atendem ao padrão do Comitê Olímpico Internacional (COI). A Copa de 2014 parece seguir a mesma trilha, já que, no ritmo atual, 11 dos 12 estádios não ficariam prontos para receber as partidas. O atraso costuma ser a senha para multiplicar orçamentos. A MP 531, que flexibiliza os processos de licitação, é vista por especialistas como sintoma desse cenário.
DEVOLUÇÃO Na auditoria, os técnicos do TCU constataram fornecimento de bens e serviços em quantidades inferiores às estabelecidas contratualmente, “com possibilidade de dano ao erário”, e alteração, por parte da administração pública, do objeto do contrato. Dois dos principais problemas encontrados em relação à Fast dizem respeito à quantidade de ares-condicionados entregues pela empresa e de assentos plásticos da arquibancada destinados ao Complexo Esportivo de Deodoro, onde foram realizadas as provas de hipismo e tiro, e à Praia de Copacabana, onde ocorreram as competições de vôlei de praia e triatlo.
O ministro relator do caso, Marco Vilaça, afirma que foram contratadas 19.347 cadeiras, “muito embora 7 mil não vieram a ser fornecidas e montadas, conforme constatado in loco pela equipe de fiscalização do TCU”. No total, técnicos do tribunal analisaram mais de 25 processos para apurar irregularidades em várias obras do Pan. Gestores do Ministério do Esporte chegaram a ser condenados a devolver recursos públicos.
Para Paulo Henrique Azevêdo, coordenador do laboratório de pesquisa sobre gestão de esporte da Faculdade de Educação Física da UnB, só resta agora pagar a conta. Azevêdo, um dos organizadores de um congresso internacional sobre o tema a ser realizado em novembro, afirma que faltou elaborar um planejamento minucioso. “Os mais de R$ 36 milhões da dívida poderiam estar sendo empregados, por exemplo, nas ações da Copa do Mundo”, avalia.
O coordenador classifica a organização do Pan como “vexatória” e acredita que a situação não vá se repetir, pelo menos na mesma intensidade, com a Copa e as Olimpíadas. “Pior que aquele Pan não tem jeito. Mas é possível que vejamos o governo brasileiro, em 2018, ainda tendo de pagar contas atrasadas dos dois principais eventos esportivos mundiais”, lamenta.
Realidade dos megaeventos
Pan-americanos de 2007
O governo federal se comprometeu a bancar cerca de 50% dos custos das obras do evento no Rio de Janeiro. Na lista dos empreendimentos sob responsabilidade da União estava o Complexo Esportivo Deodoro, que abrigou o Centro Nacional de Hipismo e o Centro Nacional de Tiro. Dezesseis ministérios, além da Presidência da República e de empresas estatais, se mobilizaram para elaborar ações e medidas para o sucesso do evento. O orçamento para a organização dos jogos se multiplicou por 10. Previsto inicialmente para custar R$ 400 milhões, o total que saiu dos cofres públicos, incluindo a participação do governo do estado do Rio de Janeiro e da prefeitura, ficou em cerca de R$ 4 bilhões.
Copa do Mundo de 2014
Os atrasos na execução das obras do Pan, com reflexo direto no aumento dos custos, parecem não ter servido de lição para a Copa de 2014. Na velocidade atual, 11 dos 12 estádios não ficarão prontos para receber as partidas. As autoridades brasileiras chegaram a garantir que não gastariam “um centavo” de recursos públicos para construir ou reformar estádios. Sem os bilhões em financiamentos de bancos públicos (Caixa e BNDES, principalmente), a maior parte das arenas esportivas não seria erguida. No total, incluindo empreendimentos de mobilidade urbana, União, estados e municípios deverão investir quase R$ 24 bilhões.
Jogos Olímpicos de 2016
Para receber o evento, o Brasil (União, estado do Rio de Janeiro e município) teve de se comprometer a melhorar aspectos relativos às instalações esportivas, à mobilidade urbana e às acomodações. De acordo com o Dossiê de Candidatura Rio 2016, documento apresentado na seleção de qual cidade iria ser a sede dos Jogos de 2016, estão previstos mais de R$ 12 bilhões em investimentos. O montante também é destinado à capacitação e aumento de tropas militares (segurança) e à instalação de um centro de mídia (tecnologia).

STF libera “marcha da maconha”

Em decisão unânime (8 votos), o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a realização dos eventos chamados “marcha da maconha”, que reúnem manifestantes favoráveis à descriminalização da droga. Para os ministros, os direitos constitucionais de reunião e de livre expressão do pensamento garantem a realização dessas marchas. Muitos ressaltaram que a liberdade de expressão e de manifestação somente pode ser proibida quando for dirigida a incitar ou provocar ações ilegais e iminentes.
Pela decisão, tomada no julgamento de ação (ADPF 187) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o artigo 287 do Código Penal deve ser interpretado conforme a Constituição de forma a não impedir manifestações públicas em defesa da legalização de drogas. O dispositivo tipifica como crime fazer apologia de "fato criminoso" ou de "autor do crime".
O voto do decano da Corte, ministro Celso de Mello, foi seguido integralmente pelos colegas. Segundo ele, a “marcha da maconha” é um movimento social espontâneo que reivindica, por meio da livre manifestação do pensamento, “a possibilidade da discussão democrática do modelo proibicionista (do consumo de drogas) e dos efeitos que (esse modelo) produziu em termos de incremento da violência”.
Além disso, o ministro considerou que o evento possui caráter nitidamente cultural, já que nele são realizadas atividades musicais, teatrais e performáticas, e cria espaço para o debate do tema por meio de palestras, seminários e exibições de documentários relacionados às políticas públicas ligadas às drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas.
Celso de Mello explicou que a mera proposta de descriminalização de determinado ilícito penal não se confunde com o ato de incitação à prática do delito nem com o de apologia de fato criminoso. “O debate sobre abolição penal de determinadas condutas puníveis pode ser realizado de forma racional, com respeito entre interlocutores, ainda que a ideia, para a maioria, possa ser eventualmente considerada estranha, extravagante, inaceitável ou perigosa”, ponderou.
Mesmo acompanhando o relator, o ministro Luiz Fux achou necessário estabelecer parâmetros para a realização das manifestações. Fux ressaltou que elas devem ser pacíficas, sem uso de armas e incitação à violência. Também devem ser previamente noticiadas às autoridades públicas, inclusive com informações como data, horário, local e objetivo do evento.
Ele acrescentou ser “imperioso que não haja incitação, incentivo ou estímulo ao consumo de entorpecentes” durante a marcha e deixou expresso que não pode haver consumo de entorpecentes no evento.
Por fim, ressaltou que crianças e adolescentes não podem ser engajados nessas marchas. “Se a Constituição cuidou de prever a proteção dos menores dependentes químicos, é corolário dessa previsão que se vislumbre um propósito constitucional de evitar tanto quanto possível o contato das crianças e dos adolescentes com a droga e com o risco eventual de uma dependência”, afirmou.
Nesse ponto, o ministro Celso de Mello observou que o dispositivo legal que estabelece o dever dos pais em relação a seus filhos menores é uma regra que se impõe por si mesma, por sua própria autoridade. Ele acrescentou que demais restrições impostas a eventos como a “marcha da maconha” estão determinados na própria Constituição.
A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha acompanhou o voto do relator citando a seguinte afirmação de um jurista americano: “Se, em nome da segurança, abrirmos mão da liberdade, amanhã não teremos nem liberdade nem segurança”. Ela manifestou simpatia por manifestações de rua e lembrou que, há 30 anos, sua geração era impedida de se expressar pela mudança de governo na Praça Afonso Arinos, contígua à Faculdade de Direito, em Belo Horizonte (MG), onde a ministra se formou.
Segundo Cármen Lúcia, é necessário assegurar o direito de manifestação sobre a criminalização ou não do uso da maconha, pois manifestações como essas podem conduzir a modificações de leis.
Liberdade de reunião
O ministro Ricardo Lewandowski fez questão de chamar atenção para o ponto do voto do ministro Celso de Mello que tratou do regime jurídico da liberdade de reunião. Para Lewandowski, esse trecho do voto é uma notável contribuição do decano da Corte para a doutrina das liberdades públicas. Após fazer uma análise sobre o que seria droga, tanto hoje quanto no futuro, o ministro disse entender não ser lícito coibir qualquer discussão sobre drogas, desde que respeitados os ditames constitucionais.
Já o ministro Ayres Britto afirmou que “a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, que é tonificada quando exercitada gregariamente, conjuntamente, porque a dignidade da pessoa humana não se exaure no gozo de direitos rigorosamente individuais, mas de direitos que são direitos coletivamente experimentados”.
A ministra Ellen Gracie, por sua vez, lembrou aos colegas que integra comissão internacional que estuda a descriminalização das drogas. “Sinto-me inclusive aliviada de que minha liberdade de pensamento e de expressão de pensamento esteja garantida”, disse.
Para o ministro Marco Aurélio, as decisões do Poder Judiciário coibindo a realização de atos públicos favoráveis à legalização das drogas simplesmente porque o uso da maconha é ilegal são incompatíveis com a garantia constitucional da liberdade de expressão. “Mesmo quando a adesão coletiva se revela improvável, a simples possibilidade de proclamar publicamente certas ideias corresponde ao ideal de realização pessoal e de demarcação do campo da individualidade”, disse.
Último a votar, o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, salientou que a liberdade de expressão é uma emanação direta do valor supremo da dignidade da pessoa humana e um fator de formação e aprimoramento da democracia.
“Desse ponto de vista, (a liberdade de expressão) é um fator relevante da construção e do resguardo da democracia, cujo pressuposto indispensável é o pluralismo ideológico”, disse. Ele acrescentou que liberdade de expressão “só pode ser proibida quando for dirigida a incitar ou provocar ações ilegais iminentes”.
Por fim, o ministro advertiu que “o Estado tem que, em respeito à Constituição Federal e ao direito infraconstitucional, tomar, como em todas as reuniões, as cautelas necessárias para prevenir os eventuais abusos”. Mas ressaltou: “Isso não significa que liberdade em si não mereça a proteção constitucional e o reconhecimento desta Corte”.

PROPOSTA À VALE E FERROVIA CENTRO ATLÂNTICA (FCA)

CONSIDERANDO que o direito à moradia é reconhecido como um direito humano fundamental na Constituição Federal (art. 6º) e em diversas declarações e tratados internacionais de direitos humanos do qual o Estado Brasileiro é parte, em especial na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 (art. 25), no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 17), no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 (art. 11), na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 (art. 21), na Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver, de 1976, na Agenda 21 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (Capítulo 7);

CONSIDERANDO que o exercício do direito à moradia deve ser compreendido como o direito de viver em um lugar com segurança, paz e dignidade, sendo observadas a segurança jurídica da posse, a disponibilidade de serviços e infra-estrutura (acesso a educação, saúde, lazer, transporte, energia elétrica, água potável e esgoto, coleta de lixo, sem riscos de desmoronamento e outras ameaças à vida e à saúde), o custo e localização acessível da moradia, a habitabilidade e a adequação cultural dos padrões habitacionais (Comentário Geral nº 4 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas);

CONSIDERANDO que projetos que implicam em deslocamento forçado de população de baixa renda para regiões periféricas, sem infra-estrutura, mais onerosas em termos de manutenção e pagamento de serviços, distância e custos de transporte, também atentam contra os direitos fundamentais da população atingida, na medida em que: a) alimentam a máquina de exclusão territorial e as ocupações em áreas de risco; b) seus impactos quase sempre deflagram reações em cadeia, repercutindo na degradação das condições de vida, pela perda do emprego/ocupação e do acesso aos meios de sobrevivência;

CONSIDERANDO que grupos vulneráveis (crianças e adolescentes, idosos, mulheres, particularmente as chefes de família, e portadores de deficiência) são atingidos de forma particularmente grave e, via de regra, encontram maiores obstáculos para a recomposição de seus meios e modos de vida, sendo vítimas preferenciais dos processos de empobrecimento e marginalização decorrentes dos deslocamentos compulsórios;

A Associação de Moradores Beira Linha, tendo em vista a implantação do “Projeto de Modernização da Linha Férrea Horto Florestal – General Carneiro”, e da necessidade de remoção de mais de uma centena de famílias que moram no entorno da linha férrea no bairro São Geraldo, vem propor o seguinte:

1 – Da participação coletiva

1.1) Que a Vale/FCA abra um processo de negociação coletiva, mediado pela Associação de Moradores Beira Linha e pela rede de apoiadores já que a empresa deve discutir com a comunidade sistemas de compensação capazes de recompor e melhorar as condições geradoras e mantenedoras de um padrão digno de vida, nos moldes culturalmente definidos.

1.2) Assim, a Vale/FCA deve promover processos participativos amplos e coletivos, independente da fase em que as negociações com as famílias se encontram, de forma a garantir a participação e aprovação prévia dos reassentados nas etapas de planejamento e execução do projeto.

1.3) as regras, critérios e parâmetros de indenização e reparação devem ser objeto de negociação coletiva, dando-se, em qualquer caso, publicidade às regras, critérios e parâmetros de indenização e compensação.


2 – Das indenizações

2.1) Considerando que a Vale/FCA investe em uma gestão responsável das questões econômicas, ambientais e sociais, permitindo a construção de um legado positivo ao longo do ciclo de vida de seus empreendimentos, a empresa deve fixar os critérios utilizados para o cálculo das indenizações, levando em conta a sustentabilidade social do empreendimento, e encaminhá-los à Associação de Moradores Beira Linha.

2.2) As indenizações devem levar em conta a manutenção e melhoria contínua das condições de vida, com o estabelecimento de programas de assistência nas diversas áreas técnicas necessárias à plena reconstituição dos modos de vida, redes sociais e econômicas, incluindo assistência de natureza médica, psicológica, assistencial, educacional etc.

2.3) A Vale deve elaborar um memorial de imóveis, de onde as famílias serão removidas, indicando suas características e correlacionado-as aos critérios gerais fixados no item 2.1.

2.4) A Vale deve encaminhar o memorial para a Associação de Moradores Beira Linha que terá um prazo de 05 (cinco) dias para contestar cada memorial.


3- Da compra assistida

3.1) A compra assistida deve ser a primeira opção nos processos de negociação com as famílias sendo que os imóveis em que as elas serão reassentadas deve possuir igual padrão da região em que se encontram atualmente e o critério de escolha deve ser não o valor, mas a satisfação das famílias.

3.2) Assim, o reassentamento dos deslocados, em consonância com o que dita o item l.1 da instrução normativa nº 25/2010, do Ministério das Cidades e em analogia ao disposto na Lei 8.629/93, Art. 17, caput e incisos I e II, deve ser feito em “terras economicamente úteis, de preferência na região por eles habitada”, bem como das fontes de meios de subsistência, em comum acordo com os interessados.

3.3) as moradias decorrentes do reassentamento devem garantir no mínimo as condições materiais anteriores, no que diz respeito às condições ambientais, geográficas, estruturais (espaços de convívio social) dimensões e qualidade da edificação.

3.4) nos casos excepcionais em que as famílias optarem por indenizações em dinheiro e não pelo reassentamento, estes valores contemplem as perdas materiais e imateriais advindas do deslocamento, incluído: a) o valor da posse, acessões e benfeitorias; b) os lucros cessantes, quando for o caso; c) recursos monetários que assegurem a manutenção dos níveis de vida até que famílias e indivíduos alcancem condições de vida pelo menos equivalentes às precedentes.





Belo Horizonte, 18 de junho de 2011.



Vinícius Braga Da Silva Izabel Cristina Da Silva Oliveira
Presidente da Associação Beira Linha Vice-presidente da Associação Beira Linha

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Rio 'maquia' favelas para conferência da ONU

Por AE | Agência Estado


A convite da prefeitura do Rio de Janeiro, o chinês Sha Zukang, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Rio+20 (conferência para o desenvolvimento sustentável), visitou o morro da Babilônia, no Leme, zona sul, mas não conheceu o lixão da favela.

A prefeitura promete ações pontuais. Não existe um projeto de sustentabilidade -
Sebastian Archer, da ONG SOS Leme

Os morros da Babilônia e Chapéu Mangueira receberam, em junho de 2009, uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Agora, a prefeitura anuncia intervenções nas duas comunidades, com o objetivo de apresentá-las como “modelos em práticas de sustentabilidade” na Rio+20, que será realizada em junho de 2012. O programa, cujos investimentos serão de R$ 43,4 milhões, recebeu o nome Morar Carioca Verde, após ter sido anunciado, em 2010, como parte do Morar Carioca, que tem a meta de urbanizar todas as favelas da capital até 2020.
O prefeito Eduardo Paes (PMDB) promete a utilização de materiais que não impermeabilizam o solo, iluminação pública em LED, coleta seletiva e uso de energia solar nas duas comunidades do Leme. “Pacificadas com a presença de uma UPP, as duas comunidades foram escolhidas como projeto-piloto porque estão em área de encosta e de proteção ambiental”, informou a Secretaria de Habitação após a visita de Zukang, no início do mês.
O lixão da Babilônia fica justamente em uma encosta. Há de tudo ali. De geladeiras escangalhadas a resto de comida, de fraldas usadas a garrafas PET. “A prefeitura promete ações pontuais. Não existe um projeto de sustentabilidade”, afirma Sebastian Archer, da organização não governamental (ONG) SOS Leme. Segundo ele, até mesmo a anunciada remoção de 90 casas construídas em Área de Proteção Ambiental (APA), no topo do morro, com realocação das famílias em novas moradias, é resultado de uma demanda judicial, e não uma iniciativa do Executivo.
A prefeitura já admite que não será possível fazer tudo o que promete até o início da conferência internacional. De acordo com o secretário de Habitação, Jorge Bittar, “60% a 70% das obras estarão concluídas”. “Teremos coleta integral de esgoto e vamos acabar com as ligações nas galerias pluviais”, afirma o secretário, que acompanhou Zukang na visita à favela. Ele também promete um novo sistema de drenagem e o fim dos lixões, com coleta e reciclagem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Documentos mostram evangélicos nos porões da ditadura

Torturados e delatores da grei evangélica brasileira ganham visibilidade nos documentos que o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) repatriará oficialmente ao Brasil hoje dia 14, entregando 1 milhão de páginas microfilmadas que estavam no Center for Research Libraries, de Chicago, e 10 mil páginas inéditas da correspondência entre o cardeal arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, e o pastor presbiteriano unido, James Wright.

A informação é da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC), 13-06-2011.

A revista semanal IstoÉ antecipou, na semana passada, histórias de evangélicos entrevistando pastores e líderes evangélicos que passaram pelo pau de arara e aqueles que os conduziram até os porões da ditadura, nos Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi).

Os evangélicos carregam uma mancha em sua história por convidar a repressão a entrar na Igreja e perseguir os fiéis, comentou ao repórter Rodrigo Cardoso o antropólogo Rubem Cesar Fernandes, 68 anos, de origem presbiteriana, preso antes do golpe, em 1962, por participar do movimento estudantil.

“Não é justificável usar o poder militar para prender irmãos”, disse Fernandes, considerado “elemento perigoso” por pastores que o incluíram numa lista entregue aos militares, depois do golpe.

O pastor batista Roberto Pontuschka, capelão militar, torturava presos à noite e de dia distribuía porções do Novo Testamento aos detentos nas dependências da Operação Bandeirantes (Oban), de São Paulo. Com 21 anos à época, o então seminarista da Igreja Presbiteriana Independente e hoje teólogo e professor de ciências da religião na Umesp, Leonildo Silveira Campos, preso por dez dias pela Oban, em 1969, não esqueceu o método evangelístico do pastor Pontuschka.

Pai de quatro filhos, Anivaldo Padilha, 71 anos, só veio a conhecer o seu filho Alexandre, hoje ministro da Saúde do governo da presidenta Dilma Rousseff, aos oito anos de idade. Em mais de 20 dias de tortura, em fevereiro e março de 1970, no DOI-Codi de São Paulo, o então estudante de ciências sociais da Universidade de São Paulo, com 29 anos de idade e ligado à Igreja Metodista, chegou a pensar em suicídio. Libertado depois de dez meses de prisão, Anivaldo partiu para o exílio, de 13 anos, no Uruguai, Suíça e Estados Unidos.

“Eu tinha muito medo do que ia sentir na pele, mas principalmente de não suportar e falar. Queriam que eu desse o nome de todos os meus amigos, endereços” relatou Anivaldo ao repórter da IstoÉ. Ele descobriu seus delatores há cinco anos, ao ter acesso a documentos do antigo Sistema Nacional de Informações. Quem o delatou foram o pastor José Sucasas Jr. e o bispo Isaías Fernandes Sucasas, da Igreja Metodista, já falecidos, aos quais Anivaldo era subordinado.

Nos anos de chumbo, controlados pelos militares, pedir justiça aos excluídos, defender a reforma agrária e manifestar preocupações sociais eram coisas de comunistas, apoiados pelo movimento ecumênico.

“Fui expulso, com mais oito colegas, do Seminário Presbiteriano de Campinas, em 1962, porque o nosso discurso teológico de salvação das almas passava pela ética e a preocupação social”, contou à IstoÉ o mineiro Zwinglio Mota Dias, 70 anos, pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (IPU).

Dos 54 estudantes matriculados no seminário teológico de Campinas, 39 foram expulsos em 1967. No mesmo ano, a Igreja Metodista fechou a Faculdade de Teologia de São Paulo e expulsou estudantes e professores. O pastor Boanerges Ribeiro, presidente da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), promoveu uma “depuração interna” na igreja em 1965. A Igreja Presbiteriana Independente (IPI) expulsou dez seminaristas em 1968.

Dois anos depois, a Federação Luterana Mundial cancelou assembléia geral que realizaria em Porto Alegre porque, entre outros motivos, a igreja brasileira convidara o presidente da República, general Emílio Garrastazu Médici, para a abertura do evento. Líderes luteranos negavam, então, a existência de práticas de tortura no Brasil.

Vários evangélicos colaboraram com a máquina repressora da ditadura, delataram irmãos e assumiram o discurso do anticomunismo como a salvação do Brasil. “Eu acreditava ser impossível que alguém que se dedica a ser padre ou pastor, cuja função é proteger suas ovelhas, pudesse dedurar alguém”, confessou Padilha.

Nesses anos todos, Padilha descobriu, depois de se deparar casualmente, em festa de Carnaval, com um de seus torturadores, que o perdão é libertador.

"O perdão, para mim, foi uma forma de exorcizar os demônios das torturas que me causaram pesadelos durante quase seis anos. Há situações em que o perdão é mais importante para quem perdoa do que para quem é perdoado. No entanto, isso não significa que eu acho que os torturadores, seus mandantes e colaboradores não devam ser punidos. A punição deles é importante para resgatar a dignidade dos que foram torturados, da memória dos assassinados, das famílias que não puderam ainda sepultar seus membros desaparecido. Além disso, a impunidade contribui para que a tortura ainda seja praticada em larga escala nas delegacias e prisões brasileiras. Em suma, a punição representaria o resgate da dignidade da sociedade brasileira que foi violentada por um regime autoritário", afirmou o metodista.

Dom Paulo Evaristo Arns e o pastor Jaime Wright serão lembrados no ato de repatriação dos documentos que estão de posse do CMI, que terá lugar em São Paulo, amanhã, na Procuradoria Regional da República. Eles foram os grandes articuladores do Projeto Brasil Nunca Mais.

O projeto Brasil Nunca Mais teve início em plena ditadura militar (1964-1985), quando grupo de religiosos e advogados tentou obter, junto ao Superior Tribunal Militar (STM), informações e evidências de violações aos direitos humanos, praticadas por agentes do aparato repressivo. Do projeto originou-se o livro com o mesmo nome – uma compilação com cerca de 5% de toda a documentação levantada no STM.

Os mentores do projeto – em especial a advogada Eny Raimundo Moreira e a equipe do escritório Sobral Pinto – perceberam que os processos poderiam ser reproduzidos, aproveitando-se do prazo de 24 horas facultado pelo Tribunal de retirada dos autos para consulta.

A ideia foi acolhida por Jaime Wright e dom Paulo, que resolveram comandar as atividades a partir de São Paulo. Os recursos financeiros para o projeto foram obtidos com o secretário-geral do CMI.

As cópias dos processos eram remetidas de Brasília a São Paulo. Diante da preocupação com a apreensão do material, a alternativa encontrada foi microfilmar as páginas e remeter os filmes ao exterior.

Após seis anos de trabalho em sigilo, a tarefa foi finalizada, com a reprodução de 707 processos, totalizando cerca de um milhão de cópias em papel e 543 rolos de microfilme. Foi produzido, ainda, um documento-mãe denominado "Projeto A", com a análise e a catalogação das informações constantes dos autos dos processos judiciais em 6.891 páginas dividas em 12 volumes.

Considerando a dificuldade de leitura e até de manuseio deste trabalho, foi idealizada a confecção de um livro que resumisse o documento-mãe em um espaço 95% menor. Para operacionalizar a tarefa, foram escolhidos os jornalistas Ricardo Kotscho e Carlos Alberto Libânio Christo (Frei Betto), coordenados por Paulo de Tarso Vannuchi.

Em 15 de julho de 1985, quatro meses após a retomada do regime democrático, foi lançado o livro "Brasil: Nunca Mais", pela Editora Vozes, publicação que mereceu destaque na imprensa nacional e internacional. O livro foi reimpresso 20 vezes somente nos seus dois primeiros anos. Atualmente, ele está na 37ª edição (2009).

22º dia de acampamento na Prefeitura

Padre faz Jejum há 5 dias



Hoje, terça-feira, completam 22 dias que moradores e apoiadores do Bairro Drummond estão acampadas na porta da Prefeitura de Itabira-MG para cobrar das autoridades a solução justa do conflito social que envolve a vida e a dignidade de mais de 300 famílias. (veja as FOTOS do acampamento).
Na semana passada, o Prefeito havia sinalizado que o Município poderia doar um terreno e material de construção para o reassentamento das famílias, porém o processo de negociação somente seria iniciado quando as famílias deixassem o acampamento na porta da Prefeitura. Assim, o Prefeito João Izael, que já fez várias promessas jamais cumpridas, quer que as famílias voltem para casa sem dar qualquer garantia de que a Polícia não irá cumprir a ordem de despejo.


Os moradores divulgaram então NOTA na qual apresentaram a contra proposta de levantar acampamento somente depois que fosse suspensa a ordem de despejo, formada comissão de negociação e firmado Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público, no qual a Prefeitura assegure o direito à moradia das famílias do Bairro Drummond.


Até o momento, não tivemos nenhuma resposta da Prefeitura que busca, de todas as formas, criminalizar nossa luta e jogar a população de Itabira contra os pobres da comunidade Drummond.


Diante do quadro dramático, o Padre José Geraldo decidiu pelo Jejum até que as autoridades tomem providências concretas para contornar a ordem de despejo forçado, com data limite de 31 de julho próximo.

A Comunidade Drummond segue em luta, denunciando para o Brasil e o mundo a violência que está em vias de ocorrer contra as centenas de famílias que vivem há 11 anos em situação de insegurança da posse, construindo seus sonhos sobre uma terra que estava em estado de completo abandono, com milhões de reais de dívidas em impostos, em ofensa direta ao princípio constitucional da função social da propriedade (art. 5º, inc. XXIII).

Contribua com a resistência enviando mensagem de repúdio ao despejo para o Prefeito João Izael (PR), clicando AQUI. Ao final, segue mensagem resumida que pode servir de modelo.


Sugerimos que manifestações de repúdio também sejam encaminhadas aos endereços de email do Governador do Estado de Minas (governadorgab@governo.mg.gov.br) e do Presidente do Tribunal de Justiça (gapre@tjmg.jus.br) com cópia para brigadaspopulares@gmail.com


Pedimos ainda que este Comunicado seja repassado para seus contatos dando publicidade ao drama vivido pelos(as) itabiranos(as) que construíram com tanto sacrifício suas moradias na Comunidade Drummond.


Modelo de mensagem em repúdio ao despejo:


"Informado sobre a iminência de desalojamento forçado (despejo) de cerca de 300 famílias sem teto da comunidade Drummond, na cidade de Itabira, Minas Gerais, Brasil, venho manifestar meu repúdio e indignação diante da grave situação em que se encontram essas famílias. Dita comunidade, que se consolidou há mais de 10 anos, reflete o grave problema habitacional que vive o povo pobre do nosso país. No Bairro Drummond vivem centenas de crianças, mulheres, idosos, pessoas em vulnerabilidade social, vítimas de um conflito social que não pode ser tratado como caso de polícia. Sabe-se que o processo judicial que culminou na ordem de despejo (expedida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Itabira) é repleto de nulidades. É preciso serenidade, cautela e maturidade política. A legislação brasileira prevê inúmeros instrumentos jurídicos para regularizar casos como esse, a exemplo da desapropriação por interesse social mediante indenização. Recentemente, representante da Secretaria de Programas Urbanos foi à Itabira e disse que o Ministério das Cidades poderia aportar recursos federais para solucionar o impasse. Em tempos de Programa Minha Casa, Minha Vida, seria um absurdo despejar mais de mil pessoas sem qualquer alternativa digna. Esperamos que as autoridades, especialmente o Prefeito de Itabira, Sr. João Izael (PR), e o Governador do Estado, Antônio Augusto Anastasia, tenham a sensatez de dialogar e buscar uma saída negociada. O despejo forçado é ilegal, injusto e imoral. Exigimos que seja buscada uma solução justa para que tamanha violência não se consuma contra os(as) trabalhadores(as) de Itabira-MG".