DAN MITRIONE
Antônio de Faria Lopes
Advogado
Pouquíssimas pessoas sabem quem foi Dan Mitrione, homenageado com o nome de uma rua em Belo Horizonte no início dos anos 1970. A homenagem, sabe-se agora, fez parte de um plano para mascarar a biografia do torturador ítalo-americano que a ditadura militar trouxe, num convênio com a CIA, para ministrar aulas de tortura aos policiais brasileiros. E ele veio justamente para a capital mineira. Os espancamentos de presos políticos, que já eram a prática com os presos comuns (e continuam), passaram à condição de “método científico” com a chegada do “mestre”. As aulas não eram somente sobre a contradição entre corpo e espírito, entre fidelidade e resistência, entre caráter e covardia. As aulas eram práticas. Mendigos e presos comuns eram seviciados em salas de aulas para mostrar aos alunos os pontos mais vulneráveis do corpo, as técnicas mais eficientes, os instrumentos mais adequados, o limite depois do qual o risco de matar o preso era iminente. Estes tempos tristes estão sendo esquecidos e o hediondo crime de tortura, embora imprescritível e inafiançável, pode ser anistiado desde que o STF assim o entenda. As coligações políticas entre defensores da tortura (e até torturadores remanescentes) e antigos lutadores pela liberdade e pela justiça começam a ficar comuns para a conquista ou manutenção do poder. Esta volúpia pelo poder, que despreza a ética e os princípios, terá como primeira vítima a liberdade. Sempre foi assim em todas as autocracias. Quando nos esquecemos dos horrores da ditadura, quando eles vão ficando mais distantes no tempo é que o pêndulo começa a se movimentar na direção do autoritarismo. A experiência dos que sofreram é confundida com atraso em um mundo que caminha cada vez mais rapidamente em direção a uma “pós modernidade”, depois da qual pode restar apenas um planeta morto. Os que foram vítimas dos ensinamentos de Dan Mitrione, aqui e no Uruguai, sabem que liberdade (“essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda” Cecília Meireles) é mais importante que o consumismo, o resultado de bolsas de valores, a cotação de moedas estrangeiras, o humor do mercado.
Dan Mitrione foi ensinar tortura no Uruguai. Os Tupamaros o prenderam para trocá-lo por presos políticos da ditadura de lá. Ante a recusa dos militares uruguaios, foi justiçado. O nome de rua em Belo Horizonte foi a pedido dos americanos que queriam transformar o torturador em herói. Não conseguiram.
Em 1983, por iniciativa de Artur Viana e Helena Greco, vereadores na época, o nome da rua foi mudado para José Carlos Mata-Machado, jovem lutador pela liberdade, assassinado sob tortura (talvez com as técnicas ensinadas por Mitrione) nos porões da ditadura em Pernambuco. Era filho do inesquecível Prof. Edgar Mata-Machado. Belo Horizonte foi redimida e ficou mais limpa. A inauguração da nova placa foi uma festa. Eu estava lá. E não me esqueço.
03.06.10
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