sábado, 6 de novembro de 2010

O Rei do Mundo

Ele controla um quinto da população do planeta, pode desviar rios e metrópoles. Eis por que a Forbes "coroou" o líder chinês Hu Jintao.

A reportagem é de Giampaolo Visetti, publicada no jornal La Repubblica, 05-11-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O ano de 2010 será lembrado pelos chineses como um ano formidável. Pequim quebrou todos os recordes possíveis e voltou a ser o epicentro do planeta. O ano do Tigre havia começado com a ultrapassagem do Japão, o que projetou a China ao segundo lugar entre as potências econômicas globais. Encerrou-se idealmente na última quinta-feira, com a coroação do presidente Hu Jintao como o homem mais poderoso do mundo.

É a primeira vez da história que um líder chinês alcança a cúpula do poder político, deixando às suas costas os homens de decisão do Ocidente. O fato de essa mudança de peso ter sido assumida pela revista norte-americana Forbes, a bíblia dos costumes capitalistas, é essencial. A bússola dos EUA não ratifica apenas a soma dos eventos que marcaram os últimos meses. Estabelece uma passagem de comando. Pessoal, entre Hu Jintao e Barack Obama, deslocado para o segundo lugar. Mas principalmente nacional e global, com a China, motor do Oriente, que assume o cetro detido por 60 anos pelos EUA, alma do Ocidente.

Mas ler uma rendição na classificação da Forbes seria um erro. O fato de que a locomotiva do planeta, única grande potência a sair reforçada pela crise de 2008, não pode ser conduzida por um piloto de segundo plano é uma tomada de consciência tardia. Mas a Forbes dá mais um passo. Pela primeira vez, assinala que "o poder pode ser usado para o bem, mas também para o mal". Evita inserir Hu Jintao no grupo dos maus, mas explica os "novos critérios" que o levaram ao primeiro lugar entre os 68 indivíduos que representam os 6,8 bilhões que compõem a humanidade. [O único brasileiro da lista é a presidenta recém eleita, Dilma Roussef, na 16ª posição].

Para os chefes de Estado, os analistas norte-americanos levaram em consideração as dimensões da população controlada e a tendência do PIB nacional. Nesse âmbito, com 1,4 bilhão de habitantes e um crescimento anual de 10%, a China e Hu não têm rivais.

A Forbes, neste ano, buscou assim entender quem é "o líder que, de várias formas, curva o mundo à sua vontade". O secretário-geral do partido comunista chinês foi escolhido porque "é o líder político fundamental, mais do que qualquer outro, por causa do maior número de pessoas, ao exercer um controle quase ditatorial sobre um quinto da população mundial". É um ataque que, em Pequim, ainda sacudida pelo Nobel da Paz entregue ao dissidente Liu Xiaobo, não passou inobservado. A revista norte-americano acrescentou que, "diferentemente dos seus colegas ocidentais, Hu também lidera o maior Exército do mundo e é capaz de desviar rios, construir e deslocar metrópoles, colocar na prisão dissidentes e censurar a Internet, sem ingerências de burocratas cansativos ou de tribunais".

Para a China, segundo o único comentário oficial divulgado pela agência de Estado, é a enésima prova de que, "ao imperialismo ocidental, só restam prêmios simbólicos para tentar frear o crescimento do Oriente". A leitura chinesa é que "a revista do luxo em baixa da América" projetou Hu Jintao ao topo do mundo para "disparar o alarme sobre o perigo de o planeta estar se entregando nas mãos de regimes autoritários".

É uma conclusão extrema, mas a Forbes, referindo-se aos "seres humanos comandados hoje por uma só pessoa", não renunciou a um destaque inquietante. "A China – escreve a revista – recusa curvar-se às pressões para mudar a taxa de câmbio de sua moeda e administra a maior reserva mundial de moeda estrangeira, igual a 2,65 trilhões de dólares". Isto é, o líder chinês conquistou o primado do poder de 2010 graças à vontade financeira de ter em suas mãos o destino dos indivíduos da terra por meio da chantagem da desvalorização competitiva e do investimento nas dívidas públicas dos EUA, da Europa e do Japão.

Proposto sob essa luz, o que a Forbes quer dizer é que o chefe do regime pós-comunista chinês já reina concretamente sobre o destino não só dos chineses, mas sobre o de uma comunidade internacional que não quer se dar conta disso.

Não seria uma boa notícia para o mundo que busca com dificuldade se livrar do unilateralismo norte-americano. Mas é verdadeira? E quem é realmente o homem mais poderoso do planeta, o que é hoje a China que ele impõe como protagonista absoluto do século? Os chineses, que não confundem a figura do líder com as dimensões da sua nação, sabem que Hu Jintao não pode comandar o mundo.

As razões são quatro. A China já é o país que faz menos filhos na terra e, diferentemente da Índia, dentro de 30 anos, será uma nação de velhos privados de assistência. Em Pequim, não é o presidente que comanda, mas sim o "Partido", autêntica e única potência. Hu terminará o seu mandato em pouco mais de um ano, e, junto com ele, também será substituído o poder dos seus protegidos.

O próximo líder chinês, Xi Jinping, não pertence ao seu time de "tecnocratas reformistas", mas ao adversário, formado por "princípios vermelhos conservadores". No lugar dos "jovens pobres de nascimento" que queriam "modernizar a nação", alunos de Deng Xiaoping, chegarão os "filhos dos revolucionários maoístas", decididos a "reestruturar a pátria", segundo as indicações de Jiang Zemin.

O fato de que o chefe da China não é eleito pelo povo e que Hu, na metade de outubro, tenha sido descartado pela maioria do "Partido", que virou as costas também para o primeiro-ministro Wen Jiabao, significa que a Forbes propõe à atenção global um líder já à beira do declínio e quase sob tutela. Uma classificação mais analítica, decidida a levar o fenômeno-China à atenção internacional, ignoraria a função e privilegiaria a substância, conferindo o primado da influência mundial ao "Partido Comunista Chinês", ou a Xi Jinping, o homem hoje realmente mais temido pelos chineses, além de ser aquele que determinará o nosso destino até 2022.

É claro, no entanto, que, em 2010, a atenção não se dirigiu para um indivíduo, à beira dos 70 anos, mas sim ao universo que ele simboliza. Hu Jintao é o mais insosso burocrata ao qual a China foi confiada depois da morte de Mao Zedong. Nenhum gesto marcante, em quase dez anos de poder, nenhuma escola decisiva. Os chineses o consideram como um "regente de transição que nasceu dos vetos cruzados dos novos lobistas dos negócios". O resto do mundo se lembra dele, pelo contrário, pelas repressões no Tibete e em Xinijang, pela censura e pela violência com as quais impediu toda forma de dissenso. "Ele manteve o posto – confiam os seus próprios funcionários – decidido a deixar todo problema como herança para seu sucessor".

O cenário muda se considerarmos a China como o destinatário efetivo da menção da Forbes. O crescimento do seu poder, em 2010, foi impressionante. Segue de perto os EUA na economia, cresce em 10% há uma década, tornou-se o primeiro mercado dos automóveis, dos trens de alta velocidade e do tráfego aéreo, o primeiro exportador e o primeiro importador de bens do mundo. Até 2025, será a nação-líder do planeta e, em pouco meses, tirou dos EUA o cetro da energia verde, o das missões no espaço, do número de bilionários e de pertencentes à classe média.

Pela primeira vez, o computador mais veloz, o maior número de graduados, o recorde das patentes e a velocidade de crescimento de bancos e de mercados financeiros é "Made in China". A China se voltou militarmente para o Pacífico, reivindicando ilhas e trechos de mar que, no pós-guerra, haviam acabado na órbita do Japão, dos EUA e de outras nações do Sudeste Asiático.

Tornou-se a referência política, o exemplo econômico e o apoiador militar das nações emergentes da África, da América Latina e da Ásia.

Essa "China-Hu Jintao", da exploração de mão-de-obra de baixo custo, se deslocou por fim para a alta tecnologia e para a produção de novas matérias-primas, indispensáveis para a indústria do futuro.

Sob esse aspecto, o homem que oficialmente governa hoje a China domina substancialmente o presente de todos. O mundo, porém, como assinala a Forbes, indicando o poder de Bin Laden, o do ditador norte-coreano Kim Jong-il e de seu filho, ou de alguns criminosos internacionais, não acaba com as taxas de crescimento e as reservas dos bancos centrais. O ano de 2010 será lembrado principalmente como o ano do Nobel a Liu Xiaobo, o dissidente chinês que, da prisão, está revelando a impotência real de Hu Jintao. A reação de Pequim ao prêmio de Oslo confirmou a fragilidade de um sistema e de uma classe dirigente, incapazes de manter o passo do crescimento e da sociedade.

O homem mais poderoso do mundo tem medo de um escritor condenado a 11 anos por ter proposto "reformas políticas e respeito aos direitos humanos" e é obrigado hoje a manter um prêmio Nobel na prisão e um outro, o Dalai Lama, no exílio, a prender e torturar quem expressa suas próprias ideias e professa sua própria fé, a censurar a Internet, a trancar nos "campos de reeducação" milhões de pessoas e a paralisar as outras com a propaganda.

O líder que, em 2010, governou o planeta é, em sua pátria, um velho funcionário perto da aposentadoria, refém de um Partido-Estado sob estado de choque. A Forbes assinala que essa mistura de explosão econômica e implosão política, privado de propostas e de culturas novas, começa a decidir se definir para todos. A China de Hu Jintao agora está na cabeça de todos: melhor saber disso, ao invés de continuar fingindo arrogância.

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