quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Exma. Sra. Procuradora da República dos Direitos Humanos em Minas Gerais

ZENILDA ALMEIDA DE ANDRADE, BRASILEIRA, SOLTEIRA, DESEMPREGADA, RESIDENTE E DOMICILIADA NA Rua Córrego Capão da Posse, n.22, Vila Santa Rita, Vale Jatobá, Belo Horizonte - MG representante dos moradores da Comunidade Irmã Dorothy, situada à Vila Santa Rita em Belo Horizonte - MG , vem, respeitosamente, por meio desta REPRESENTAÇÃO, relatar os seguintes fatos que ensejam a atuação do Ministério Público Federal:


1. BREVE RELATO DOS FATOS

A Comunidade Irmã Dorothy é um aglomerado urbano que se encontra localizado no endereço supracitado e abriga o equivalente a mais de cem famílias que ali cumprem a função social da propriedade conferindo-lhe finalidade social em seu usu.
Tais famílias foram paulatinamente adentrando ao espaço físico em questão na medida de assegurarem moradia que não as ruas da cidade de Belo Horizonte.
A posse que detém a grande maioria dos moradores configura a dita posse velha, ou seja, aquela que se dá por tempo superior ao de um ano e dia, sendo que do início de tal empreendimento o local já se encontrava em condições nítidas de abandono.
A função social que as mais de cem famílias ali exercem diz respeito a todo o empenho que foi empregado na construção, às claras, de seus lares, de forma árdua e significativa, além de sua conservação. Tal fato justifica a intervenção Estatal no intuito de proteção destes que aqui se apresentam, e de todos aqueles que constituem o conglomerado urbano Camilo Torres, comunidade vizinha à da comunidade Irmã Dorothy.
Deve-se ressaltar o caráter pacífico da ocupação relatada tendo em vista sua não ilegalidade e a constituição tranqüila da posse exercida pelos habitantes até o presente momento.
O que anda a abrolhar essas famílias tão humildes é o infortúnio da insegurança de perda da posse do local em que vivem, finalmente, diante de condições que não lhe forma possibilitadas de forma diversa. Tal medo reside no acatamento liminar de Reintegração de Posse solicitada pelos representantes da TRAM LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS LTDA e outros, como consta em decisão anexada.
Após ajuizarem uma Ação de Reintegração de Posse em desfavor de LACERDA DOS SANTOS E Outros, os representantes da empresa supra mencionada obtiveram deferimento ao requerimento de concessão de liminar initio litis por parte do MM. juiz da 3ªᵃ Vara Cível do Fórum Regional do Barreiro, da Comarca de Belo Horizonte.
Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, foi interposto no intuito de proteger todos estes indivíduos que ali vivem e necessitam de tal espaço para sua melhor sobrevivência, além da necessidade de se proteger interesses pátrios constitucionais de moradia. Ao recurso foi negado provimento em prazo recorde, como consta em apenso..
Embargos Declaratórios foram propostos, mais uma vez na tentativa de salvaguardar interesses sociais e constitucionais. Nem mesmo estes Embargos foram apreciados pelo e. TJMG e o juiz primevo já determinou a expedição de mandado reintegratório de posse em desfavor daquelas famílias.

2. Da irregular transferência do patrimônio publico para particulares

Depreende-se da leitura da Certidão de Registro expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis, em anexo, que o imóvel objeto da demanda pertencia ao Estado de Minas Gerais.

Em dezembro de 2001 a CDI-MG – Companhia de Distritos Industriais de Minas Gerais celebrou contrato com a empresa PARR PARTICIPAÇÕES LTDA, com sede em São João Nepomuceno, pelo qual o imóvel constituído pelo lote 26 – vinte e seis – do quarteirão 155 – cento e cinqüenta e cinco – do Bairro Jatobá – Distrito Industrial seria transferido para referida empresa, SOB A CONDIÇÃO DE, NO PRAZO DE VINTE MESES, SER REALIZADO NO LOCAL UM empreendimento industrial, gerando empregos na região.

Chama a atenção o fato de uma obscura empresa do interior do Estado ter celebrado este contrato. À época o famoso publicitário Marcos Valério mantinha estreitos laços com o Banco Rural e com o então governador do Estado, ocasião em que operava no rumoroso caso do que se convencionou chamar de Mensalão Mineiro, comandado pelo então governador Azeredo, conforme denunciado pelo Ministério Público Federal junto ao STF.

Exatos cinco meses após a celebração do referido contrato a empresa PARR Participações Ltda, contando com a anuência da CDI-MG, transfere o imóvel para o Banco Rural S/A, como dação em pagamento.

Da CDI (atual CODEMIG – Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais), dita empresa adquiriu o imóvel pelo valor de R$ 121.000,00 e o repassou para o Banco Rural, cinco meses depois, por R$ 600.000,00. Mais do que 500% acima do valor pelo qual o Estado, por meio da CDI, repassou o imóvel ao particular.

O encargo da implantação de um empreendimento industrial na área, outrora pública, foi remetido ao esquecimento. Assim, matreira e astutamente, um BEM PÚBLICO é transferido para o particular, sem que a sua destinação seja alcançada.

Transcorridos os vinte meses estabelecidos na cláusula nada foi feito no local, e os anos se passaram desde então sem que fosse dada nenhuma destinação ao imóvel.
Seis anos depois, sem que o encargo tenha sido cumprido, a mencionada CODEMIG, sucessora da CDI, permaneceu inerte. Nada fez para reverter ao patrimônio público o imóvel em questão.

Pois bem, embora assentado em explícita ilegalidade, o Banco Rural S/A celebra, em 2007, o tal Contrato Particular de Compra e Venda com a empresa TRAMMM LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS LTDA e outras pessoas físicas,, pelo valor de R$ 180.000,00.

Três anos se passaram sem que sequer a Escritura de Compra e Venda tenha sido providenciada.

Se a documentação indispensável para a consecução dos objetivos da transação comercial não foi providenciada, como sustentar que qualquer ato que pudesse caracterizar a posse da empresa foi realizado?

O imóvel, por mais de dez anos, restou em completo abandono. O local servia unicamente para bota-fora de resíduos sólidos, como bem demonstram as fotos em anexo.

Em fevereiro de 2010, a empresa Tram e outras pessoas físicas, sem que proprietários fossem do imóvel, celebram Contrato de Promessa de Compra e Venda com ASACORP EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇOES S/A, pelo valor de R$ 580.000,00. Também esta nova empresa sequer uma estaca implanta no local. O terreno continua, em parte sendo depósito de entulhos. Em outra parte, passou a abrigar famílias que ali se foram se instalando como extensão da comunidade Camilo Torres. A esta extensão da comunidade se passou a chamar Comunidade Irmã Dorothy.

É neste contexto que famílias sem-casa, vivendo na região em condições de miserabilidade, pouco a pouco foram ocupando as vastas áreas abandonadas no que outrora se chamava Distrito Industrial de Belo Horizonte. Assim que se formou a Comunidade Camilo Torres, cuja área de ocupação tem vários anos e abrange, inclusive, a área pleiteada pelos autores da ação de reintegração de posse em anexo.

3. Da estranha aprovação de Projeto pela Caixa Econômica Federal

Em 28/07/2009 os Autores da Ação de Reintegração de Posse retromencionada firmaram Termo de Opção de Compra e Outras Avencas com a ASA CORP Empreendimenntos e Participações S/A, visando a aquisição do terreno e a implantação, no local, um Empreendimennto do Minha Casa, Minha Vida, programa financiado pelo Governo Federal.
De posse de um questionável Contrato de Promessa de Compra e Venda celebrado com referidos Autores, ASA CORP ingressa com um Projeto de Financiamento de construção de unidades habitacionais pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, junto à Caixa Econômica Federal.
Documento expedido pela CEF dá conta que “de acordo com os valores e parâmetros apresentados pela empresa, o empreendimennto descrito abaixo, se enquadra no Programa do Governo Federal MINHA CASA, MINHA VIDA.
O Residencial Vila Pinho, será composto de 300 unidades de dois quartos, sem suíte – 42,58 metros quadrados (valor de R$ 63.870,00). Situado no endereço Rua Córrego do Capão da Posse, Bairro Jatobá, Belo Horizonte- MG”.
De se concluir que, malgrado não seja ASA CORP proprietária do imóvel, a CEF considera que o Projeto por ela apresentado se enquadra no Programa Minha Casa, Minha Vida.
A irregular transferência do patrimônio público para particulares está sendo investigada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, através da Promotoria do Patrimônio Público.
Urge que o Ministério Público Federal apure a legalidade do financiamento de tal Projeto por parte da CEF, com a anuência do Município de Belo Horizonte, vez que recursos federais estarão envolvidos no empreendimento.


3. CONCLUSÃO

A comunidade Irmã Dorothy se encontra na iminência de ser desalojada por determinação judicial. A medida atende pleito de empresa que se quer proprietária legal é do imóvel. Imóvel este, ao qual é reclamada posse absurdamente baseada em CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA, realizado entre o Bando Rural S/A e a empresa TRAM LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS LTDA. Nosso ordenamento não permite a posse ficta, como se apresenta ao caso. Esta deve ser exercida de fato para que possa ser reclamada.
A toda evidência o patrimônio público foi cedido a empresários inescrupulosos, em prejuízo da sociedade. O interesse público e a lei foram escancaradamente violados. Além do que se pretende, com a cumplicidade da Administração Municipal, se angariar recursos federais para um empreendimennto que vai desalojar mais de uma centena de famílias de seus lares.

Por esta razão, é a presente, para requerer:
Em caráter emergencial, a intervenção do Ministério Público junto ao juízo da 3ª Vara Cível do Fórum Regional do Barreiro,no processo que tramita sob o número 0056753-09.2010.8.13.0024 para que qualquer mandado de reintegração de posse seja suspenso, relativamente à área em questão, até que se apure a legalidade da transferência do bem público
2. Que se instaure procedimento para se apurar os trâmites de Projeto apresentado por ASA CORP junto à Caixa Econômica Federal e ao Município de Belo Horizonte, visando a construção, no local acima identificado, de um conjunto habitacional de 300 unidades, a ser financiado pelo Programa Federal Minha Casa, Minha Vida, a fim de se apurar a possibilidade de irregularidades e ilegalidades ali presentes.



Belo Horizonte, 28 de agosto de 2010.



Zenilda Almeida de Andrade.

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