quarta-feira, 23 de junho de 2010

Sociedade - APAC: matar o criminoso, salvar o homem...



ENTREVISTA

Professora associada do Departamento de Psicologia da FAFICH-UFMG, Vanessa Andrade de Barros participou do seminário organizado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que deu origem ao livro “Estudos de Execução Criminal” [Belo Horizonte, 2009], onde ela assina um dos artigos. Nesta edição, apresentamos a entrevista que ela concedeu a “O Lutador” via Internet.


O Lutador: Costuma-se dizer que nosso sistema prisional é um sistema "falido". Qual é a sua opinião a respeito?
Profa. Vanessa: Não apenas o nosso, mas todo e qualquer sistema que tenha como objetivo o aprisionamento de pessoas é, por definição, falido. Prender alguém não tem nenhum fundamento terapêutico ou ressocializador como apregoam os discursos oficiais e de alguns especialistas. E as estatísticas demonstram: o número de reincidência no sistema prisional é muito elevado em qualquer país, sinal de que não funciona mesmo. Além das estatísticas, temos também as histórias de vida, os depoimentos de egressos que confirmam a ineficácia desse sistema.


O Lutador: Na prática, a detenção é uma espécie de "vingança" da sociedade contra o infrator? Ou legítima reação de defesa?
Profa. Vanessa: Na pratica, a prisão é um local de depósito daqueles a quem o Estado não consegue (ou não quer) oferecer outras possibilidades de construção de uma nova vida fora da marginalidade. Se, ao invés de construir cada vez mais prisões, houvesse grandes investimentos dos governos em oferecer melhores condições de vida, de educação, de saúde, de emprego, de acesso à cultura, certamente não haveria necessidade de tantos presídios. A detenção destrói o ser humano, e isto traz consequências para a sociedade que, muitas vezes, clama por vingança (o que não deixa de ser também um crime) como reparação pelo mal causado, confundindo-a com justiça. A reparação deveria ser de outra ordem, que de fato trouxesse conforto às pessoas atingidas por um crime e que tivesse efeito educativo, e não punitivo.


O Lutador: Em seu ponto de vista, qual deveria ser a atuação mais adequada do corpo social em relação aos infratores?
Profa. Vanessa: Procurar entender a situação de cada um, buscar a responsabilização e a justiça e transformar o desejo por vingança em algo útil para a sociedade. Dentro das possibilidades de cada um, participar, criar ações práticas de transformação de realidades precárias de vida, engajar-se na busca de soluções para tratar o problema da violência que não seja punitivo, mas educativo, transformador.


O Lutador: Do ponto de vista teórico, qual a contribuição da APAC para responder à crise do mundo penitenciário?
Profa. Vanessa: O método APAC, segundo o qual mata-se o criminoso e salva-se o homem, é uma perspectiva interessante que contém a crença na recuperação de qualquer pessoa que, por uma razão ou por outra, tenha cometido algum crime. É uma metodologia que propõe, através de ‘valorização humana’, atividades coletivas, trabalho, reflexões, espiritualidade, participação da família e ajuda de voluntários, a mudança de relação com o mundo, uma maneira de viver dentro da legalidade.


O Lutador: Do ponto de vista prático, em quê a APAC inova e (muitas vezes) gera contestações?
Profa. Vanessa: Do ponto de vista prático e em minha opinião, o que poderia enfrentar a crise do modelo penitenciário é o respeito e a dignidade no cumprimento da pena. Os recuperandos do modelo APAC possuem condições adequadas e dignas de vida dentro da prisão, e recebem instrução e formação profissional para quando saírem da prisão. As contestações são feitas normalmente por quem não conhece o funcionamento do método e pensa que APAC é “hotel cinco estrelas”. Importante lembrar que o custo de um preso APAC é três vezes menor para o Estado do que o custo de um preso do sistema convencional, já que nas APAC's os presos são responsáveis por todo o trabalho de manutenção da unidade (limpeza, refeições, segurança) e contam com o trabalho de voluntários (psicólogos, médicos, dentistas, educadores sociais, oficineiros...) no atendimento individualizado.

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