Estado de Minas
Segunda-feira, 06 de junho de 2011
Em dia com a Política
Drogas e democracia
A comissão sabe que está colocando a mão em um vespeiro e admite que esse é um tema controverso, principalmente para políticos que muitas vezes se sentem
intimidados, com medo de perder eleitores
Alessandra Mello
Em um pronunciamento feito à nação estadunidense durante seu mandato (1989/1993), George W. Bush, o pai, ameaça sem rodeios os usuários de drogas daquele
país. “Usar drogas é contra a lei. E, quando você for pego, será punido. Alguns acham que não haverá espaço nas cadeias. Criaremos espaço.” De lá para
cá, muitas coisas mudaram não só nos Estados Unidos, mas no resto do mundo. Algumas evoluíram, outras continuam do mesmo jeito. Nessa última categoria
está incluída a política de enfrentamento da questão das drogas na maioria dos países da América, quase sempre centrada exclusivamente na criminalização
do usuário e na repressão ao tráfico. Apesar de ser amplamente adotada como principal ferramenta para conter o uso de substâncias ilegais, ela é hoje um
fracasso.
O consumo de drogas continua crescendo e não há governo no mundo que dê conta de criar presídios para abrigar tantos usuários. Até porque junto com o aumento
do uso de drogas de toda sorte, veio também o crescimento da violência e do tráfico de armas. De nada adiantou a voz grave e ar circunspecto de Bush pai
em sua vã ameaça. Os Estados Unidos é hoje o país com o maior número de pessoas presas por algum tipo de crime ligado a drogas, de consumo a tráfico.
Esse depoimento do ex-presidente George Bush abre o documentário Quebrando tabu, que trata da falência da política proibicionista de combate às drogas,
e que tem como âncora o também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Perto de completar 80 anos, FHC assumiu publicamente a defesa no Brasil da descriminalização
do consumo de drogas e da regulamentação do uso da maconha, como forma de diminuir o poder de fogos dos traficantes. Um debate longo e polêmico que envolve
tema controverso em todo o mundo, inclusive no Brasil. Mas inevitável e, mais ainda, inadiável.
A Comissão Global de Políticas sobre Drogas, entidade não governamental ligada à Organização das Nações Unidas, divulgou na semana passada o relatório
“Drogas e democracia: Rumo a uma mudança de paradigma”, que defende um novo modelo de enfrentamento do problema na América Latina. Assinado por Fernando
Henrique e também pelos ex-presidentes da Colômbia César Graviria e do México Ernesto Zedilio, o documento afirma que a guerra global contra as drogas
falhou e que é preciso “romper o tabu” e reconhecer os fracassos das políticas vigentes e suas consequências negativas. “Precondição para a discussão de
um novo paradigma de políticas mais seguras, eficientes e humanas”, afirma o documento, que contou também com a colaboração dos escritores Mario Vargas
Llosa (peruano), prêmio Nobel de Literatura, e do brasileiro Paulo Coelho, defensores da legalização do consumo e de campanhas sem rodeios sobre o assunto
para desincentivar o consumo.
E alerta: estamos cada vez mais distantes da erradicação das drogas. Problema grave, principalmente para a América Latina, que continua sendo o principal
exportador mundial de cocaína e maconha, e assiste a cada ano o aumento da produção de ópio e heroína.
Além de romper o silêncio e propor um debate claro sobre o assunto o documento traz propostas concretas, entre elas tratar os usuários como pacientes do
sistema de saúde, descriminalizar o uso da maconha para consumo pessoal, adotar campanhas inovadoras de alerta contra os riscos do uso de todo tipo de
droga, tendo como foco depoimento de ex-dependentes. Defende também o desenvolvimento de estratégias regionais e globais para combater os efeitos do tráfico
(lavagem de dinheiro, crime organizado, tráfico de armas) e reforçar o controle nas fronteiras.
A comissão sabe que está colocando a mão em um vespeiro e admite que esse é um tema controverso, principalmente para políticos que muitas vezes se sentem
intimidados, com medo de perder eleitores. Na contramão do relatório da comissão tramitam no Congresso Nacional cerca de 100 projetos envolvendo a questão
das drogas. Muitos propõem penas rigorosas para usuários e traficantes. Por outro lado, vários países, principalmente na Europa, vêm desenvolvendo políticas
inovadoras para enfrentar o problema do uso de drogas ilícitas, tendo como foco a descriminalização e a
redução dos danos.
No Brasil, discutir esse assunto não vai ser fácil. No Congresso Nacional então vai ser osso. Se o homossexualismo ainda é um tabu entre os congressistas,
que dirá drogas. Mas pelo menos o assunto ganhou agora um “garoto propaganda” de credibilidade. Quem tiver curiosidade pode baixar o relatório da Comissão
Global na íntegra no site www.drogasedemocracia.org.
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