quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Atendimento Pediátrico

Caros Colegas,
Estou trabalhando no Ambulatório Médico na Igreja do Carmo como voluntária. No setor da Pediatria contamos com médicas(os) da UFMG e UNIBH.

Assim temos muitas vagas para os atendimentos.
Para manutenção do trabalho pede-se uma contribuição de R$2,00 pela consulta
e não há limitação geográfica, atendemos crianças de qualquer bairro e da região
metropolitana.
Como é um projeto social, procuramos atender as crianças que
necessitam de atendimento e não estão conseguindo nos Centros de Saúde.
Percebemos que são poucas as pessoas que sabem sobre esse trabalho.
Ajudem-nos a divulgá-lo.
"Estamos com vagas para atendimento, enquanto os postos de saúde estão lotados."

Forte abraço,
Flávia.
Ambulatorio Carmo Sion
Av. N. Sra. do Carmo, 463 Sion
Fone: 3221-3055

sábado, 23 de outubro de 2010

Entre Serra e Dilma, o que está em jogo?

Frei Gilvander Moreira

Feliz quem consegue ler os sinais dos tempos e dos lugares e se posicionar do lado onde marcha o movimento em defesa da dignidade da pessoa humana e de toda a biodiversidade. No segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, de 4 a 31 de outubro de 2010, está acontecendo vários tipos de posicionamentos das pessoas e instituições, entre os quais destaco quatro: Uns se engajaram na defesa da candidatura de José Serra (PSDB-DEM); outros militam na defesa da candidatura de Dilma Rousseff (PT-PMDB), que poderá se tornar a primeira mulher a ocupar a Presidência da República do Brasil; outros dizem “somos a-políticos...”, “não somos partidários”, “nossa instituição não pode se posicionar...” e outros defendem o voto nulo.
Essas quatro posturas merecem algumas considerações. Primeiro, é mais cômodo ficar “em cima do muro”, o que pode ajudar a ver melhor os dois lados, mas é uma postura ingênua cúmplice do status quo, pois diante de conflitos estruturais acaba lavando as mãos como Pilatos. Mais: “o muro já é território do inferno”, diz um causo da sabedoria rabínica. Assim, quem se omite acaba cometendo um grande pecado, pois reforça a posição de quem tem mais poder econômico e midiático. Quem diz “não posso me posicionar, porque sou responsável por uma instituição que não deve se comprometer com candidatura A ou B” está também assumindo uma postura mais cômoda e corporativista, aquela que preserva o meu/nosso corpo, as instituições. Assim, o “eu” ou “minha instituição” passa a ser o fim maior. O outro, o próximo, fica em segundo plano. Em encruzilhada quem não se decide por um lado ou outro acaba se dando mal e comprometendo a vida de outros.
Segundo, os que se posicionam de forma fundamentalista e moralista acabam usando em vão o nome de Deus, o evangelho e a fé das pessoas. Blasfemam. Isso aparece em panfleto que coloca a assinatura de José Serra e a fotografia dele após a frase “Jesus é a verdade e a justiça” e quando se bate da tecla dizendo “Serra é do bem”. Isso mesmo: messianismo. É querer passar a ideia falsa de que é possível haver um salvador da pátria, é fortalecer o maniqueísmo que desqualifica o outro como sendo do mal e “eu sou do bem”. Assim mistifica o que não pode ser mistificado e revela o ódio que muitos da classe dominante têm em relação aos pobres.
Por defender a dignidade humana que estava sendo humilhada na ditadura militar-civil-empresarial, Dilma Rousseff sofreu por três anos no próprio corpo as agruras da tortura e dos cárceres dos tiranos que tratoraram 17 mil lideranças, cérebro da nação brasileira que estava se rebelando contra os ditames do capitalismo na década de 60 do século XX.
Terceiro, há o grupo que, de forma cidadã, se posiciona a favor de Dilma, ou de José Serra ou ainda defende o voto nulo. Fazem isso com argumentos históricos, éticos, filosóficos, sociológicos e políticos, defendem o que pensam ser melhor para o povo brasileiro. Aí, beleza! A construção de uma democracia real e verdadeira respeita e fortalece a liberdade de expressão e o debate de ideias e projetos de nação, o que ajuda a desfazer mitos, derrubar preconceitos, superar moralismos, dualismos, maniqueísmos, idealismos e posturas simplistas.
Mas por que tanta boataria e baixaria no segundo turno das eleições? Não é por acaso. Isso foi engendrado por quem quer ver a opressão de classe continuar no Brasil. Quem ganha e quem perde com o rebaixamento do nível da campanha eleitoral? Melhor seria que no segundo turno se apresentasse de forma aprofundada as propostas para se superar os grandes problemas sentidos pelo povo brasileiro nas áreas de alimentação, educação, saúde, meio ambiente, agricultura, reformas agrária e urbana etc. Gastar o tempo com acusações difamatórias beneficia quem não tem projeto, ou quem tem o pior projeto de governo, pois se for posto com transparência o que cada candidato e seus partidos farão, o povo, que não é bobo, certamente optará pelo melhor.
É do conhecimento de todos o que PSDB-DEM fizeram em oito anos de FHC na presidência e que estão fazendo em Minas e em São Paulo. Por outro lado, o povo está vendo o que o presidente Lula e o PT - com seus aliados - estão fazendo nos últimos oito anos no Brasil. A carta de Tiago, na Bíblia, diz “a fé sem obras é morta; mostra-me suas ações que direi que tipo de fé você tem.” (Cf. Tiago 2,14-25). Logo, faz bem não acreditar em boataria, em panfletos caluniosos e nem observar apenas o que dizem os candidatos, mas o que fizeram e fazem. Urge comparar o jeito de Lula-Dilma-PT governarem e o jeito de FHC-Serra-PSDB governarem. Há semelhanças entre PT e PSDB, mas há diferenças substanciais também. Chamo atenção para cinco pontos:
1) A política social do governo Lula é melhor do que a do FHC-Serra-PSDB-DEM. São 13 milhões de famílias que tiveram sua vida melhorada. Na era FHC, com Serra sendo ministro, a política social era inexpressiva. Dona Maria, uma senhora de 60 anos, andou 14 quilômetros à pé e chegou ao aeroporto de Montes Claros, MG, com uma nota de 50 reais na mão, e disse: “Soube pelo rádio que Lula ia chegar aqui agora cedo. Vim para agradecê-lo, pois se conheço esta nota e se posso almoçar e jantar todos os dias, com meus filhos e netos, agradeço ao governo Lula.” Não é por acaso que grande parte dos pobres preferem Dilma e a maioria dos ricos preferem Serra.
2) FHC-Serra-PSDB-DEM comandaram o maior processo de privatização de empresas estatais da história do Brasil. Precarizaram e, posteriormente, privatizaram dezenas e dezenas de empresas que eram patrimônio do povo brasileiro. Até a Vale do Rio Doce foi praticamente doada para a iniciativa privada. Hoje tramita na Justiça mais de 100 ações questionando o processo de privatização da Vale. Quiseram, mas não conseguiram privatizar a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, companhias de saneamento e universidades federais. Se não tivéssemos feito o Plebiscito Popular contra a ALCA – Área de Livre Comércio das Américas – e a implantação de uma base militar dos Estados Unidos em Alcântara, no Maranhão, FHC-Serra e PSDB teriam assinado a ALCA e os EUA estariam oficialmente com base militar dentro do nosso território.
3) A Política externa do governo Lula-Dilma é muito melhor que a política externa do FHC-Serra-PSDB-DEM. Países, tais como, Argentina, Paraguai, Bolívia, Equador e Venezuela, estão sendo apoiados pelo governo Lula. São povos empobrecidos que estão se levantando e autonomamente se libertando de tantas opressões. Uma eventual vitória de Serra seria desserviço do povo brasileiro aos pobres da América afrolatíndia. PSDB-DEM é arrogante no trato com os pequenos do Brasil e da América Latina, mas subserviente aos interesses do império dos Estados Unidos e das transnacionais. Lula-PT tem altivez nas relações com os grandes países e está aprendendo a respeitar a dignidade dos pequenos no Brasil e fora do Brasil. Exemplo disso, foi o aumento no valor do gás comprado da Bolívia e da energia comprada do Paraguai, via Itaipu.
4) Na era FHC-Serra-PSDB-DEM dá para contar nos dedos o número de criminosos de colarinho branco presos pela Polícia Federal. Mas em oito anos de governo Lula-Dilma, o contingente da Polícia Federal aumentou e mais de 2 mil servidores públicos, além de políticos profissionais, juízes, desembargadores, latifundiários e empresários foram presos pela Polícia Federal, após investigação séria que comprovaram crimes de colarinho branco. Logo, há ainda corrupção, mas antes quase não se investigava. Agora se investiga e prende. Falta o poder judiciário respeitar a Constituição Federal julgando e condenando os grandes criminosos que lesam o povo.
5) Na educação também podemos afirmar que há muito a se fazer, mas considerando os muros quase intransponíveis antes existentes e que impediam que a maioria da população tivesse acesso principalmente ao ensino superior, hoje temos de reconhecer que o governo Lula garantiu o direito ao ensino superior por meio de bolsas (PROUNI) e ampliando muito as vagas nas Universidades públicas. Um número grande de centros de formação profissional – os CEFETs – multiplicaram-se Brasil a fora. Houve efetivos incentivos à formação de professores capazes de ministrar aulas nas comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas e em acampamentos assentamentos de reforma agrária. Houve a valorização da cultura popular e inter-racial por meio da educação. Além de revigorar as Universidades Federais, outras 13 Universidades Federais foram criadas com centenas de Campus.
Por tudo isso, defendo o nome de Dilma e apoio um Projeto Popular para o Brasil, que ainda está longe de ser concluído, mas que passa por um caminho a seguir: o da eleição de Dilma Rousseff para a Presidência do Brasil. A partir dos pobres, dia 31 de outubro de 2010, votarei - e aconselho - 13, Dilma.
Em tempo, espero que a convergência que está acontecendo em torno da Dilma e o desinstalar-se de quem estava acomodado possam acontecer após as eleições, pois a grande política deverá ser feita cotidianamente mediante o exercício de cidadania e soberania popular.
Belo Horizonte, 22 de outubro de 2010

Subsídio da PBH viabiliza Minha Casa, Minha Vida

Prefeitura injeta R$ 8,5 milhões na construção de 1.470 apartamentos de cinco residenciais no Bairro Jardim Vitória


Juliana Gontijo - Repórter - 22/10/2010 - 14:09


Os primeiros contratos do programa habitacional federal Minha Casa, Minha Vida voltados para atender famílias de zero a três salários mínimos na capital mineira, que somam R$ 76,7 milhões, foram assinados ontem, no Salão Nobre da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).

Os empreendimentos para esta categoria, que esbarram no teto estipulado, que é de R$ 46 mil por unidade em Belo Horizonte - considerado baixo pelas construtoras -, foram viabilizados pelo subsídio da administração municipal, que vai investir R$ 8,5 milhões em recursos próprios, conforme o prefeito Marcio Lacerda.

Serão cinco residenciais (Hibisco, Recanto do Beija Flor, Esplendido, Recanto dos Canários e Figueira), construídos no Jardim Vitória, Região Nordeste de Belo Horizonte. Ao todo, o projeto totaliza 1.470 apartamentos.

O Minha Casa, Minha Vida foi anunciado em março de 2009. As operações em todo o país começaram a ser desenvolvidas no dia 13 de abril do ano passado. “É preciso um pouco de paciência, pois tivemos problemas em razão da topografia do município, que encarece as construções, além da influência dos terrenos escassos e caros”, disse o prefeito.

Lacerda detalhou que a PBH vai subsidiar cerca de R$ 5 mil por unidade, além de R$ 1,2 milhão que serão investidos na via de acesso. Lacerda ressaltou que os empreendimentos deste tipo levam de 12 a 24 meses para serem construídos. “Acredito que o mais provável é que as obras sejam finalizadas em 18 meses”, observa.

O diretor comercial da construtora Emccamp Residencial, André de Souza Lima Campos, ressaltou que os valores do Minha Casa, Minha Vida precisam ser revistos. “O Ministério errou feio na definição dos preços. Os empreendimentos só se tornaram viáveis na capital graças ao apoio da prefeitura de Belo Horizonte”, frisa.

Para ele, assim como defende o Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), o programa do Governo federal só é viável para a faixa de zero a três salários mínimos com imóveis orçados em R$ 56,1 mil por unidade.

Campos disse que a defasagem dos valores não acontece apenas em Belo Horizonte. “No Rio de Janeiro, cujo valor para a faixa de zero a três salários é de R$ 51 mil, já está começando a ficar inviável, em razão da valorização dos imóveis”, observa. Ele lembra que a data-base utilizada para a definição dos preços dos imóveis é de dezembro de 2008.

Ele salienta que a Emccamp, que está no mercado há 30 anos e vai realizar obras do programa na capital, tem como foco empreendimentos voltados para famílias com renda de até seis salários-mínimos. “Vamos lançar em São Paulo 3 mil unidades que se enquadram no programa Minha Casa, Minha Vida. E temos cerca de 8 mil unidades do programa que estão sendo construídas no Rio de Janeiro”, ressalta. De acordo com Campos, os imóveis só estão sendo viabilizados graças aos terrenos que foram adquiridos no passado, com preços mais em conta.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A moradia do pobre ameaçada

A realização de grandes eventos esportivos vem sempre acompanhada por violações aos direitos humanos. Especificamente no setor de moradia, os problemas sobressaltam-se ainda mais. Isso é o que conclui a relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik.
Para ela, as comunidades mais atingidas e desrespeitadas por grandes eventos esportivos são justamente as de menor renda. A relatora da ONU cita exemplos de remoção em massa no Cazaquistão, na Índia e na China, por conta de eventos desse tipo.

Rolnik destaca que, por meio de mobilização popular, ainda é possível evitar os despejos autoritários tão comuns no Brasil. E isso já está ocorrendo. Organizações sociais urbanas de todo o país realizaram, entre os dias 20 e 24 de setembro, a Jornada de Lutas Nacional contra Despejos.

Potencializadas, agora, pela realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas, em 2014 e 2016, respectivamente, as remoções massivas de comunidades pobres, em decorrência de obras de infraestrutura, tendem a se intensificar. Em entrevista, Rolnik elucida essa e outras questões.


Brasil de Fato – Trata-se de um mito o fato de que a realização de grandes eventos valorizam as cidades-sede e melhoram os indicadores socioeconômicos?
Raquel Rolnik – A pergunta central que deve ser feita é “benefício para quem?”. Esses grandes eventos esportivos geram oportunidades de negócios. Isso implica uma movimentação do ponto de vista dos negócios, da dinamização econômica dessas cidades. Agora, toda a discussão é quem será beneficiado por isso. E a resposta vai depender fundamentalmente do conjunto de políticas que serão implementadas por essas cidades e, nos eventos de jogos olímpicos, no Rio de Janeiro. Vamos depender muito da capacidade de organização da sociedade civil. Um exemplo é o caso da cidade de Vancouver, no Canadá, sede dos Jogos Olímpicos de Inverno, ocorridos em fevereiro de 2010, que tinha uma proposta inicial e que teve toda uma mobilização social que obrigou os promotores do evento a reverem seus planos e suas posições e incorporarem uma agenda muito mais social a partir dessas intervenções.


Você destaca em sua relatoria da Organização das Nações Unidas (ONU) que um dos setores que serão mais atingidos será o da moradia. Mas os projetos urbanísticos relacionados às cidades-sede da Copa do Mundo no Brasil poderão sofrer mudanças com mobilização social, sobretudo os relacionados à moradia?
Isso é uma questão constante nas cidades que sediaram eventos desse tipo. A remoção em massa, decorrente das grandes obras, não somente da construção ou reforma de estádios, mas também das obras de infra-estrutura em conjunto, promovendo reurbanização e melhorias na mobilização das cidades, atinge especialmente as comunidades de mais baixa renda e os assentamentos informais. Eles são muito vulneráveis às situações de remoção na medida em que a situação da propriedade é muito menos reconhecida no âmbito jurídico do que a propriedade privada registrada no cartório.

Ou seja, quando as obras de infraestrutura ligadas aos estádios envolvem propriedades privadas, vão envolver compensação, vão envolver um pagamento em relação àquela casa e muitas vezes o pagamento é razoável. O que acontece é que quando se trata de comunidade de baixa renda, normalmente, os direitos são muito pouco reconhecidos, mesmo o direito à moradia estando escrito na Constituição, como no caso brasileiro.

Nós já estamos assistindo às propostas de remoção em Belo Horizonte (MG), em Fortaleza (CE), no Rio de Janeiro (RJ), em São Paulo (SP). Em várias cidades do Brasil isso já está acontecendo sem a adequada compensação com propostas de assentamento. Até o momento isso é um dos grandes problemas, dos grandes perigos na realização desses eventos aqui no Brasil, violações no campo do direito à moradia.


Você sabe quantidade de famílias que já foram ou serão atingidas?
Eu estou tentando montar uma base de dados. Mas não há informação, é uma caixa preta. Como é possível que projetos que estão sendo apresentados para acontecerem por cima de comunidades sequer disponibilizam a informação de quantas famílias vão ser afetadas, e qual será o destino dessas famílias. Essa informação não existe, ela não está disponível.

O que eu sei, inicialmente, é que, no Rio de Janeiro, sessenta comunidades seriam de alguma forma atingidas por obras ligadas à Copa do Mundo a às Olimpíadas. Isso pode ser parcialmente, pode ser totalmente. Mas quantas pessoas estão nessas comunidades, qual o tamanho delas, o que irá acontecer, nada disso se sabe, não se tem dados. E isso é o elemento básico na questão do direito à moradia, que é o direito de todos os atingidos de saber quando tal projeto fica pronto, qual a proposta, e o direito, inclusive, de participar da discussão de alternativas dessas propostas. Sempre têm alternativas que vão remover menos, o contrário do que está acontecendo no Brasil hoje.

Se há essa caixa preta sobre os impactos sobre a população, então há muito menos informações sobre os recursos que seriam destinados a essas comunidades, e a melhoria e ampliação dos equipamentos públicos que serão utilizados no local onde essas pessoas serão alocadas.
Tenho acompanhado todos esses projetos para a Copa e isso posso te dizer com muita segurança. Acompanho os protocolos que têm sido assinados entre o governo federal, os governos estaduais e prefeituras que envolvem a Copa do Mundo. Nenhum deixava claro qual será o destino da família. O meu grande temor é que a maior parte das famílias receba simplesmente o “cheque-despejo”. Joga na mão delas um cheque, às vezes, de R$ 5 mil, de R$ 3 mil, de R$ 8 mil, que todos nós sabemos que é absolutamente insuficiente para sequer comprar um barraco de favela.


Num processo sem discussão, essas famílias ficam sem escolha. É o que aconteceu na Copa da África do Sul, não?
É inadmissível que no Brasil, considerando a importância dos movimentos sociais por moradia, da luta pela terra, mesmo assim, nós vamos repetir aqui o que, por exemplo, acabamos de testemunhar na Índia, em Nova Deli, as consequências das reformas urbanas causadas pelo Commonwealth Games [que ocorrerão entre os dias 3 e 14 de outubro]. No Cazaquistão, em decorrência dos Jogos Asiáticos de Inverno (2011), na África do Sul, por causa da Copa do Mundo, especialmente na Cidade do Cabo, e na China, devido aos Jogos Olímpicos de Pequim, de 2008, ocorreram desrespeitos semelhantes em relação à moradia.


O que aconteceu?
É muito difícil ter os números exatos para dizer exatamente quantos foram os atingidos. Se fala num número de um milhão de pessoas removidas em função, não apenas das estruturas dos Jogos Olímpicos de 2008, mas também por causa de toda a transformação urbanística da cidade. Normalmente, na política chinesa, as famílias são removidas para conjuntos habitacionais na extrema periferia da cidade.

Mas a situação chinesa é melhor do que essa que testemunhamos em Nova Deli, por causa do Commonwealth Games, onde favelas foram inteiramente removidas e simplesmente não houve nenhuma alternativa de reassentamento para milhares de famílias.

No Cazaquistão, onde eu acabei de estar agora, para construir os estádios que serão utilizados pelo Jogos Asiáticos de Inverno, muitas famílias que viviam em assentamentos informais e que foram removidas receberam uma compensação financeira, mas essa compensação foi completamente insuficiente para elas poderem adquirir uma moradia digna com esses recursos. Estou falando de duzentas, trezentas famílias.

No caso da África do Sul, a localidade que eu acompanhei mais foi a Cidade do Cabo, onde existia uma favela enorme, com 20 mil moradores. O governo já havia, há muitos anos, anunciado a intenção de urbanizar essa favela. E o que acabou acontecendo é que pessoas que foram removidas para habitações temporárias – para que ficassem nessa condição provisória até a reurbanização e redesenho do assentamento – até hoje permanecem nessa condição provisória. Muitos residem em “casas” que apelidadas “microondas”, porque são contêineres feitos de metal. Os prédios novos nesse assentamento acabaram não indo para a população que morava lá antes, mas sim para uma população de maior renda.

Tudo isso são exemplos de como a questão da moradia tem sido tratada em decorrência de grandes eventos. E é tudo o que se prenuncia no Brasil se rapidamente não houver uma mobilização dos próprios assentados e de todas as redes de movimentos sociais para induzir a realização de uma política de direito à moradia.


O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é a instituição que, em teoria, deveria fomentar o desenvolvimento social do país.. Afinal de contas, não seria a grande oportunidade dele exercer sua função social em relação a essa questão da moradia?
Essa questão do BNDES é ainda mais grave do que o modo como você está colocando. O governo brasileiro assumiu a posição de que o dinheiro público seria utilizado para obras de infraestrutura e mobilidade. Em relação aos estádios, seria pegar empréstimos de um banco público para investir nos estádios e, ao investir nos estádios, depois pagar de volta ao banco. Ele estaria atuando exatamente como ele atua hoje em vários ramos empresariais. Isso já acontece. Entretanto, está entrando dinheiro público sim, de uma maneira completamente indireta, mas eu vou citar alguns exemplos.

É o caso do estádio do Atlético Paranaense, em Curitiba. O Atlético, um clube privado, que teoricamente iria fazer a reforma de seu estádio, falando que iria se endividar, não iria pegar dinheiro do BNDES de acordo com que a FIFA pedia. Tem esse detalhe. A Fifa é a entidade mais corrupta de que se tem notícia. Ela consegue ser mais corrupta do que os governos. A Fifa exige reformas muito além do necessário, porque isso gera caixinha para seus dirigentes.
Tantos os projetos de reforma da Arena da Baixada, do Atlético Paranaense, e do estádio do Morumbi, do São Paulo, são semelhantes. Os dois clubes fizeram a proposta de reforma, que ia custar menos do que a Fifa queria, entre R$ 200 e R$ 300 milhões. A Fifa virou e falou que não, que não podia ser essa reforminha, teria que ser uma reforma maior, que gastasse algo em torno de R$ 500 milhões. No caso da Arena da Baixada, eles trabalham com o potencial construtivo do terreno [títulos imobiliários disponibilizados pela prefeitura de Curitiba e pelo estado do Paraná para promover a participação de investidores privados. A construtora que será contratada pelo Atlético Paranaense terá esses títulos como fiança. O valor máximo do potencial a ser cedido ao clube é R$ 90 milhões] onde está a arena, de modo que o investidor que está ali possa vender esse potencial construtivo, algo completamente delirante do ponto de vista jurídico.


Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito à moradia adequada

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Reflexão de Dom Walmor: A gramática das urnas

As urnas, neste primeiro turno das eleições, desenharam uma gramática cuja sintaxe traz o desafio de ser destrinchada e compreendida. Uma complexa tarefa que inclui diferentes intérpretes, desde os analistas políticos, partidos, especialistas de variados campos do saber, entrelaçando a opinião pública, até os marqueteiros com suas incursões nos propósitos de exitosos resultados. Contudo, a interpretação argumentada mais importante é aquela do eleitor que voltará às urnas no segundo turno. Não só. Está posta a exigente tarefa de configurar o mapa atual do Congresso Nacional e também das assembleias legislativas. Não é bom relegar o acompanhamento dos executivos estaduais com suas tarefas e obrigações de intervenção mais rápida e determinante nos problemas de infraestrutura e necessidades básicas da população. A tarefa de acompanhar, promover o diálogo e participar das discussões que definem as políticas públicas, é o lado exigente da condição cidadã de ser eleitor. Nessa direção há que se avançar de modo político mais amadurecido enquanto se compreende que o eleito, no exercício de sua função, está a serviço da sociedade e de suas necessidades, sempre ancorado na justiça social e no direito.

Sem esse monitoramento e permanente discussão em fóruns, comitês e grupos de acompanhamento, cria-se a situação propícia de se deixar que o serviço político perca sua finalidade, sendo regido por interesses cartoriais. Se a sociedade se omite e não se envolve nas necessárias discussões e vigilâncias, tratando de modo substantivo as questões e carências, abre portas para cenários deprimentes e abomináveis na política, permitindo que esta não dê conta de sua tarefa central, a de garantir a justa ordem da sociedade e do Estado. Adverte o Papa Bento XVI, na sua Carta Encíclica Deus Caritas est, n. 28, que assim sendo, o Estado não seria regido pela justa ordem e “reduzir-se-ia a uma grande banda de ladrões, como disse Santo Agostinho uma vez”. E ainda: “A justiça é o objetivo e, consequentemente, também a medida intrínseca de toda política. A política é mais do que uma simples técnica para a definição dos ordenamentos públicos: a sua origem e o seu objetivo estão precisamente na justiça, e esta é de natureza ética”.

A natureza ética da justiça, em se considerando o mapa das urnas no primeiro turno, e o que vai acontecer no segundo turno, de importância determinante para o futuro na sociedade brasileira, comprova um equívoco quando opiniões desclassificam ou desconsideram o papel da religião, dos grupos religiosos confessionais ao redesenhar o quadro político. Ouve-se por aí a opinião de que seitas e a Igreja Católica se envolveram indevidamente no processo eleitoral. É exato considerar essa participação indevida quando há mistura de caráter partidário com a inabilidade ao tratar candidatos de modo a influenciar preconceituosamente. Este é um risco que inclui uma compreensão que pode levar a uma idealização dos candidatos, com a conclusão de que nenhum é perfeito, portanto não merecedor de seu voto. Não se encontra candidato perfeito. Basta pensar que são candidatos de um partido com suas coligações. É claro que não vai se desconsiderar um dos inumeráveis aspectos que a gramática das urnas indicou: trata-se do anseio por pessoas com integridade que garantam um exercício adequado e indispensável da autoridade moral. Um anseio que aparece aqui e ali contracenando, de modo oposto, com escolhas que revelam protesto, sinal de descrédito.

Mas apareceram também as surpresas reveladoras do desejo de inovação. Voltando à participação eleitoral a partir dos valores nos quais a confissão religiosa se pauta, não se pode deixar de considerar a força advinda daí influenciando nos resultados. Não será, para não ser inadequada, uma influência partidária, nem aquela da constituição de bancada, não apreciada, decisivamente, pela Igreja Católica. Mas a influência da impostação ética, oferecendo critérios que respeitem o exercício soberano de escolha do eleitor, na sua liberdade e na sua capacidade de refletir e decidir. Não se pode estacionar na idealização de um candidato. As condições do candidato, iluminadas pela ética, que é e deve ser o coração da confissão religiosa, funcionarão como uma lâmpada iluminando o caminho - com seus altos e baixos, luzes e sombras - na gramática de sintaxe complexa que as urnas configuraram e estão exigindo novos entendimentos para definições adequadas na sociedade. É indispensável multiplicar diálogos em todos os níveis, debates e intercâmbios com analistas de campos diferentes e distintos pontos de vista na tarefa cidadã de compreender, decifrar e posicionar-se diante da gramática das urnas.


Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Condenação do Brasil na Corte Interamericana

CASO SÉTIMO GARIBALDI - nova Ter, 10 de Novembro de 2009 15:12
PARCIALIDADE E INOPERÂNCIA:
A TERCEIRA CONDENAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO NA
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS DA OEA

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INTRODUÇÃO

No dia 27 de novembro de 1998, vinte pistoleiros encapuzados entraram no acampamento do MST na Fazenda São Francisco, no município de Querência do Norte, região noroeste do Paraná. Armados e afirmando serem policiais, os homens iniciaram um despejo extrajudicial violento. O trabalhador rural Sétimo Garibaldi foi baleado na coxa e, sem atendimento, morre em seguida.

Quase cinco anos haviam se passado quando, em parceria com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as organizações Justiça Global, Terra de Direitos e Rede Nacional dos Advogados Populares (RENAP), diante da morosidade e da suspeita de conivência das autoridades responsáveis pela investigação e pelo processamento judicial do caso, iniciaram o trâmite no Sistema Interamericano de Direitos Humanos da OEA. Um ano depois, o caso ainda seria arquivado na Justiça Brasileira pela juíza Elisabeth Khater, sem a devida fundamentação.

Agora, passados onze anos do assassinato de Sétimo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA anuncia a sentença em que condena o Estado brasileiro pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, em prejuízo da viúva e dos filhos de Sétimo Garibaldi.

A OEA considerou o país culpado pela não responsabilização dos envolvidos no assassinato de Sétimo Garibaldi e afirmou que o caso expõe a parcialidade do judiciário no tratamento da violência no campo e as falhas das autoridades brasileiras em combater milícias formadas por fazendeiros.

É a terceira vez que o Estado brasileiro é condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos e a segunda que envolve crimes contra trabalhadores rurais sem terra no Paraná. Em agosto, a OEA havia responsabilizado o país por grampos ilegais contra integrantes do MST na mesma região do assassinato de Sétimo, em um caso que também teve participação da juíza Khater.

As sentenças condenatórias da OEA saem em um momento em que interesses políticos reforçam a criminalização e a perseguição ao MST. Há menos de um mês, foi instaurada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar supostas irregularidades em financiamentos do Governo Federal a entidades de promoção da reforma agrária.

MAIS SOBRE O CASO

A morte de Sétimo Garibaldi se deu em uma ação de cerca de 20 pistoleiros encapuzados que fizeram uma desocupação extrajudicial de um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Logo depois, policiais que haviam recebido denúncia do ataque prendem em flagrante Ailton Lobato, administrador da Fazenda Mundaí, com um revólver não registrado que tinha uma cápsula deflagrada. Apesar do flagrante, Lobato foi solto em seguida.

Com a conivência das autoridades locais, o inquérito do caso foi arquivado e ninguém foi denunciado, apesar dos indícios e das inúmeras testemunhas que garantiram que a ação foi comandada pelo fazendeiro Morival Favoreto e pelo capataz Ailton Lobato.

O caso do assassinato de Sétimo foi denunciado em 2003 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que foi informada ainda do posterior arquivamento não fundamentado do inquérito policial. Em 2007, a CIDH submeteu o caso à Corte, o que resultou, agora, na condenação do Estado brasileiro.



A juíza Khater e a parcialidade do judiciário

Quem deferiu o pedido de arquivamento do inquérito sem a devida fundamentação foi a juíza Elisabeth Khater, a mesma juíza que foi flagrada por um jornalista da Folha de S. Paulo comemorando com fazendeiros uma desocupação de trabalhadores. Foi Khater também que compactuou com os grampos ilegais em integrantes do MST na mesma região do assassinato de Sétimo. Este caso resultou, em agosto, na segunda condenação do Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA.






A CRONOLOGIA DO CASO SÉTIMO

27 de novembro de 1998 – Cerca de 20 pistoleiros encapuzados entram no acampamento do MST na Fazenda São Francisco às cinco horas da manhã, afirmando serem policiais; o grupo é chefiado por dois homens sem capuz. Sétimo Garibaldi recebe um tiro na coxa e morre sem atendimento. Logo depois, policiais que haviam recebido denúncia do ataque prendem em flagrante Ailton Lobato, administrador da Fazenda Mundaí, com um revólver não registrado que tinha uma cápsula deflagrada.

3 de dezembro de 1998 – Diversas testemunhas prestam depoimento e afirmam terem reconhecido Ailton Lobato e o fazendeiro Morival Favoreto como os homens sem capuz. Não sendo localizado Morival Favoreto para prestar esclarecimentos, o delegado Arildo de Almeida requere sua prisão temporária.

9 de dezembro de 1998 – Diante das evidências, o Ministério Público pede que sejam providenciadas diligências. A promotora Nayani Kelly Garcia afirma: “Conforme consta no inquérito, Morival foi um dos co-autores do homicídio da vítima Sétimo Garibaldi, tendo sido reconhecido por diversas testemunhas.”

14 de dezembro de 1998 – Elisabeth Khater, então juíza da Comarca de Loanda, apesar da argumentação do MP, INDEFERIU O PEDIDO DE PRISÃO com um simples despacho, sem a fundamentação necessária.

17 de dezembro de 1998 – Cezar Napoleão Ribeiro, escrivão de polícia, sustenta que o disparo da arma de Ailton Lobato havia sido feito para o alto por ele – Cezar – para que um veículo saísse do caminho, logo após a prisão em flagrante do administrador da Mundaí. Sem fundamento algum, disse que ninguém havia visto Lobato e Favoreto no ataque ao acampamento.

9 de março de 1999 – Morival Favoreto finalmente presta depoimento, mais de três meses depois do crime. Afirma que estava em São Bernardo do Campo - SP no dia do assassinato de Sétimo.

24 de março de 2000 – Em novo depoimento, Morival Favoreto afirma que a caminhonete usada no ataque ao acampamento, que estava registrada em seu nome, não lhe pertencia mais, tendo sido vendida em agosto de 1998 para Carlos Eduardo Favoreto da Silva, que, por sua vez, a revendeu para Clidenor Guedes de Melo em novembro. Nenhum dos dois seria chamado a depor.

28 de setembro de 2000 – Quase dois anos depois da morte de Sétimo, Eduardo Minutoli, primo de Morival Favoreto, afirma que este estava em São Bernardo do Campo em 27 de novembro de 1998.

25 de julho de 2002 – Quase quatro anos depois da morte de Sétimo, o médico Flair José Carrilho não pode afirmar com clareza que Morival Favoreto esteve de fato em seu consultório em São Bernardo do Campo no dia 25 de novembro de 1998, como havia sido sustentado.

6 de maio de 2003 – CPT, Justiça Global, MST, RENAP e Terra de Direitos enviam petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA denunciando morosidade nas investigações e suspeitas de conivência de agentes do Estado.

5 de fevereiro de 2004 – Inicia-se o processamento na CIDH.

12 de maio de 2004 – A despeito de todos os indícios da autoria do crime e dos álibis frágeis apresentados pelos acusados, o MP requere o ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL, depois de quase seis anos de inoperância. A juíza Elisabeth Khater defere o pedido sem fundamentação adequada.

24 de dezembro 2007 – Diante do não-cumprimento das recomendações da CIDH pelo Estado brasileiro, o caso do assassinato de Sétimo Garibaldi é submetido à CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS DA OEA.

20 de abril de 2009 – Menos de dez dias antes da audiência na Corte, o Ministério Público solicita a reabertura do caso.

29 e 30 de abril de 2009 – Audiência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em Santiago do Chile.

5 de novembro de 2009 – A Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA anuncia a sentença condenatória aos peticionários.

9 de novembro de 2009 – Iracema Garibaldi, Vanderlei Garibaldi e representantes das organizações e movimentos sociais peticionários se reúnem em Curitiba para anunciar à imprensa a condenação do Estado brasileiro.




O CONTEXTO

O caso aconteceu durante o governo de Jaime Lerner no Paraná, em meio a um processo violento de perseguição aos trabalhadores rurais e aos movimentos sociais paranaenses. Autoridades e ruralistas se uniram em uma campanha que resultou em um aumento dos índices de violência no campo no estado e que, através do uso da máquina do Estado, possibilitou atos de espionagem e criminalização contra trabalhadores organizados.


‘O Arquiteto da Violência’

Durante a “Era Lerner”, entre 1994 e 2002, foram assassinados 16 trabalhadores rurais no estado, além de consumadas 516 prisões arbitrárias. As mortes ocorridas neste período repercutiram internacionalmente e Lerner passou a ser chamado de “arquiteto da violência”, em referência a sua formação de urbanista e arquiteto. Além dos assassinatos, a Comissão Pastoral da Terra registrou na época 31 tentativas de homicídio, 49 ameaças de morte, 7 casos de tortura e 325 pessoas vítimas de lesões corporais em conseqüência de conflitos por terra.



A SENTENÇA

A Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA declarou, por unanimidade, que

o Estado violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial reconhecidos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em prejuízo de Iracema Garibaldi [viúva de Sétimo], [e aos filhos] Darsônia Garibaldi, Vanderlei Garibaldi, Fernando Garibaldi, Itamar Garibaldi, Itacir Garibaldi e Alexandre Garibaldi. (p.204)

A Corte apontou a morosidade das forças policiais e da Justiça. Para a OEA,

as autoridades estatais não atuaram com a devida diligência no Inquérito da morte de Sétimo Garibaldi, o qual, ademais, excedeu um prazo razoável. (p. 140)

A sentença é categórica em afirmar que

o Estado deve conduzir eficazmente e dentro de um prazo razoável o Inquérito e qualquer processo que chegar a abrir, como conseqüência deste, para identificar, julgar e, eventualmente sancionar os autores da morte do senhor Garibaldi. (p. 169)

E diz, ainda, sobre as suspeitas de imparcialidade e conivência de autoridades, que

o Estado deve investigar e, se for o caso, sancionar as eventuais faltas funcionais nas quais poderiam ter incorrido os funcionários públicos a cargo do Inquérito. (p.169)

A sentença prossegue e comenta os efeitos da não responsabilização dos envolvidos no crime:

A Corte não pode deixar de expressar sua preocupação pelas graves falhas e demoras no inquérito do presente caso, que afetaram vítimas que pertencem a um grupo considerado vulnerável. Como já foi manifestado reiteradamente por este tribunal, a impunidade propicia a repetição crônica das violações de direitos humanos. (p. 141)


Reparação

Como forma de reparação, a OEA obriga o Estado brasileiro a publicar trechos da sentença no Diário Oficial, em outro diário de ampla circulação nacional, e em um jornal de ampla circulação no estado do Paraná, além da publicação por um ano da íntegra da sentença em uma página web oficial adequada da União e do Paraná. Além disso, com a condenação o Estado se vê obrigado a indenizar a viúva e os filhos de Sétimo por danos morais e materiais e por custos com o processo judicial.


OUTROS CASOS RELACIONADOS

O assassinato de Sétimo Garibaldi foi um dos muitos casos de violência e perseguição a trabalhadores sem terra no Brasil. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA aceitou denúncia de quatro casos do Paraná, o que evidencia a parcialidade com que as autoridades policiais e o judiciário costumam abordar conflitos agrários no estado.

Grampos Ilegais - Além da sentença do caso Sétimo, o Brasil já tinha sido condenado em agosto deste ano na Corte IDH pela instalação e divulgação de grampos ilegais em integrantes do MST, em 1999. O caso também aconteceu em Querência do Norte e teve participação da juíza Elisabeth Khater (veja material informativo em www.global.org.br). O caso das interceptações telefônicas é exemplo emblemático de um processo de criminalização dos movimentos sociais que se intensifica a cada dia no Brasil.

Sebastião Camargo - Ainda neste ano de 2009, em junho, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos apresentou na Assembléia Geral da OEA relatório de mérito do caso do assassinato do trabalhador rural Sebastião Camargo, morto em fevereiro de 1998 (sete meses antes de Sétimo), também no noroeste do Paraná. A CIDH apontou a necessidade de uma investigação imparcial e efetiva do crime e acusou o Estado brasileiro de não cumprir suas recomendações.

O assassinato de Sebastião Camargo foi o primeiro de uma série de homicídios de trabalhadores rurais sem terra praticados por pistoleiros. Além dele e de Sétimo Garibaldi, foram assassinados Sebastião da Maia (1999), Eduardo Anghinoni (1999) e Elias Gonçalves Meura (2004), entre outros.

Antonio Tavares - Outro caso que tramita na CIDH é o assassinato de Antonio Tavares Pereira. Em 2000, cerca de 1500 trabalhadores rurais ligados ao MST se dirigiam à cidade de Curitiba para uma manifestação quando foram barrados com extrema violência pela Polícia Militar. Os agricultores foram obrigados a se deitar no chão e, na confusão, muitos ficaram feridos. Antonio Tavares foi baleado no abdômen e morreu em seguida.

A ATUAL CONJUNTURA DE CRIMINALIZAÇÃO

É notável a articulação feita entre setores conservadores da sociedade civil e do poder público para, através do uso do aparelho do Estado, neutralizar as estratégias de reivindicação e resistência das organizações de trabalhadores. O caso das grampos ilegais é emblemático. Em setembro de 2000, o Ministério Público do Paraná, através da promotora Nayani Kelly Garcia, da comarca de Loanda, emitiu parecer que afirma categoricamente que as ilegalidades no processo do caso das interceptações telefônicas “evidenciam que a diligência não possuía o objetivo de investigar e elucidar a prática de crimes, mas sim monitorar os atos do MST, ou seja, possuía cunho estritamente político, em total desrespeito ao direito constitucional a intimidade, a vida privada e a livre associação”.

A atuação do Ministério Público do Rio Grande do Sul também demonstra uma estratégia orquestrada da criminalização sofrida pelos movimentos sociais, em especial pelo MST. Em dezembro de 2007, o MP-RS iniciou uma ofensiva que tinha como intenção “extinguir” o MST, caracterizado como “organização criminosa de caráter paramilitar” e ignorado como um movimento social consolidado. Usando como base a Lei de Segurança Nacional – adormecida até então desde os tempos de ditadura militar – o MP gaúcho processou lideranças e proibiu que o movimento realizasse manifestações, colunas e passeatas, em clara violação à liberdade de manifestação. A decisão respaldou atos de espionagem e violências cometidas pela brigada militar do RS.

Recentemente, parlamentares, em associação com entidades ruralistas, aprovaram uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que teria o intuito de “investigar” financiamentos públicos recebidos por associações que atuam na promoção da reforma agrária no Brasil. O foco, mais uma vez, seria a deslegitimação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

PARA ENTENDER O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS DA OEA


A Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992, rege fundamentalmente o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Qualquer caso de violação aos direitos fundamentais descritos na Convenção Americana pode ser encaminhado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), desde que tenham sido esgotados os recursos da jurisdição interna do país referente ou que tenha havido uma demora injustificada nestes recursos. A CIDH tem a competência para analisar as questões que lhe são enviadas e formular recomendações aos Estados no intuito de que haja a reparação dos danos causados e a responsabilização dos envolvidos, e de que se evite que violações semelhantes se repitam.

Em caso de não-cumprimento destas recomendações, a Comissão pode decidir pelo envio do caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, uma espécie de segunda instância do Sistema de DH da OEA. Como um tribunal internacional, a Corte tem competência para julgar a responsabilidade do Estado signatário e determinar o cumprimento de suas resoluções.

O Brasil aceitou a jurisdição da Corte em dezembro de 1998. A primeira condenação ao Estado brasileiro se deu em 2006 e foi referente à morte violenta de Damião Ximenes em 1999 em uma clínica de repouso psiquiátrica localizada no município de Sobral, interior do Ceará. Em agosto de 2009, o país foi condenado no caso das interceptações telefônicas ilegais em integrantes do MST. O assassinato de Sétimo Garibaldi resultou na terceira condenação do Brasil na Corte.


fonte: JUSTIÇA GLOBAL - www.global.org.br

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Serra causou polêmica ao normatizar aborto

Em 1998, quando era ministro da Saúde, José Serra foi acusado de atender a grupos pró-aborto por normatizar a realização do aborto nos casos previstos em lei (risco de vida para a grávida ou gravidez após estupro).

A notícia é do jornal Folha de S. Paulo, 05-10-2010.

Mesmo permitido desde 1940, poucos serviços públicos faziam o aborto. A normatização deu respaldo político e técnico para que mais hospitais o realizassem.

O então deputado federal Severino Cavalcanti (PP-PE) apresentou um projeto de decreto legislativo para sustar a normatização. Para ele, Serra via "o ato de ceifar uma vida inocente" como "o esvaziamento da cavidade uterina".

Ele ganhou apoio de entidades contrárias ao aborto, mas o projeto foi derrubado.

Em 2001, o Ministério da Saúde começou a distribuir com Estados e municípios a pílula do dia seguinte. Serra ocupava a pasta. Entidades católicas foram a público dizer que a pílula é abortiva.

Inicialmente, a disponibilização estava concentrada em serviços de atendimento a vítimas de violência sexual.

Em 2005, já no governo Lula, o ministério ampliou a distribuição a postos de saúde, para atender também a outras mulheres que tiveram relação sexual desprotegida.

PT estuda tirar aborto de programa para estancar queda de Dilma entre religiosos

Acuado pela perda de votos de evangélicos na reta final do primeiro turno, o PT ensaia deixar de lado a defesa programática da descriminalização do aborto e já planeja retirar a proposta do programa do partido, aprovado em congresso.

A notícia é do jornal Folha de S. Paulo, 05-10-2010.

A medida deve ser discutida em reunião da Executiva do PT, como forma de responder aos rumores contra a candidata à Presidência, Dilma Rousseff, apontados como o principal motivo para o crescimento de Marina Silva (PV), contrária à legalização do aborto, e a consequente ida da disputa presidencial ao segundo turno.

O primeiro contra-ataque partiu do secretário de Comunicação do PT, André Vargas. "O Brasil verdadeiramente cristão não votará em quem introduziu a pílula do dia seguinte, que na prática estimula milhões de abortos: Serra", disse em seu Twitter.

A pílula do dia seguinte é um dos métodos contraceptivos criticado pela Igreja Católica e distribuída pelo Ministério de Saúde. Diferentemente do que Vargas sugere, sua adoção foi decidida antes de o tucano José Serra, rival de Dilma no segundo turno, ser titular da pasta.

O secretário de Comunicação do PT defende ainda o isolamento da ala do partido pró-legalização. "Agora é hora de envolver mais dirigentes na campanha. Foi um erro ser pautado internamente por algumas feministas. Eu e outros fomos contra".

Um dos coordenadores da campanha de Dilma, José Eduardo Cardozo, reconhece que a resolução do PT, pró-descriminalização do aborto, não é unânime no partido e não é a posição de Dilma.

Antes de ser candidata, Dilma defendia abertamente a descriminalização da prática - o fez, por exemplo, em sabatina na Folha em 2007 e em entrevista em 2009 à revista "Marie Claire".

Depois, ao longo da campanha, disse que pessoalmente era contra a proposta. Hoje, diz que repassará a discussão ao Congresso.

O tema se tornou tão incômodo que ontem, ao "Jornal Nacional", Dilma o citou mesmo sem ter sido questionada (ela teve um minuto e meio para "dar uma mensagem aos eleitores"). "Eu tenho uma proposta de valores. Um princípio nosso de valorizar a vida em todas as suas dimensões".

A senadora eleita Gleisi Hoffmann (PT-PR) afirmou que a defesa da descriminalização do aborto pode até ser defendida por algumas alas do partido, mas pode "custar a Presidência da República".

Já o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), puxador de votos evangélicos, disse que chegou a perder votos porque defendia Dilma, que "erroneamente" era associada a afirmações anticristãs.

Além do PT, o PMDB também defende uma ação para combater a associação de Dilma ao tema aborto, que virou onda de e-mails e comentários em meios religiosos.

Os peemedebistas querem que a candidata divulgue, enfim, um programa de governo deixando claro ser contra a legalização.

Ontem, Dilma reconheceu que a campanha percebeu muito tarde a onda associando seu nome ao tema do aborto e a uma fala, que ela não disse, de que nem Jesus Cristo tiraria dela a vitória.

Sobre a presença do presidente Lula na campanha, Dilma não precisou seu papel. "O presidente Lula a gente não pode falar em dose, ele não é o remédio é solução", disse

Conjuntura da Semana. Balanço parcial das eleições 2010

A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos - IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Sumário:

O Brasil que sai das urnas
- Ganhadores e perdedores
- Marina Silva. Onda verde ou onda conservadora?
- Para quem irão os votos de Marina?
- Um segundo turno politizado?
- Governos estaduais e Congresso. Balanço das forças políticas
Conjuntura da Semana em frases

Eis a análise.

Ganhadores e perdedores

Apesar da indefinição de quem será o próximo presidente da República, um primeiro balanço, mesmo que parcial, das eleições de 2010 já é possível. As análises em profusão do day after eleitoral indicam que o maior vitorioso das eleições 2010 sequer irá para o segundo turno, no caso, uma vitoriosa: Marina Silva. Entre os perdedores até o momento encontram-se Dilma Rousseff pela razão óbvia de não ter liquidado a fatura no primeiro turno, e José Serra – aparentemente vitorioso por ter ido segundo turno, mas ao mesmo tempo perdedor porque de nome competivivo da oposição dependeu de uma terceira candidatura para se viabilizar na continuidade da disputa.

No balanço de ganhadores e perdedores sob a perspectiva partidária, o maior derrotado é o DEM que diminuirá significativa sua presença no Congresso e o maior ganhador o PT considerando-se que terá a maior bancada na Câmara e um aumento significativo no Senado. PSDB e PMDB ao lado do PT, entretanto, permanecem como as principais forças políticas ainda mais quando se analisam os resultados das eleições para os governos estaduais.

Lula, até o momento é paradoxalmente perdedor e ganhador. Perdedor, por um lado, em função da estratégia de grande avalista de Dilma Rousseff. Toda a campanha de Dilma foi pendura nos feitos de Lula. O programa de governo de Dilma foi o ‘lulismo’. A não eleição do sucessor, no caso uma sucessora, no primeiro turno como muitos aguardavam é uma derrota pessoal de Lula.

Por outro lado, Lula é vitorioso considerando que a sua aposta pessoal se transformou em uma candidatura competitiva. Ainda mais: é incontestável que Lula conseguiu algo pouco comum no mundo da política que é a transferência de votos e essa transferência não se reduziu à candidatura à presidência, mas se estendeu a dezenas de candidatos aos governos estaduais e senadores. Particularmente no Nordeste, a participação de Lula foi devastadora para a oposição.

Marina Silva. Onda Verde ou onda conservadora?

A grande supresa das eleições é Marina Silva. Arrancou de um patamar de 10% para 20% e se tornou peça chave no quebra cabeça do segundo turno. Trata-se, sobretudo de uma vitória pessoal e não do partido. A surpreendente votação de Marina tem galvanizado as análises interpretativas. Houve mesmo uma onda verde? De onde vem o voto de Marina? É um voto progressista ou conservador? Para onde irão os seus votos? São algumas das muitas questões que emergiram logo após a abertura das urnas.

Aos poucos, as análises dão conta que o maior contigente de votos de Marina vieram por um lado da classe média e, por outro, de eleitores de periferias de grandes centros urbanos ligado a valores morais e religiosos. O voto urbano da classe média dado à Marina Silva – a candidata do PV teve votações expressivas em várias capitais – teria duas características: Por um lado, recebeu o voto de setores da classe média sensível a agenda ambiental. Por outro, setores da mesma classe média teriam sido seduzidos pelo discurso da candidata que se apresentou como terceira via e síntese do PT-PSDB. Esse discurso agradou setores da classe média por natureza antipolítica.

Marina teria sido ainda beneficiada pela campanha anti-Dilma. Lideranças católicas e evangélicas comandaram pregação do voto anti-Dilma na internet e em homilias, cultos e ações sociais das igrejas em várias regiões metropolitanas, principalmente em comunidades carentes. Em áreas em que foram detectados movimentos como esses, Marina teria sido beneficiada com votações acima da sua média nacional.

A votação em Marina tem recebido muitas interpretações. Uma leitura mais rigorosa ainda será feita com o exame minuncioso da estratificação social do voto – geográfica, de renda e religiosa. Trata-se de um voto ‘complexo’ como alguns vêm definindo.

Para o sociólogo Ruda Ricci, entrevistado pelo IHU, “Marina aparece com uma força política enorme pelo voto dos evangélicos, dos jovens e das mulheres indecisas que votaram nela no final. Essa é a grande novidade que não esperávamos nem de longe”, diz ele. “Para se ter uma ideia da força de Marina – destaca Rudá Ricci – em Belo Horizonte, a Marina venceu a Dilma e o Serra. Ela fez 41% dos votos”.

O assessor das pastorais e movimentos sociais Ivo Poletto, interpreta positivamente o resultado que coloca Marina em evidência, principalmente em função da contribuição política que apresenta a partir da agenda ambiental . Diz ele: “Trabalho no Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social, que articula uma série de entidades e pastorais. Nós sentimos que, no governo atual, e também na perspectiva do governo Dilma, essa dimensão de sustentabilidade, responsabilidade humana, mundial e planetária em relação às mudanças que devem ser feitas no tipo de economia que implementamos no Brasil, não está presente na perspectiva do projeto governamental apresentado pelo PT”.

Ivo Poletto comenta que “há muita gente nos movimentos sociais que questiona todo o encantamento em relação ao pré-sal, a loucura de querer continuar gerar energia elétrica fazendo grandes barragens na Amazônia, à transposição teimosa do São Francisco”. Segundo ele, “os movimentos e pastorais sociais têm a ver, inclusive, com o crescimento de Marina para que houvesse um segundo turno e aí, quem sabe, criar uma possibilidade de um diálogo político mais profundo em relação às opções que devemos fazer nesse período”.

“Não dá mais para ficar repetindo as mesmas coisas”, diz Poletto criticando o discurso economicista de Dilma e Serra. “Se a economia tem que crescer, se é preciso gerar empregos a partir de um aumento da capacidade dos ricos de investir, se é preciso manter o Brasil aberto aos dólares externos, então qual é a diferença entre Serra e Dilma?”, pergunta ele. O assessor das pastorias comenta que “as diferenças [entre Serra e Dilma] não estão tão evidentes assim” e destaca: “É bom lembrar o tema da próxima Campanha da Fraternidade, da Igreja Católica, que é A vida no planeta, cujo lema é A Criação geme em dores de parto. Isso quer dizer que, se qualquer um dos dois candidatos eleitos continuar com uma economia agressiva em nome de um progresso que nunca se socializa e só se concentra nas mãos de poucos, vai haver debate da parte da sociedade, e as igrejas irão questionar”.

A leitura positiva dos ‘votos verdes’ de Marina não é acompanhada por outras análises. A professora de comunicação da UFRJ, Ivana Bentes afirma que assiste-se a “uma espécie de emergência de um novo centro do Partido Verde, que já está presente em todo o mundo, que se alia a todo um pensamento liberal que tira da pauta a distribuição de renda, pobreza, precarização do trabalho em nome do discurso ecológico ‘zen-empresarial’ que me parece bastante redutor em termos do entendimento de uma série de questões”.

Segundo ela, “a pauta ecológica, então, aparece, mas de forma diluída e ligada a uma série de crenças liberais indicando o surgimento no Brasil de um partido de centro que não é uma esquerda comprometida com certas questões, como a pobreza, mas ainda com um discurso meio frouxo em relação ao ecologismo zen e inofensivo pela falta de aprofundamento desse debate”.

Essa caracterização do “voto verde” em Marina é partilhada por Vladimir Safatle, professor no departamento de filosofia da USP. Segundo ele, “com o programa econômico mais liberal entre todos, o PV apresentou o novo centro, com roupagem moderna", diz.

Safatle articula a agenda ecológica com o mundo financeiro e se vale para isso do filme Wall Street de Oliver Stone. O filme, diz o filósofo, “conta a história da crise financeira de 2008 tendo como personagem central um jovem especulador financeiro que parece ter algo semelhante ao que um dia se chamou pudor. Sua grande preocupação é capitalizar uma empresa, que visa produzir energia ecologicamente limpa, dirigida por um professor de cabelos brancos e ar sábio. O jovem especulador é, muitas vezes, visto pelos seus pares como idealista. No entanto, ele sabe melhor que ninguém que, depois do estouro da bolha financeira, os mercados irão em direção à bolha verde. Mais do que idealista, ele sabe, antes dos outros, para onde o dinheiro corre. Enfim, seu pudor não precisa entrar em contradição com sua ganância”.

Neste sentido, diz Vladimir Safatle, "Wall Street foi feliz em descrever esta nova rearticulação entre agenda ecológica e mundo financeiro. Ela talvez nos explique um fenômeno político mundial que apareceu com toda força no Brasil: a transformação dos partidos verdes em novos partidos de centro e o abandono de suas antigas pautas de esquerda”.

Na opinião do professor da USP, “no Brasil, vimos a candidatura de Marina Silva impor-se como terceira via na política. Ela foi capaz de pegar um partido composto por personalidades do calibre de Zequinha Sarney e fazer acreditar que, com eles, um novo modo de fazer política está em vias de aparecer. Cobrando os outros candidatos por não ter um programa, ela conseguiu esconder que, de todos, seu programa era o economicamente mais liberal. O que não devia nos surpreender. Afinal, os verdes conservaram o que talvez havia de pior em maio de 68: um antiestatismo muitas vezes simplista enunciado em nome da crença na espontaneidade da sociedade civil”, diz ele criticamente.

Vladimir Safatle conclui: “Não é de se estranhar que este libertarianismo encontre, 40 anos depois, o liberalismo puro e duro. De fato, a ocupação do centro pelos verdes tem tudo para ficar. Ela vem a calhar para um eleitorado que um dia votou na esquerda, mas que gostaria de um discurso mais "moderno". Um discurso menos centrado em conflitos de classe, problemas de redistribuição, precarização do trabalho e mais centrado em ‘nova aliança’, ‘visão integrada’ e outros termos que parecem saídos de um manual de administrador de empresas zen. Alguns anos serão necessários para que a nova aliança se mostre como mais uma bolha”.

Os votos em Marina, portanto, alimentaram-se por um lado de uma onda verde, interpretado por alguns como algo positivo na sociedade brasileira uma vez que critica o modelo neo-desenvolvimentista que dá as costas para a problemática ambiental. Nessa perspectiva esse voto é visto como progressista e politizado. Outros, como vimos, consideram o “voto verde” como um voto conservador e até mesmo despolitizado. Talvez haja um pouco dos dois elementos nos votos dados a Marina com essa caracterização. Por um lado, recebeu votos dos que a vêem como portadora de uma agenda nova que procura dar respostas à crise ecológica, por outro, daqueles que votam embalados pelo discurso do bussines ecológico patrocinado pelo capital.

Além dessa dupla caracterização do “voto verde” que teria recebido, Marina recebeu milhares de votos daqueles que a identificaram contra o aborto e contra a união matrimonial de homossexuais. Esse voto, em muitos casos, era anteriormente de Dilma e se deslocou para Marina.

Há, porém, para além do ‘voto verde’ e do ‘voto religioso’ em Marina, o voto daqueles que descontentes com PT e PSDB, ou rejeitando Dilma e Serra, votaram em Marina Silva. É preciso ter presente aqui o caso Erenice Guerra. Esse escândalo teria contribuido para o esvaziamento do debate político, na medida em que amplificado pela grande imprensa direcionou o debate para uma agenda udenista.

Por outro lado, o PT e o PSDB não privilegiaram o debate político. Os dois principais partidos sequer apresentaram na íntegra os seus programas - projetos - para o país. O PT apostou todas as sua fichas nas conquistas e avanços do governo Lula, prometendo que Dilma seria a fase 2 do governo Lula. Serra, por sua vez, correu atrás da agenda neo-desenvolvimentista do PT, prometendo que fará ainda melhor. O debate por demais gerencista e tecnicista estaria na base de parcela dos votos que também teriam migrado para Marina.

De qualquer forma, a interpretação do voto à Marina não é simples. Como diz Emir Sader, “a leitura desse eleitorado é complexa, nem de longe se trata de onda ecológica no Brasil – as outras votações dos verdes foram inexpressivas. Juntaram-se varias coisas, desde votos verdes, esquerda light, até votos anti-Dilma, votos desencantados com o Serra, entre outros. Mas o montante alto requer uma análise mais precisa”, comenta.

Na opinião jornalista Luiz Carlos Azenha, a onda verde, “não se deve apenas à sórdida campanha movida por religiosos católicos e evangélicos contra a candidata governista. Isso jamais renderia a Marina Silva mais de 18 milhões de votos!” diz o jornalista. Segundo ele, “por dados anedóticos, colhidos aqui e ali, é possível notar que Marina respondeu a uma aspiração dos jovens, que se mostraram fartos com a polarização PT/PSDB. Se assim for, a proposta do presidente Lula de promover a campanha em seus termos, ou seja, num confronto bipolar, fracassou nas urnas neste domingo”, diz. Na opinião do jornalista, “Marina Silva se projetou justamente nesse buraco negro da falta de politização”.

A ausência do debate político é compartilhada por Ivo Poletto: “No meu ponto de vista, acho que o mais emblemático foi a falta de um diálogo mais profundo no debate político. Vamos pura e simplesmente continuar a fazer o que estava sendo feito até agora? Não dá, porque a realidade está mudada e existem apelos mundiais, uma consciência crescente no mundo e no Brasil no sentido de que precisamos mudar, sobretudo, essa centralização absurda da política só na economia, deixando as outras dimensões de lado, não vendo relação entre a economia e os direitos sociais e, particularmente, dos direitos à terra. Essa falta de perspectiva cansou e deve ter sido o que influenciou as pessoas a não darem o voto para Dilma”, comenta ele.

Para quem irão os votos de Marina?

Há um intenso debate sobre o espólio eleitoral de Marina Silva. Para quem irão os votos dados a candidata do PV. Rudá Ricci acredita que ela é a “balança” do segundo turno. Na opinião da professora de comunicação da UFRJ Ivana Bentes, “quem votou na Marina por questões evangélicas, religiosas, de comportamento antiaborto, preocupada com a ascensão da classe C vai votar no Serra, afinal é um conservador. Assim, haverá uma divisão dos votos da Marina, uma parte para Dilma e outra, para Serra”.

Segundo ela, “muita gente está falando numa carta de compromisso e aliança entre PV e PSDB e isso parece previsível em termos políticos. Esse discurso ecológico zen tem toda uma visão empresarial descompromissada com uma série de pautas históricas. O cenário é esse. Os votos da Marina vão se reconduzir, se redirecionar para Dilma para quem têm as questões da ecologia como uma pauta necessária, mas dentro e aliada a discussões como distribuição de renda, proteção social, importância de projetos como o Bolsa Família, redemocratização da educação. Ou seja, uma política com os pobres”, destaca a professora.

Na análise de José Roberto de Toledo, jornalista especializado em pesquisas, “as pesquisas mostram que o eleitor de Marina está mais para Frankenstein do que para um conjunto harmônico. Uma parte é jovem, estuda na USP e celebra o discurso ambientalista de sua candidata. Desses, muitos se declaram agnósticos ou mesmo ateus. A outra face desse mesmo eleitorado é conservadora, tem baixa renda e baixa escolaridade e optou por Marina não pelo conservacionismo, mas pelo conjunto de dogmas religiosos embutidos na fé evangélica que ela professa”.

“Por esses motivos, diz ele, é mais razoável imaginar que, como fez até agora nesta eleição, o eleitorado de Marina decida, por diversos mas próprios motivos, em quem votará no segundo turno, sem ficar esperando uma orientação da candidata”. A senha foi dada pela própria Marina na mesma noite do dia 03 de outubro ao afirmar: "O voto não é de Marina, nem de José Serra, nem da Dilma. O voto, fora da visão patrimonialista das coisas, é do eleitor”.

Há um consenso de que os votos de Marina são sobretudo dados a ela e não ao partido. O PV não foi beneficiado dos quase 20 milhões de votos que Marina Silva recebeu na eleição presidencial. O PV não cresceu na mesma proporção. Registrou salto modesto na Câmara – de 13 para 15 deputados federais –, não fez nenhum governador e nenhum senador. "É um eleitorado mais dela do que do PV", analisa um assessor. "Além disso, não teria sentido, agora, começar a negociar cargos da maneira tradicional. A campanha de Marina teve uma proposta diferenciada e continua coerente”, diz.

Tudo indica, portanto, que os eleitores de Marina escolherão por conta própria em quem votar no segundo turno. Uma possível transferência dos votos para Dilma ou Serra poderá ser mais significativa apenas se Marina se posicionar. “Se ela [Marina] ficar neutra e o PV apoiar Serra ou Dilma, isso não vai ter tanta influência. Agora, se ela se decidir por um dos dois, aí, sim, pode ser que isso pese para quem votou nela antes. O PV não sai com capital político desta eleição; quem sai é a Marina”, diz o cientista político Paulo Baía.

O cientista político José Murilo de Carvalho comenta que “Marina é maior que o PV. Do mesmo jeito que o Lula é maior que o PT. Na reta final da campanha, ela já estava dona do partido”. Sabe-se que José Luiz Penna, o presidente nacional do PV prefere Serra. A jornalista Sônia Racy, comenta que “chamou a atenção na festa do PV, a ausência de José Luiz Penna. O clima teria ficado ruim para o presidente nacional do partido após sua declaração dando conta que o PV não ficará neutro no segundo turno. Partidários negam o mal estar dizendo: "Penna deu entrevistas até tarde da noite".

Diplomática, Marina tem dito que será iniciado um processo de consulta "aos movimentos sociais, ao empresariado moderno, à juventude, a acadêmicos e trabalhadores" e que, depois, as propostas serão levadas à convenção nacional. "Vou participar da convenção e firmar meu posicionamento. Não tenho posição a priori, mas vou ser coerente com as minhas convicções de que na democracia a gente tem que fazer com que os resultados sejam tão importantes quanto o processo", disse.

Na análise da jornalista Renata Lo Prete, e de muitos, “ainda que a senadora vá, tudo indica, abster-se de apoiar Dilma ou Serra, quem a conhece bem acredita que, na solidão da cabine, suas raízes falarão mais alto, e ela votará 13."

O apoio num segundo turno tem argumentado Marina, está condicionado à capacidade do candidato de aderir as suas plataformas de campanha. Para além da agenda verde e na busca dos votos de Marina, o PT estuda tirar o tema do aborto de seu programa.

Acuado pela perda de votos de evangélicos na reta final do primeiro turno, o PT ensaia deixar de lado a defesa programática da descriminalização do aborto e já planeja retirar a proposta do programa do partido, aprovado em congresso. Um dos coordenadores da campanha de Dilma, José Eduardo Cardozo, reconhece que a resolução do PT, pró-descriminalização do aborto, não é unânime no partido. Antes de ser candidata, Dilma defendia a descriminalização da prática. Depois, ao longo da campanha, disse que pessoalmente era contra a proposta.

"O PT tem posições muito radicais, que estão contra a média do pensamento brasileiro, um país cristão. Posso dizer que católicos e evangélicos ficaram muito preocupados com essa questão do aborto", disse Marcelo Crivella, bispo licenciado da IURD e senador reeleito pelo PRB-RJ. Segundo ele, "Padre e pastor podem ter dificuldade para pedir votos, mas tiram fácil, fácil. Um pastor falou, por exemplo, que Michel Temer (PMDB-SP), vice de Dilma, era satanista e isso se espalhou como rastilho de pólvora”.

Para os evangélicos, o PT subestimou boatos. Líderes evangélicos que apoiam Dilma Rousseff, criticaram o comando da campanha petista pela lentidão na resposta à onda de boatos na internet que confrontavam a candidata com valores cristãos. O deputado federal e presidente da igreja Sara Nossa Terra, o bispo Robson Rodovalho, disse que teria alertado “durante todo o processo” que mensagens apócrifas atribuíam a Dilma a frase “nem Cristo vai impedir que eu vença a eleição no primeiro turno”, entre outras acusações, mas a resposta do comitê só foi dada na última semana de campanha: “Avisei que havia essa fragilidade e que precisávamos estancar, mas faltou rapidez”.

Agora, por um lado, o PT arma ofensiva em busca do voto de cristãos. O trabalho para aproximar Dilma dos fiéis ficará a cargo de Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula, e do pastor Manoel Ferreira, que é deputado federal e presidente da Assembleia de Deus.

Por outro lado, lançará insinuações acerca da real posição de Serra e relação ao polêmico tema do aborto. O contra-ataque partiu do secretário de Comunicação do PT, André Vargas: "O Brasil verdadeiramente cristão não votará em quem introduziu a pílula do dia seguinte, que na prática estimula milhões de abortos: Serra", disse em seu Twitter. Em 1998, quando era ministro da Saúde, José Serra foi acusado de atender a grupos pró-aborto por normatizar a realização do aborto nos casos previstos em lei (risco de vida para a grávida ou gravidez após estupro).

Mesmo permitido desde 1940, poucos serviços públicos faziam o aborto. A normatização deu respaldo político e técnico para que mais hospitais o realizassem. Em 2001, o Ministério da Saúde começou a distribuir com Estados e municípios a pílula do dia seguinte. Serra ocupava a pasta. Entidades católicas foram a público dizer que a pílula é abortiva. Inicialmente, a disponibilização estava concentrada em serviços de atendimento a vítimas de violência sexual. Em 2005, já no governo Lula, o ministério ampliou a distribuição a postos de saúde, para atender também a outras mulheres que tiveram relação sexual desprotegida.

Um segundo turno politizado?

Há uma avaliação generalizada que as eleições no primeiro turno foram despolitizadas. O debate em torno dos programas foi substituído pelo 'lulismo'. Travou-se uma disputa para ver quem reunia melhores atributos para continuar o lulismo. Até Serra procurou se mostrar lulista. Quem não se recorda do esforço dos marqueteiros do PSDB em 'colar' a imagem de Serra à Lula?

Na opinião do jornalista Luiz Carlos Azenha, “a opção do PT, que parecia acreditar que bastava propagandear os feitos econômicos do governo — o que foi feito com competência na campanha televisiva — para garantir a vitória em primeiro turno fracassou”.

Ainda antes das eleições o sociólogo Luiz Werneck Vianna comentava: “Nessa sucessão, que transcorre em meio a uma melancólica apresentação de dados sobre indicadores sociais, a política é a grande ausente, em que os principais candidatos sequer revelam seus programas de governo e passam ao largo, em uma sociedade com suas tradições fincadas no autoritarismo político, das discussões sobre como aperfeiçoar a democracia entre nós”.

O sociólogo Emir Sader dá uma sugestão de qual deveria ser a estratégia do PT: “A campanha deve ser dirigida diretamente por Lula, deve ser centrada na comparação dos governos do FHC e do Lula, deve ter uma estratégia específica para o eleitorado da Marina e deve multiplicar os comícios e outros atos de massa – um diferencial importante entre as duas candidaturas”.

Há um indicativo que a estratégia do PT seja essa mesma, o que significaria uma politização do debate quando comparado ao primeiro turno. Em encontro em Brasília, nessa segunda-feira, que reuniu a base aliada ao governo Lula, Dilma na entrevista coletiva, afirmou que são dois projetos bastante diferentes representados por sua chapa e pela de seu oponente, José Serra (PSDB) nessas eleições: “Não é olhar para o retrovisor, mas dizer o seguinte: se este foi o seu governo, quem me garante que você não ira repeti-lo? (…) Essa eleição é discussão de projeto, queira o meu adversário ou não. Os projetos que cada um defende terão que aparecer”.

É bastante provável que entrem em cena com mais vigor na campanha os movimentos sociais que estiveram um tanto ausentes até o momento e contribuam para a politização do debate político tal como aconteceu em 2006. Parcela do movimento social, particularmente o movimento sindical integrou-se à campanha de Dilma Rousseff. Outros setores, entretanto, como as pastorais sociais e até o próprio MST participaram de forma tímida.

Na opinião de Ivo Poletto, esses setores não manifestaram publicamente a sua opção: “Por que fizeram isso? Porque, evidentemente, a maioria tem uma posição mais clara no que diz respeito ao ‘não’, ou seja, sabem o que não querem: a eleição de Serra e tudo aquilo que ele representa. Mas, ao mesmo tempo, não querem pura e simplesmente a continuidade do que tem sido o governo Lula, tanto na relação com os movimentos sociais, quanto em relação às chamadas prioridades da economia, com o PAC”.

Espera-se agora uma participação mais ativa dos movimentos sociais. Segundo Ricardo Gebrim, integrante da coordenação nacional da Consulta Popular, é hora dos movimentos voltarem às ruas: “Nós estamos ouvindo o conjunto da coordenação nacional e até o momento há uma forte unanimidade de que a gente tenha uma orientação clara e firme de todo esforço militante”.

Segundo ele, “agora é hora de voltarmos à rua, voltarmos com a militância, retomarmos as atividades de campanha e, principalmente, de conseguirmos articular com aqueles setores e aqueles companheiros e companheiras que acabaram votando na Marina ou em outros partidos e propostas não vinculadas à candidatura Serra. Então é hora de tentar aglutinar esses setores, somar o máximo de energia, porque nós não podemos permitir a vitória do Serra. A vitória para o Serra é uma derrota para classe trabalhadora. Por isso que nesse momento temos que procurar esse eleitorado, conversar com ele e demonstrar o perigo de uma vitória da direita. E esse perigo real tem que ser enfrentado de uma forma bastante militante. A campanha nessa fase entra numa fase militante”, destaca.

Governos estaduais e Congresso. Balanço das forças políticas

O PT, o PMDB e o PSDB saem mais fortes das urnas quando se analisa as eleições para os governos estaduais. Esses partidos elegeram em primeiro turno, quatro governadores cada e podem ainda aumentar o número de governadores em 31 de outubro, quando disputarão vários governos em segundo turno.

O PT elegeu Tarso Genro no Rio Grande do Sul, Jaques Wagner na Bahia, Marcelo Déda no Sergipe e Tião Viana no Acre. O PSDB elegeu Geraldo Alckmin em São Paulo, Antonio Anastasia em Minas Gerais, Beto Richa no Paraná e Siqueira Campos em Tocantins. O PMDB por sua vez elegeu Sérgio Cabral no Rio de Janeiro, Andre Puccinelli em Mato Grosso do Sul, Silval Barbosa em Mato Grosso e Roseana Sarney no Maranhão.

No segundo turno o PSDB tenta ampliar sua presença em Alagoas, Pará, Goiás, Piauí e Roraima. O PMDB disputará o segundo turno em Goiás, na Paraíba e em Rondônia e o PT tenta ampliar o número de governadores no Distrito Federal e no Pará.

Quando a análise se desloca, porém, para o Congresso o PT foi o grande vitorioso. O partido chega a 88 cadeiras e emplaca a maior bancada.

A evolução das bancadas na Câmara dos Deputados:




Como se pode perceber no quadro acima, o PT terá a maior bancada na Câmara dos Deputados. As outras legendas tradicionais que sempre tiveram presença significativa reduziram suas bancadas. Os dados estão sujeitos ainda a modificações dependendo das decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acerca dos votos dos políticos vetados pela lei Ficha Limpa.

Os dois principais partidos de oposição ao presidente Lula, PSDB e DEM, perderam juntos 34 deputados. A bancada oposicionista conseguiu apenas 111 cadeiras. O PV apesar da "onda verde" alavancada pela candidata Marina Silva não cresceu tanto na Câmara - saltou de 13 para 15 cadeiras. A “renovação” na Câmara foi de 43,7%. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoramento Parlamentar (Diap), a mudança foi a maior em 1990 - 62%. Em 2006, o porcentual atingiu 48,7%.

Na lista dos que não se reelegeram estão nomes de peso, como os tucanos paulistas Vanderlei Macris, Walter Feldman, Ricardo Montoro e Arnaldo Madeira. O PT também registrou baixa importante, com a não reeleição de José Genoino. Ainda ficaram de fora da próxima legislatura os deputados William Woo (PPS-SP) e Luiz Antonio de Medeiros (PDT-SP). No Rio, Marcelo Itagiba (PSDB) foi um dos que não conseguiram se reeleger.

A maior votação foi do palhaço Tiririca (PR-SP), 1,3 milhão de votos. Se destacaram ainda Garotinho (PR-RJ), com 694 mil; Manuela D"Ávila (PC do B-RS), com 482 mil; Ana Arraes (PSB-PE), com 387 mil, e Ratinho Jr. (PSC-PR), com 358 mil.

A relação de proporção de votos é encabeçada por Antônio Reguffe (PDT-DF), que obteve 18,95%. Ele é seguido por Márcio Bittar (PSDB-AC), com 15,34%; Marinha Raupp (PMDB-RO), com 14,23%; Teresa Jucá (PMDB-RR), com 13,39%, e Fátima (PT-RN), com 13,33%. O deputado federal menos votado foi o ex-big brother Jean Wyllys (PSOL-RJ), com 0,16% - se elegeu graças à votação de Chico Alencar.

Na eleição para o Senado, o PT aparece como o grande vitorioso. A bancada do partido pulou de 8 para 14 senadores, entretanto, o PMDB continuará a ser a maior força no Senado, passando de 17 para 20 senadores. Perdem senadores o PSDB e o DEM. Os Democratas com 13 senadores passará a contar com seis a partir de 1º de fevereiro de 2011. Já o PSDB, que conta com 14 senadores, contará com uma bancada de 11 parlamentares.

Somados PT e PMDB elegeram quase a metade dos senadores o que dará uma tranquilidade, caso eleita, a Dilma Roussef no Senado. Um grande tendão de Aquiles do governo Lula durante o seus oitos anos de mandato foi a dificuldade no Senado onde nunca conseguiu maioria. Dos 54 senadores eleitos, 43 são de partidos que integram a atual base governista, dez de oposição e um de sigla independente.

Outra novidade na eleição para o Senado é a derrota de vários “medalhões” da política nacional. Não retornam para o Senado nomes tradicionais da política brasileira como Marco Maciel (DEM), Tasso Jereissati (PSDB), Heráclito Fortes (DEM) e Arthur Virgílio (PSDB).

O Senado também perderá parlamentares importantes da base governista, que deixaram seus mandatos para concorrer a governos estaduais, como Aloízio Mercadante (PT-SP), Ideli Salvatti (PT-SC) e Hélio Costa (PMDB-MG). A nova legislatura, por outro lado, terá a representação de três ex-presidentes: José Sarney (PMDB-AP), Fernando Collor (PTB-AL) e Itamar Franco (PPS-MG). Também foram eleitos nomes de peso como Aécio Neves (PSDB), ex-governador de Minas Gerais e ex-presidente da Câmara dos Deputados. Outros ex-governadores que assumirão vagas no Senado são Roberto Requião (PMDB-PR), Eduardo Braga (PMDB-AM), Blairo Maggi (PR-MT), Marcelo Miranda (PMDB-TO), Jorge Viana (PT-AC) e Ivo Cassol (PP-RO).

Um nome na renovação do Senado é o de Marta Suplicy (PT-SP), ex-prefeita de São Paulo. Quem tentou voltar ao Senado e não conseguiu, entre outros, foi Heloísa Helena, presidente nacional do PSOL. Destaque-se que Jader Barbalho (PMDB-PA), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Ivo Cassol (PR-RO) podem não assumir devido à Lei da Ficha Limpa.

Em que pese à renovação de nomes para Senado, o mesmo terá perfil moderado. A bancada do PT que pula de 8 para 14 senadores, terá agora integrantes de perfil mais técnico e com atuação política forte nos bastidores. Se nas legislaturas passadas os parlamentares petistas tinham como principal marca a combatividade na atuação dentro do plenário, especialmente quando o partido era oposição ao governo federal, agora, depois de quase oito anos de administração de Lula, elegeram-se senadores com maior poder de articulação, como a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy (SP), o ex-governador do Acre Jorge Viana e o ex-ministro da Saúde, Humberto Costa (PE).

No bloco técnico, o PT passa contar com a paranaense Gleisi Hoffmann, casada com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e com José Pimentel (CE), que deixou o Ministério da Previdência Social para ganhar uma vaga de senador. Além disso, o ex-deputado baiano Walter Pinheiro chega ao Senado com a credencial de especialização nas áreas de telefonia, comunicação e agências reguladoras.

Conjuntura da Semana em frases

Pois não

“Em reunião na quarta-feira, representantes de igrejas sugeriram a Dilma que mencionasse Deus com mais frequência. Foi o que ela fez no dia seguinte, em sua última fala no debate” – Renata Lo Prete, jornalista – Folha de S. Paulo, 02-10-2010.

Um sinal

"Acho que o batismo é um sinal. Fui batizada e crismada, e acho que meu neto tinha de ser batizado" - Dilma Rousseff, candidata à Presidência da Repúbica - PT - Zero Hora, 02-10-2010.

"É a religião da minha família e a minha também" - Dilma Rousseff, candidata à Presidência da Repúbica - PT, dizendo-se católica - O Estado de S. Paulo, 02-10-2010.

Tensão na reta final

“O engajamento de vários bispos católicos e pastores evangélicos na campanha contra a petista Dilma Rousseff chegou a contaminar parcela do eleitorado. Por isso, no encontro com padres e pastores, na quarta-feira, em Brasília, foram gravados mais de uma dezena de vídeos de religiosos defendendo Dilma, que foram espalhados pelas redes sociais, via internet e YouTube. Os petistas avaliam que conseguiram conter a sangria” – Ilimar Franco, jornalista – O Globo, 03-10-2010.

Fundamentalismo

“Essa queda de Dilma e um crescimento de Marina Silva no final se deve ao recrudescimento do fundamentalismo religioso. É o efeito do púlpito nas igrejas” – Marcelo Déda, governador de Sergipe – PT – O Globo, 05-10-2010.

Radical

"O PT tem posições muito radicais, que estão contra a média do pensamento brasileiro, um país cristão. Posso dizer que católicos e evangélicos ficaram muito preocupados com essa questão do aborto" - Marcelo Crivella, bispo licenciado da IURD, senador reeleito PRB-RJ – O Estado de S. Paulo, 05-10-2010.

Padre e pastor

"Padre e pastor podem ter dificuldade para pedir votos, mas tiram fácil, fácil. Um pastor falou, por exemplo, que Michel Temer (PMDB-SP), vice de Dilma, era satanista e isso se espalhou como rastilho de pólvora” - Marcelo Crivella, bispo licenciado da IURD, senador reeleito PRB-RJ – O Estado de S. Paulo, 05-10-2010.

Maior

“Marina é maior que o PV. Do mesmo jeito que o Lula é maior que o PT. Na reta final da campanha, ela já estava dona do partido” - José Murilo de Carvalho, cientista político – O Globo, 05-10-2010.

Tranquilidade

"Os mercados estão absolutamente tranquilos" - Fábio Barbosa, da Febraban, afirmando não acreditar em grandes mudanças na política econômica ou monetária, seja eleito Serra ou Dilma – O Estado de S. Paulo, 05-10-2010.

Helicóptero x voadeira

"Ele [senador Arthur Virgílio] viajou todo o Estado de helicóptero. Eu ia de voadeira [barco a motor]" - Vanessa Grazziotin - PCdoB - eleita senadora pelo Amazonas; o tucano não se reelegeu - Folha de S. Paulo, 05-10-2010.

Clã Sarney

“Apadrinhado por Lula, o clã Sarney se sustenta como a verdadeira tiririca do nosso patrimonialismo” – Fernando de Barros e Silva, jornalista – Folha de S. Paulo, 05-10-2010.

Atraiçoados

"Eu e o Mão Santa [PSC-PI] tivemos os mandatos tomados" - Heráclito Fortes - DEM - PI -, que não se reelegeu senador e acusou adversários de uso da máquina pública - Folha de S. Paulo, 05-10-2010.

Derrotado pelo Lula

“Um balanço bem objetivo: não fui derrotado por Jaques Wagner, mas pelo presidente Lula. Ele e a ministra Dilma Rousseff vieram aqui à Bahia e acertaram que haveria dois palanques. Depois, o que se viu? Entraram de cabeça no palanque do Wagner” - Geddel Vieira Lima, ex-ministro do governo Lula – PMDB-BA – portal Ig, 04-10-2010.

Besteira

"Aqui a participação dele [Lula], que falou muita besteira, foi ruim para ele e muito boa para nós" - Raimundo Colombo, governador eleito de Santa Catarina – DEM – Folha de S. Paulo, 05-10-2010.

Luiz Henrique fez barba, cabelo e bigode

“O ex-governador Luiz Henrique (SC), senador eleito, ganhou tudo nestas eleições em Santa Catarina. Ele impôs o apoio do PMDB ao DEM, elegeu Raimundo Colombo (DEM) governador e Paulo Bauer (PSDB) senador, fez a maioria na Câmara e na Assembleia Legislativa e garantiu a vitória de José Serra. Os especialistas locais explicam que, além de ter voto, Luiz Henrique é um grande articulador político” – Ilimar Franco, jornalista – O Globo, 05-10-2010.

Adão e Eva

“Serra vai dizer que acredita em Adão e Eva! E Dilma vai usar adesivo na testa: "Lula é Jesus". Ou vice-versa!” – José Simão, humorista – Folha de S. Paulo, 05-10-2010.

Dois turnos

"A eleição tem dois turnos. Eu não ganhei no primeiro turno nenhuma eleição, nem em 2002 nem em 2006. Apenas vai demorar 30 dias a mais, 30 dias de luta. E vamos para a disputa. Não é fácil obter 50% de votos do povo brasileiro no primeiro turno. Ela está numa situação privilegiada" - presidente Lula - Folha de S. Paulo, 04-10-2010.

Minha cara

"Eu só lamentei que é a primeira vez que eu vou votar e não tem minha cara lá no telão desde que foram restabelecidas as eleições para presidente, em 89" - presidente Lula - Folha de S. Paulo, 04-10-2010.

Segunda eleição?

“Segundo turno não é uma segunda eleição. Quem votou em Dilma, por exemplo, não tem motivos para votar em Serra no segundo turno. A recíproca também é verdadeira. São raros os casos de candidatos que chegam atrás no primeiro turno e na frente no segundo. É natural, pois, que Dilma continue como favorita para suceder Lula” – Ricardo Noblat, jornalista – O Globo, 04-10-2010.

Lição de casa

“Edifício no Ibirapuera, em São Paulo, é inspecionado por assessores para abrigar o futuro instituto de Lula. Lá ficará instalado todo o acervo do presidente. Comentário de colaborador próximo: "Espero que ele se ocupe com isso" - Renata Lo Prete, jornalista – Folha de S. Paulo, 03-10-2010.

Não funcionou

“Os espectadores do debate na TV Globo se perguntavam por que Serra não investiu contra Dilma Rousseff. Explica-se: Serra supôs que Marina Silva fosse cuidar desse trabalho. Por ela e por ele. Enquanto lhe caberia o inadequado papel de pessoa pacífica. Não funcionou. Ali, pelo menos. No geral, saberemos logo mais” – Jânio de Freitas, jornalista – Folha de S. Paulo, 03-10-2010.

Ajuda collorida

"O Brasil está crescendo graças ao governo do presidente Lula, que foi auxiliado por sua ministra e a nossa futura presidenta, Dilma Rousseff, a quem peço que votem" - Fernando Collor de Mello – PTB, em comício de encerramento de sua campanha ao governo de AL – Folha de S. Paulo, 02-10-2010.

Numerologia

“Previsão postada ontem no Twitter de um internauta aliado de Marina: "É profético = 03/10/ 2010 = 03 + 10 + 20 + 10 = 43" - Renata Lo Prete, jornalista – Folha de S. Paulo, 02-10-2010.

Piada

“Disseram que eu sou brincalhão, mas a piada nesta eleição são eles. Eu não fiz piada nenhuma. Pela primeira vez, um candidato disse ao povo brasileiro o que não podia ser dito, o que eles três não dizem sobre os verdadeiros problemas do país” – Plínio de Arruda Sampaio, candidato à Presidência da República – PSOL – O Globo, 02-10-2010.

Exibido!

“Nossa, como o Aécio falava mal do Serra nos intervalos do debate na Globo. Pura vaidade. Só para dizer que é dono da derrota do candidato” - Jorge Bastos Moreno, jornalista – O Globo, 02-10-2010.

Mal comparando

“Entreouvido dia desses na área de embarque do Aeroporto de Congonhas: "A Webjet ainda vai nos fazer sentir saudades da Gol!" – Tutty Vasques, humorista – O Estado de S. Paulo, 02-10-2010.

Muito feia

“Foi uma campanha muito feia. Não só porque não teve nem um momento de grandeza sequer. Tudo foi chão, vazio, devedor” – Jânio de Freitas, jornalista – Folha de S. Paulo, 30-09-2010.

33 horas

"Os caminhões que a Mercedes importa da Alemanha para serem nacionalizados em Campinas foram produzidos por metalúrgicos que cumprem 33 horas semanais. Os ganhos tecnológicos são os mesmos, por que, então, trabalhamos 40 horas?” – Jair dos Santos, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas – Valor, 30-09-2010.

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“Não tem explicação o silêncio dos veículos de comunicação atingidos pela decisão judicial que proibiu a divulgação de pesquisas para o governo do Paraná” – Rosane de Oliveira, jornalista – Zero Hora, 29-09-2010.

Escala Weslian

“E a dona Weslian Roriz? Que esqueceu de confirmar. Aí o mesário chamou: "A senhora tem que confirmar". Ela esqueceu de confirmar porque quem confirma é o marido. Ela aperta e o Roriz confirma! E antes da votação declarou: "Tenho certeza de que vou para o primeiro turno". Os terremotos são medidos pela escala Richter. E os micos são medidos pela escala Weslian!” – José Simão, humorista – Folha de S. Paulo, 05-10-2010.

Tiririca do cerrado

“E o novo slogan da dona Weslian Roriz: "Você sabe o que fais um governadô? Nem eu. Vota ni mim que o meu marido sabe!". A Tiririca do Cerrado” - José Simão, humorista - Folha de S. Paulo, 01-10-2010.

Encerra? Não!

"E um militante petista estava no restaurante, pediu a conta e a caixa gritou: "Encerra?" "Não! Em Dilma!" - José Simão, humorista - Folha de S. Paulo, 30-09-2010.

Nota Pública da CNBB

A Comissão Brasileira Justiça e Paz, da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), divulgou uma nota pública para condenar o uso da fé cristã no processo eleitoral. O documento surge depois das acusações contra a candidata Dilma Rousseff (PT), que nega ser favorável ao aborto. "Muitos grupos, em nome da fé cristã, têm criado dificuldades para o voto livre e consciente", diz a nota.

Critica-se também a nota da Regional Sul 1, que não recomentou o voto em Dilma. A CNBB nacional condenou o texto e afirmou que não representa o pensamento da entidade. "Continua sendo instrumentalizada eleitoralmente a nota da presidência do Regional Sul 1 da CNBB, fato que consideramos lamentável, porque tem levado muitos católicos a se afastarem de nossas comunidades e paróquias", denuncia a comissão.

Leia a íntegra.


Nota da Comissão Brasileira Justiça e Paz

O MOMENTO POLÍTICO E A RELIGIÃO

"Amor e Verdade se encontrarão. Justiça e Paz se abraçarão" (Salmo 85)


"A Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP) está preocupada com o momento político na sua relação com a religião. Muitos grupos, em nome da fé cristã, têm criado dificuldades para o voto livre e consciente. Desconsideram a manifestação da presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil de 16 de setembro, "Na proximidade das eleições", quando reiterou a posição da 48ª Assembléia Geral da entidade, realizada neste ano em Brasília. Esses grupos continuaram, inclusive, usando o nome da CNBB, induzindo erroneamente os fiéis a acreditarem que ela tivesse imposto veto a candidatos nestas eleições.

Continua sendo instrumentalizada eleitoralmente a nota da presidência do Regional Sul 1 da CNBB, fato que consideramos lamentável, porque tem levado muitos católicos a se afastarem de nossas comunidades e paróquias.

Constrangem nossa conciência cidadã, como cristãos, atos, gestos e discursos que ferem a maturidade da democracia, desrespeitam o direito de livre decisão, confundindo os cristãos e comprometendo a comunhão eclesial.

Os eleitores têm o direito de optar pela candidatura à Presidência da República que sua consciência lhe indicar, como livre escolha, tendo como referencial valores éticos e os princípios da Doutrina Social da Igreja, como promoção e defesa da dignidade da pessoa humana, com a inclusão social de todos os cidadãos e cidadãs, principalmente dos empobrecidos.

Nesse sentido, a CBJP, em parceria com outras entidades, realizou debate, transmitido por emissoras de inspiração cristã, entre as candidaturas à Presidência da Republica no intento de refletir os desafios postos ao Brasil na perspectiva de favorecer o voto consciente e livre. Igualmente, co-patrocinou um subsídio para formação da cidadania, sob o título: "Eleições 2010: chão e horizonte".

A Comissão Brasileira Justiça e Paz, nesse tempo de inquietudes, reafirma os valores e princípios que norteiam seus passos e a herança de pessoas como Dom Helder Câmara, Dom Luciano Mendes, Margarida Alves, Madre Cristina, Tristão de Athayde, Ir. Dorothy, entre tantos outros. Estes, motivados pela fé, defenderam a liberdade, quando vigorava o arbítrio; a defesa e o anúncio da liberdade de expressão, em tempos de censura; a anistia, ampla, geral e irrestrita, quando havia exílios; a defesa da dignidade da pessoa humana, quando se trucidavam e aviltavam pessoas.

Compartilhamos a alegria da luz, em meio a sombras, com os frutos da Lei da Ficha Limpa como aprimoraramento da democracia. Esta Lei de Iniciativa Popular uniu a sociedade e sintonizou toda a igreja com os reclamos de uma política a serviço do bem comum e o zelo pela justiça e paz.

Brasília, 06 de Outubro de 2010.
Comissão Brasileira Justiça e Paz,
Organismo da CNBB"

Consolidar a ruptura histórica operada pelo PT

Para mim o significado maior desta eleição é consolidar a ruptura que Lula e o PT instauraram na história política brasileira. Derrotaram as elites econômico-financeiras e seu braço ideológico a grande imprensa comercial. Notoriamente, elas sempre mantiveram o povo à margem da cidadania, feito, na dura linguagem de nosso maior historiador mulato, Capistrano de Abreu,”capado e recapado, sangrado e ressangrado”.

Elas estiveram montadas no poder por quase 500 anos. Organizaram o Estado de tal forma que seus privilégios ficassem sempre salvaguradados. Por isso, segundo dados do Banco Mundial, são aquelas que, proporcionalmente, mais acumulam no mundo e se contam, política e socialmente, entre as mais atrasadas e insensíveis. São vinte mil famílias que, mais ou menos, controlam 46% de toda a riqueza nacional, sendo que 1% delas possui 44% de todas as terras. Não admira que estejamos entre os paises mais desiguais do mundo, o que equivale dizer, um dos mais injustos e perversos do planeta.

Até a vitória de um filho da pobreza, Lula, a casa grande e a senzala constituíam os gonzos que sustentavam o mundo social das elites. A casa grande não permitia que a senzala descobrisse que a riqueza das elites fôra construida com seu trabalho superexplorado, com seu sangue e suas vidas, feitas carvão no processo produtivo. Com alianças espertas, embaralhavam diferentemente as cartas para manter sempre o mesmo jogo e, gozadores, repetiam:”façamos nós a revolução antes que o povo a faça”.

E a revolução consistia em mudar um pouco para ficar tudo como antes. Destarte, abortavam a emergência de um outro sujeito histórico de poder, capaz de ocupar a cena e inaugurar um tempo moderno e menos excludente. Entretanto, contra sua vontade, irromperam redes de movimentos sociais de resistência e de autonomia. Esse poder social se canalizou em poder político até conquistar o poder de Estado.

Escândalo dos escândalos para as mentes súcubas e alinhadas aos poderes mundiais: um operário, sobrevivente da grande tribulação, representante da cultura popular, um não educado academicamente na escola dos faraós, chegar ao poder central e devolver ao povo o sentimento de dignidade, de força histórica e de ser sujeito de uma democracia republicana, onde “a coisa pública”, o social, a vida lascada do povo ganhasse centralidade.

Na linha de Gandhi, Lula anunciou: “não vim para administrar, vim para cuidar; empresa eu administro, um povo vivo e sofrido eu cuido”. Linguagem inaudita e instauradora de um novo tempo na política brasileira. A “Fome Zero”, depois a “Bolsa Família”, o “Crédito consignado”, o “Luz para todos”, a “Minha Casa, minha Vida, a “Agricultura familiar, o “Prouni”, as “Escolas profissionais”, entre outras iniciativas sociais permitiram que a sociedade dos lascados conhecesse o que nunca as elites econômico-financeiras lhes permitiram: um salto de qualidade. Milhões passaram da miséria sofrida à pobreza digna e laboriosa e da pobreza para a classe média. Toda sociedade se mobilizou para melhor.

Mas essa derrota inflingida às elites excludentes e anti-povo, deve ser consolidada nesta eleição por uma vitória convincente para que se configure um “não retorno definitivo” e elas percam a vergonha de se sentirem povo brasileiro assim como é e não como gostariam que fosse. Terminou o longo amanhecer.

Houve três olhares sobre o Brasil. Primeiro, foi visto a partir da praia: os índios assistindo a invasão de suas terras. Segundo, foi visto a partir das caravelas: os portugueses “descobrindo/encobrindo” o Brasil. O terceiro, o Brasil ousou ver-se a si mesmo e aí começou a invenção de uma república mestiça étnica e culturalmente que hoje somos.

O Brasil enfrentou ainda quatro duras invasões: a colonização que dizimou os indígenas e introduziu a escravidão; a vinda dos povos novos, os emigrantes europeus que substituirem índios e escravos; a industrialização conservadora de substituição dos anos 30 do século passado mas que criou um vigoroso mercado interno e, por fim, a globalização econômico-financeira, inserindo-nos como sócios menores.

Face a esta história tortuosa, o Brasil se mostrou resiliente, quer dizer, enfrentou estas visões e intromissões, conseguindo dar a volta por cima e aprender de suas desgraças. Agora está colhendo os frutos.

Urge derrotar aquelas forças reacionárias que se escondem atrás do candidato da oposição. Não julgo a pessoa, coisa de Deus, mas o que representa como ator social. Ceslo Furtado, nosso melhor pensador em economia, morreu deixando uma advertência, título de seu livro A construção interrompida(1993):”Trata-se de saber se temos um futuro como nação que conta no devir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromer o nosso processo histórico de formação de um Estado-nação”(p.35).

Estas não podem prevalecer. Temos condições de completar a construção do Brasil, derrotando-as com Lula e as forças que realizarão o sonho de Celso Furtado e o nosso.

Leonardo Boff