terça-feira, 7 de junho de 2011

“FHC presta um desserviço à saúde pública”

Ronaldo Ramos Laranjeira, psiquiatra e coordenador do Instituto Nacional de Políticas do Álcool e Drogas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

Gazeta do Povo - Jônatas Dias Lima
O Brasil não tem uma rede de assistência pública a dependentes químicos e facilitar o acesso às drogas apenas pioraria as condições de tratamento. Esse é o contraponto feito pelo psiquiatra Ronaldo Ramos Laranjeira à proposta de descriminalização dos entorpecentes defendida por personalidades políticas mundiais na semana passada, incluindo o ex-presidente FHC. “O que o Fernando Henrique está fazendo é um desserviço à saúde pública”, dispara.

Para Laranjeira, que também é professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), não faz sentido falar em descriminalização se o país ainda não tem o essencial pa ra lidar com a dependência química.

A descriminalização de substâncias psicotrópicas pode ajudar o país no controle do consumo de drogas?

O Brasil tem uma lei de 2006 que já fez uma certa descriminalização do usuário e definiu um maior aumento da pena aos traficantes. Acredito que não é significativo você criar uma outra lei mais branda se o governo não fizer a lição de casa, e ainda não se fez nem o básico, que é investir em prevenção e em tratamento. O Brasil não tem uma rede assistencial pública para lidar com dependente químico. Não temos nenhum programa oficial do Ministério da Saúde para o tratamento de dependentes do crack, por exemplo, ou para pessoas que sofrem de alcoolismo. Essa ausência afeta especialmente aqueles que não podem pagar um tratamento em uma clínica privada.

O que acha do envolvimento de líderes mundiais, incluindo o ex-presidente FHC, na divulgação da descriminalização ?

O que o Fernando Henrique está fazendo é um desserviço à saúde pública e aos valores da sociedade brasileira. Ele devia estar defendendo a proteção das famílias que têm esse problema com a criação de uma rede assistencial pública. Aliás, é preciso criar sistemas de financiamento para todo o setor de prevenção, que realmente não tem recursos. Não havia recursos na época do Fernando Henrique, não houve no mandato do Lula e não há agora. Quando se ouve a própria secretária nacional Antidrogas, doutora Paulina Arruda, falar que não há epidemia de crack no Brasil vemos que há muito amadorismo por parte do governo nessa questão.

Manifestações como a marcha da maconha podem influenciar a opinião pública sobre o modo de encarar a questão das drogas?

A opinião pública em geral é muito desfavorável à legalização das drogas. Se você fizesse um plebiscito hoje com certeza uma proposta de legalização perderia. Mas esse movimento envolvendo pessoas importantes tende a influenciar esse posicionamento e isso é realmente muito ruim para a saúde pública. Isso ocorre no mundo inteiro, é financiado por grandes investidores e pretende influenciar o governo e as Nações Unidas. No discurso deles a solução do problema parece fácil, é só você facilitar o acesso que as coisas se resolvem, mas eu penso que se você facilita o acesso, você aumenta o número de usuários e isso só aumenta o problema.

Quais seriam as consequências de uma possível legalização?

Tornar o acesso às drogas mais fácil seria prejudicial principalmente para a população desassistida, porque aquela pessoa de classe média que participa da marcha da maconha tem recursos. Se ela fica doente por causa de drogas, a família paga uma clínica, mas aqueles que não podem pagar pela assistência médica não têm para onde ir.

O relatório recentemente divulgado pela Comissão Global sobre Políticas de Drogas afirma que a guerra contra os narcóticos fracassou. Como o senhor avalia o desempenho das atuais medidas antidrogas ?

Não é verdade que há um total fracasso. A Suécia, por exemplo, tem um terço do consumo de drogas dos Estados Unidos, índices bem menores do que a média na Europa, e tem um modelo completamente diferente daquele que o Fernando Henrique está propondo. A Suécia não descriminalizou as drogas, mas também não prende os usuários.

Que medidas urgentes o Brasil deveria adotar para tratar o problema das drogas?

O que defendo é a criação de uma rede assistencial pública para as pessoas que usam drogas e investimento em prevenção. Há uma série de políticas que poderiam fazer a diferença na prevenção ao uso de drogas e nós ainda não as aplicamos. O Brasil ainda não fez o básico, então não faz sentido achar que liberar o uso de drogas vai resolver o problema.

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